"Quero ser um dos grandes" foi a frase de Timothee Chalamet, um actor americano, aquando da aceitação de um prémio, há uns dias. Talvez o tenha dito na excitação do momento ou porque é ainda muito novo e está afectado pela fama. Não sei, mas disse-o perante uma assembleia de actores, produtores, realizadores: trabalha para um legado de grandiosidade.
Quem também tem essa ambição é Trump e o seu parceiro Musk, embora cada um à sua maneira porque Musk usa-se de Trump por quer ter poder absoluto e está-se nas tintas para a MAGA mas Trump quer ser 'um dos grandes' da América, como ele diz, confundindo o seu país com todo o continente. Depois, são ambos sociopatas mas Musk está mesmo convencido que é um ser intelectualmente superior enquanto Trump é um narcisista vulnerável à lisonja por motivos de insegurança intelectual - o cargo de Presidente da 'América' funciona para a sua imagem e para a força que quer projectar, como um Viagra.
São pessoas racistas e misóginas, talvez pelo contexto da educação. Musk é um africânder e Trump é um cristão ideológico - um indivíduo que abraça a ideologia da religião no que respeita aos costumes, mas não o exercício do espírito religioso.
Trump, tal como Putin, pensa que o Ocidente caiu em desgraça desde que aceitou gays, mulheres no exército e políticas inclusivas que, em seu entender, efeminizaram os homens, a Política e a autoridade da 'América' no mundo. Ele quer uma 'América' de famílias cristãs, de homens fortes e temidos e mulheres de valores tradicionais. A administração dele está muito vinculada aos cristãos evangélicos que são fanáticos e extremistas como os islamitas.
Ele acredita mesmo, penso, na ideologia MAGA e foi muito influenciado pelas ideias de Bannon, para quem a 'América' só poderia voltar a ser grande se a Europa voltasse a ser pequena como aconteceu no pós-guerra, quando estava destruída e dependente da força dos EUA.
Enquanto a Europa não for reduzida, será um obstáculo à grandiosidade da América, o que o diminui a ele pessoalmente dado que dificulta a construção do seu legado e de uma 'América' orbanizada ou mesmo russificada. Além disso, uma Europa forte e ateia com valorização das políticas de inclusão sobrepõe a sua voz e diminui a força da América cristã tradicional.
Penso que ele partilha isto da decadência dos valores com Putin e pensa, por isso mesmo, que Putin o compreende e quer o mesmo que ele.
Trump tem uma visão do mundo influenciada pelo dogma nefasto de Kissinger acerca do poder e das áreas de influência. Como quer uma 'América' grandiosa, sendo ele o construtor desse legado, tem na ideia uma visão do mundo dividida por grandes potências dominadoras, cada uma com a sua área de influência: a Rússia com domínio sobre a Europa, os EUA com domínio sobre a América (continente) e talvez a China, com domínio sobre a Ásia. A África não lhe interessa. Ele não vê a África como uma potência que possa ameaçar alguém.
Não por acaso está a sair de todas as organizações internacionais que podem retirar poder à 'América'. Ele não é pessoa de negociar: ele dita as condições, compra com dinheiro e se for preciso usa a força do dinheiro para chantagem. Só cede ao poder e à força das circunstâncias, tal como Putin.
Diferentemente de Putin, Trump quer dominar o continente americano e ser uma grande potência, mas sem recurso ao poder das armas. Apenas com o poder do dinheiro. Já no 1º mandato ele propôs-se comprar a Gronelândia e disse mesmo que queria expandir o território dos EUA, mas nessa altura era mais inexperiente e menos descarado.
Ele quer ficar para a história como 'um dos grandes' através da expansão do território e do consequente aumento de riqueza do país e, obviamente, do poder. Para isso precisa que outros países, nomeadamente potências económicas, não intervenham e se tornem obstáculos. Daí a necessidade de dividir e destruir a UE. Este era um dos grandes objectivos declarados e defendidos do projecto de Bannon.
Penso que ele alinhavou uma espécie de Tratado de Tordesilhas com Putin: tu ficas com a Ucrânia e o que mais quiseres da Europa que nós não seremos obstáculo e nós vamos ficar com o Canadá e a Gronelândia e vocês não interferem na nossa vida mesmo que tenhamos um problema com a China. Putin terá dito que sim e ele acredita mesmo que Putin o respeita e que respeita um acordo com ele. Daí estar a promover russófilos e políticas de amizade e confiança com a Rússia. Ele pensa que uma aliança com a Rússia de Putin é mais forte e lhe traz mais riqueza e grandiosidade que uma aliança com a Europa, que está cheia de gente que nem sequer gosta dele ou respeita os seus valores - o que é verdade.
É claro que estou a especular porque não tenho acesso a informações secretas e o que penso é a partir do que leio e do que vejo cada uma das partes dizer e fazer. Porém, não percebo como é que Trump iria explorar minério na Ucrânia se os territórios ocupados ficassem com a Rússia...
Em geral, os presidentes americanos acreditam que os outros líderes ficam impressionados com a sua personalidade (dada a reverência subserviente que têm dentro do seu país), e com o peso de serem os líderes com mais poder no mundo - o que sendo verdade, não é, noutro ponto de vista.
Mas a questão é que Trump espera sempre que outros líderes fiquem esmagados de respeito pela sua presença dada a grandiosidade que ele pensa que a 'América' tem no mundo e na história do mundo.
Na verdade, neste momento os líderes dos valores religiosos machistas tradicionais e os autoritários estão a cerrar fileiras - veja-se Milei e veja-se como Israel votou com a Rússia contra a Ucrânia para agradar a Trump.
Parece-me que Ursula von der Leyen tem toda a razão quando urge a um plano para a defesa da Europa.
Para já, tudo o que nos faça ganhar tempo, obviamente que é bom. Pode ser que o rei inglês tenha a habilidade de atrasar o divórcio de Trump com a Europa, mas é difícil.
Não sei o que Zelensky pode fazer porque Trump não quer saber de ir negociar com um terrorista, um criminoso de guerra. Ele só vê em Putin poder e força, coisas que aprecia, confunde com respeito e quer muito possuir. Ter consigo a força decidida da Europa na defesa da Ucrânia, neste momento, parece ser o melhor argumento. É claro que para isso a Europa tem de ser, como diz aqui von der Leyen, rápida, unida e decidida.
Apaziguar Trump oferecendo concessões a Putin é um grande perigo. Dá uma imagem de fraqueza.
Os líderes europeus precisam de se libertar da ilusão de que os argumentos racionais terão algum efeito na Casa Branca MAGA. (Jessica Berlim)