January 29, 2021

Bom dia

 



Coisas belas

 


Hoje? Só coisas belas, que o coração já não aguenta.




não sei que flor é esta mas é linda como um bouquet, sobre folhas cortadas em gomos

Leituras: Humboldt - A Mente de um Cientista, a Alma de um Poeta V

 


(continuação)

A Mente de um Cientista, a Alma de um Poeta

Sobre a visão cósmica unificada de Alexander von Humboldt, o grande aventureiro naturalista do século XIX

por Algis Valiunas (tradução minha)


Cuba: Porquê a escravatura?


O ambicioso itinerário dos viajantes levou-os a Cuba durante três meses, onde o principal interesse de Humboldt seria a desumanidade da escravatura. No seu Ensaio Político sobre a Ilha de Cuba (1826), examina uma sociedade colonial fundada sobre uma abominação que mina toda a pretensão de decência civilizada. Conduzindo uma contabilidade rigorosa do trabalho humano e dos produtos agrícolas nas Américas, desvirtua o argumento da escravatura como uma necessidade económica:

"Basta examinar o estado actual da indústria brasileira! Calcule quantas mãos são necessárias para fornecer à Europa o açúcar, o café e o tabaco que deixam os portos do Brasil! Visite as minas de ouro do Brasil, que hoje em dia quase não são trabalhadas! E depois pergunte-se se a indústria brasileira requer realmente a escravidão de 1.960.000 negros e mestiços. Mais de três quartos destes escravos brasileiros não têm a intenção de obter ouro; nem produzem quaisquer colheitas coloniais - as próprias colheitas que, garante-se com tanta seriedade, tornam o comércio de escravos um mal necessário e um crime político inevitável."

Este mal desnecessário aterroriza Humboldt que admite, infelizmente, que a escravatura provavelmente não será abolida em breve; os costumes civilizados têm um alcance limitado e a maioria das pessoas vive de acordo com padrões brutais concebidos no seu próprio interesse: "Onde quer que a escravatura esteja estabelecida há muito tempo, o avanço da civilização influencia o tratamento dos escravos muito menos do que se quereria admitir. A civilização de uma nação raramente se estende a um grande número de indivíduos. Não chegou aos que se encontram nos locais de trabalho e que estão em contacto directo com os negros".

A catástrofe humana da escravatura ocupa uma grande parte do livro de Humboldt, mas os seus interesses permanecem quase universais, abrangendo "astronomia náutica, climatologia, história cultural, demografia, economia, geologia, filologia, filosofia, geografia vegetal, estatística e zoologia, para citar apenas alguns", como Vera M. Kutzinski e Ottmar Ette escrevem na introdução à sua edição do livro (um volume da série de imprensa da Universidade de Chicago "Alexander von Humboldt em inglês", um trabalho muito necessário em progresso). 
Humboldt foi verdadeiramente um daqueles em quem nada se perdeu, para pedir emprestada a elegante formulação de Henry James acerca do intelecto e sensibilidade.


Os Andes: Tudo Está Ligado

Os viajantes pretendiam ir a seguir para a América do Norte - até aos Grandes Lagos, depois descendo o rio Mississippi, depois para o México, e eventualmente seguindo para as Filipinas no seu caminho para completar uma viagem à volta do mundo. Mas os jornais de Havana noticiaram que Nicolas Baudin, que tinha substituído Bougainville como capitão da expedição francesa de circum-navegação, estava a caminho do Peru. 
Humboldt e Bonpland planearam encontrar-se com ele lá e juntar-se à sua tripulação, como tinham inicialmente querido fazer ao planearem o seu futuro em Paris. 
Em Março de 1801 regressaram à América do Sul, iniciando uma viagem de oito meses de Cartagena no que é hoje a Colômbia até Quito no que é hoje o Equador, seguindo estradas sobre os Andes construídas pelos Incas séculos antes. A subida era extremamente difícil, mas Humboldt dizia que a energia podia vencer todas as dificuldades. Em Quito, porém, descobriram que Baudin tinha começado a sua viagem navegando por África, pelo que estava a ir na direcção errada para os seus planos de expansão global.

Humboldt e Bonpland passariam cinco meses em e à volta de Quito, que era o seu ponto de paragem para escalar os numerosos vulcões da região. Os vulcões representavam um desafio tanto físico como intelectual: Humboldt queria chegar ao topo do maior número possível de vulcões para se estabelecer como o maior montanhista do mundo, e precisava de determinar se eles poderiam guardar o segredo da criação da Terra. 

Os seus estudos andinos iriam convertê-lo do Neptunismo ao Vulcanismo. Como escreve Wulf, "Os vulcões que tinha escalado nos Andes estavam todos ligados subterraneamente - era como 'uma única fornalha vulcânica'. Aglomerados e cadeias de vulcões através de grandes distâncias, disse ele, testemunhavam o facto de não serem ocorrências locais individuais, mas parte de uma força global". 

Erupções vulcânicas momentâneas e terramotos que criaram novas ilhas e cidades devastadas foram episódios de uma tumultuosa reacção em cadeia que teve lugar ao longo de milhares de quilómetros e de uma expansão de tempo sem descanso. No Ensaio sobre a Geografia das Plantas (1807), Humboldt especulou que os continentes africano e sul-americano tinham outrora constituído uma única massa terrestre, e mais tarde declararia que a sua ruptura tinha sido causada por "uma força subterrânea". Esta percepção, aponta Wulf, antecipa por mais de um século as teorias sobre a deriva continental e as deslocações maciças de placas tectónicas com a sua aterradora destruição criativa.

A botanização de Humboldt também contribuiu para a sua compreensão da convulsão geológica. A geografia das plantas, os padrões da sua distribuição em diferentes áreas do globo, escreveu ele, "pode mostrar como as ilhas que anteriormente estavam ligadas estão agora separadas; pode mostrar que a separação da África da América do Sul ocorreu antes do desenvolvimento de formas organizadas de seres". A paleobotânica pode ser considerada um ramo da geologia. "Para resolver o grande problema da migração das plantas, a geografia das plantas mergulha no interior da terra: olha para os monumentos antigos que a natureza deixou em petrificações, em fósseis de madeira, e em estratos de carvão que são o túmulo da vida vegetal inicial do nosso planeta". Começava a compreender como as ciências na sua variedade enigmática eram todas uma peça.



Humbolcross-section of Chimborazo, with tables of elevation measurements and descriptions of soil and vegetation on both sides (1807)
Leibniz-Institut für Länderkunde, Leipzig / Wikimedia


Depois de escalar Chimborazo, Humboldt, num momento de grande perspicácia, concebeu a sua assinatura Naturgemälde - como diz Wulf, "um termo alemão intraduzível que pode significar uma 'pintura da natureza' mas que também implica um sentido de unidade e totalidade". Desenhando uma secção transversal da montanha, que na altura se acreditava ser a mais alta do mundo, Humboldt fez um diagrama da distribuição das várias plantas que encontrou desde a sua base até à linha de neve. Ele desenhou o diagrama "para nos ajudar a compreender a totalidade do nosso conhecimento, sobretudo o que varia com as altitudes que sobem acima do nível do mar". 

A taxonomia Linnaean está fora. A "unidade na variedade" substitui-a, uma vez que Humboldt classifica plantas e animais de acordo com zonas climáticas que são as mesmas em partes muito diferentes do mundo. Wulf saúda a apresentação de Humboldt como "uma ideia radicalmente nova que ainda hoje molda a nossa compreensão dos ecossistemas" - "a natureza como uma teia em que tudo estava ligado".


Rasgando a teia da Natureza
A forma como as pessoas violam e danificam permanentemente a teia da natureza é um tema recorrente de Humboldt. A conquista da natureza, saudada por Bacon e Descartes como o derradeiro triunfo humano, prova ter consequências imprevistas. Em Loja, Equador moderno, escreve Wulf, Humboldt observa a despojamento das florestas de cinchona, as árvores de cuja casca se extrai o agente antimalárico, quinino. Descascar a casca mata as árvores, e os espanhóis coloniais, na sua ânsia de combater a doença mortal, estavam a destruir este valioso recurso que era a sua salvação médica.

Exemplos de semelhante imprudência ecológica são abundantes nas obras de Humboldt. Os esforços dos engenheiros espanhóis no controlo das cheias no Rio Apure, na Nova Andaluzia, só conseguiram tornar as cheias mais devastadoras. Para construir uma barragem, eles cortaram as árvores que escoravam as margens do rio e agora, quando as águas subiam, as cheias cortaram cada vez mais a terra desnudada. 

Também na Nova Andaluzia, Humboldt lamenta o cultivo improvisado de índigo, que produz um corante azul muito usado para colorir roupas, mas que também acontece "empobrecer o solo" com uma rapacidade sem igual. Esta cultura altamente rentável substituiu largamente as culturas de subsistência em certas áreas e a terra impiedosamente explorada será infértil no devido tempo, receia Humboldt. 
Ele vê uma procura semelhante de ganhos a curto prazo na região da Cidade do México, onde um sistema de irrigação extensivo tinha praticamente drenado o lago que o abastecia e tinha assim ressequido as terras adjacentes.

Wulf honra Humboldt como ambientalista e guerreiro da justiça social, o herói progressista original: "Ele debateu a natureza, as questões ecológicas, o poder imperial e a política em relação uns aos outros. Criticou a distribuição injusta de terras, monoculturas, violência contra grupos tribais e condições de trabalho indígenas - todas elas questões poderosamente relevantes nos dias de hoje. 

Como antigo inspector de minas, Humboldt tinha uma visão única sobre as consequências ambientais e económicas da exploração das riquezas da natureza.... Todos os problemas nas colónias, acreditava, eram o resultado das "actividades imprudentes dos europeus".


Uma floresta de esponjas com olhos

 


... de ET, no fundo do Oceano Pacífico. Esquisitas. São esponjas de vidro.


Choosing our destiny II

 


A eutanásia é um assunto complexo e não simplista

 


Leio este artigo que se posiciona contra a legalização da eutanásia e vejo que começa com a invocação de divindades e acaba com a opinião de padres. É um posicionamento construído sobre a opinião da religião acerca do assunto e, aliás, o pedido de referendo também se fundamenta nessa esperança de que, sendo Portugal um país de tradição cristã, católica, o povo dirá, não, nesse referendo. A questão é que somos um país laico e as leis, se bem que devam reflectir o sentir do povo, não devem ser instrumentos desta ou aquela ou qualquer religião imporem as suas crenças.

Grande parte do artigo é um apelo à emoção deixando no ar a ideia de que ajudar alguém a morrer, segundo a sua própria vontade, é um assassinato. 

Cita casos de eventual falta de ética na aplicação da lei, como se fosse possível, com ou sem lei, ter sociedades de seres humanos perfeitos, de ética irrepreensível - uma ideia assustadora de Estados totalitários. 

Fala muito na derrapagem (se se autoriza a eutanásia em breve estamos a assassinar toda a gente com qualquer pretexto), mas a derrapagem não é um argumento, é uma falácia: partir do princípio que uma vez permitida uma situação, ela vai desencadear uma sequência de causas e feitos inexoráveis que levam à extinção de pessoas velhas, deficientes, etc., é um falso raciocínio e nem sequer tem base em casos existentes, pois dois ou três ou até vinte exemplos de falta de ética, são excepções que não provam o demérito da lei mas das próprias pessoas que cometem esses actos. 
Seria o mesmo que argumentar contra poder-se matar alguém em legítima defesa pela razão de isso ir derrapar para uma situação em que todos matam os outros e alegam legítima defesa. Calculo que isso já tenha acontecido, mas isso não prova o demérito da lei. 

Podíamos falar num alargamento da aplicabilidade do argumento da eutanásia com base no seu fundamento, mas não de derrapagem que isso é uma falácia de argumentação.

Não se pode fazer uma lei dizendo: só fazemos essa lei no dia em que todas as pessoas forem eticamente perfeitas. Mais uma vez: uma ideia assustadora de Estados totalitários que entendem que lhes cabe a eles decidir da vida e da morte dos outros.

A JRC custa-lhe aceitar a ideia de que uma pessoa possa preferir morrer a estar vivo em certas condições, porque o seu espírito cristão foi educado e acredita nessa ideia de que a vida é a coisa mais preciosa, o maior Bem. Mas na realidade não é: as religiões santificam os mártires que dão a vida por outras causas, mostrando que aceitam que há outros valores que se podem sobrepôr-se ao da vida. 

Celebramos os heróis que se sacrificam pela pátria, pela família, pelo mundo ou por outra causa. Percebemos que é um sacrifício e que houve outros valores que a pessoa considerou superiores à vida. Caso contrário não enviaríamos ninguém para guerras, pois estamos a enviar as pessoas para situações de matá-las. E nem sequer é para evitar dores e sofrimento horríveis, é para fins muito duvidosos. 

Portanto, reduzir a questão a dizer que a eutanásia é matar pessoas e que se começa com um e se acaba a matar milhares e que não há nenhum valor acima da vida, é querer por a preto e branco o que tem muitos tons de cinza. É o oposto simétrico aos que argumentam a favor dizendo simplesmente que a eutanásia é apenas a escolha de cada um, como se o assunto não fosse muito mais complexo que isso.

A eutanásia é um assunto complexo e se se pensa, compreende-se a posição de ambos os lados, mas não se deve escolher o seu lado com base em falsos raciocínios. 

O problema da eutanásia é matar. É mesmo o único problema da eutanásia: matar, pôr termo à vida de outrem. Se não fosse isso, que é muito, não haveria problema.

O desejo da boa morte é inerente à nossa própria humanidade: já que tem de vir, desejamos à morte que venha tarde; e, quando venha, que seja sem dor e sofrimento. Entre os católicos, Nossa Senhora da Boa Morte é dos mais antigos cultos da tradição. Além da religião e da cultura, a ciência também avançou por aí. A expressão mais avançada da ideia da boa morte na medicina corresponde aos cuidados paliativos. São a assinatura do Estado moderno e avançado, de sistemas sociais humanizados, dum sistema nacional de saúde digno desta palavra: saúde.

A boa morte não é a eutanásia. Eutanásia não é morrer. Morrer é outra coisa. Eutanásia é matar e ser morto. É muito diferente. Para esta, foi sempre assim: matar e ser morto. Está em todos os códigos desde o princípio: para autorizar, ou para proibir. O que está certo, o Bem, é proibir.

Independentemente dos motivos, há uma fronteira moral capital que define a cultura e a civilização: ou podemos matar, ou não podemos matar. A nossa civilização e a nossa cultura são as de não poder matar.

Sempre que rasgámos essa fronteira para nos atribuirmos o poder de matar por motivos tidos por justificáveis, a fronteira não cessa de alargar-se à mercê do nosso poder. Pior: à mercê da vontade do poder. Esta é uma das razões para a “rampa deslizante” que se constata nos poucos países que legalizaram a eutanásia: rola sempre para pior. O caso mais comentado é a Holanda.

A lei holandesa da eutanásia é semelhante às propostas que estão na Assembleia da República: possível em doente com doença incurável e que sofra dores insuportáveis; e, além disso, tenha pedido voluntariamente para morrer, confirmando essa vontade no momento do procedimento. A lei holandesa não oferece dúvidas: entre outros, não é permitida a eutanásia em casos de demência. Todavia, o aumento significativo, todos os anos, dos números de eutanásia na Holanda, inclui – todos o sabem – um número crescente, na última década, de aplicação da eutanásia a idosos sofrendo de demência, nomeadamente com Alzheimer.

Em 2018 e 2019, ocorreu um caso, em Mariahoeve, perto de Haia, que fez correr muita tinta. Há muitas fontes públicas sobre o caso, tamanha a atenção que gerou na Holanda e no estrangeiro. Já o contei noutro artigo (Eutanásia – está na hora dos eurodeputados). Uma idosa, antes de adoecer, escrevera que preferia ser eutanasiada a ser internada num lar. A declaração não tinha a forma exigida pela lei: era um mero escrito. E as manifestações de vontade da idosa foram variando. Mesmo nesse escrito, a idosa registara que “quereria decidir quando chegasse o momento, enquanto estivesse consciente e quando achasse que era a altura certa”. O escrito não tinha valor legal; e incluía esta reserva, conforme à lei. Mas o escrito existia… Depois de começar a sofrer de demência, a velhota foi internada num lar pela família. Face ao agravamento, a médica decidiu, a pedido da família, pela eutanásia. A idosa não foi ouvida, nem podia ser consultada. Tudo foi executado, ludibriando a senhora, então, com 74 anos. Numa manhã, a médica apresentou-se, com simpatia, para tomar o pequeno-almoço com a doente; e, dissimuladamente, administrou um fármaco no café para a sedar, sem consentimento. Com a idosa já aturdida, aplicou uma injecção para a adormecer. A doente manifestou dor com a agulha e reagiu com desagrado. Mas a injecção estava dada… Seguidamente, a médica tentou nova injecção, desta vez a letal. Mas a idosa despertou, reagiu e agitou-se para se levantar. A médica pediu ajuda à família (marido e filha) para segurar a doente, a fim de a injectar. Assim aconteceu. E consumou o acto.

O caso foi apreciado nos organismos médicos e transitou para a justiça, onde esteve cerca de um ano. A médica acabaria absolvida de todas as acusações. A sala do Tribunal em Haia rompeu em aplausos quando ouviu este veredicto, em Setembro de 2019.

Este caso, que me agonia, é a maior demonstração de um mal maior, que se manifesta também na eutanásia: a Holanda vem-se tornando a cloaca moral da Europa. Que um caso destes, em clara violação da lei, termine com absolvição total dos executores, com o Ministério Público a contradizer o próprio caso que introduzira e com o público a romper às palmas na sala de audiência, mostra como, na Holanda, já se caiu muito abaixo do grau zero da ética e dos deveres fundamentais de Humanidade.

Aquela velhota, na hora da morte, não teve médica que a salvasse, não teve família que a guardasse, não teve justiça que a protegesse, não teve comunidade que a cuidasse. Todos a quiseram morta: a família, a médica, os juízes e procuradores e o público. Embora agarrada com força, para não poder levantar-se, a senhora morreu sozinha, totalmente só. Dos pormenores publicados, só não nos contaram se, antes de expirar, a senhora gemeu: “Ik krijg geen lucht” (“I can’t breathe”, “Não consigo respirar”). É a parte que não sabemos.

Este pesadelo, que se julgava terminado ali, teve mais uma sequela recente. Em 21 de Abril deste ano, em plena crise Covid-19, o Supremo Tribunal holandês, enfrentando a lei publicada, legalizou em definitivo a eutanásia por demência, estatuindo que, em pessoas com demência avançada, um médico pode cumprir um pedido de eutanásia previamente escrito.

Eis a rampa deslizante que conduz à cloaca moral. A Holanda atravessa na cultura pública dominante vasta decadência ética. Na eutanásia, a lei de 2002 gerou desmoralização crescente, que conduziu ao contínuo relaxamento dos critérios, até ter submergido o Supremo.

Tenho chamado a atenção para este fenómeno: a grave derrapagem da Holanda (e também da Bélgica) para fora da matriz constitucional dos países da União Europeia e da tradição europeia dos direitos fundamentais. Quer Holanda, quer Bélgica são passíveis dos procedimentos de vigilância (e possível sanção) previstos no artigo 7.º do Tratado UE por “risco manifesto de violação grave dos valores referidos no artigo 2.º”. Mas, infelizmente, os personalistas, o centro e a direita, não temos um só eurodeputado que nos represente e que tenha a coragem, a competência e a tenacidade para iniciar e promover esse procedimento. Todos assistem, impávidos e em silêncio, à escandalosa derrapagem contra os valores europeus.

Aquela decisão do Supremo Tribunal foi tomada em plena crise Covid-19. Talvez a tornasse mais despercebida. Ou menos relevante – a Covid banalizou a morte precoce dos velhos. A Holanda tem sido dos piores Estados europeus na pandemia. Em 21 de Abril, data da decisão do Supremo, era o 8º pior da UE em número de infectados per capita e o 5º pior em número de mortos, também per capita. Nessa data, com apenas sete semanas de crise, havia 3.916 mortos Covid nos Países Baixos, cinco vezes mais do que em Portugal. Os números de ontem, 15 de Junho, mostravam a Holanda já com 6.065 mortos Covid, quatro vezes mais do que Portugal.

Quando saíram os relatórios referentes a 2018, as estatísticas holandesas da eutanásia tiveram uma surpresa: pela primeira vez, tinha havido uma baixa de 7% – o total relatado baixara de 6.685 eutanásias, em 2017, para 6.126, menos 559 casos. Não houve explicações para este fenómeno inédito. Falando com uma amiga holandesa que acompanha o tema, contou-me que a explicação mais plausível apontava para uma forte crise de gripes no Inverno de 2018 que teria provocado a morte de pessoas que, a não ser assim, teriam sido eutanasiadas. É possível.

A ser assim, a Covid-19 pode aliviar de consequências estatísticas a decisão do Supremo holandês: quando vierem os números referentes a 2020, é provável que a alta letalidade da Covid-19, fustigando os mais idosos, tenha aberto espaço a que não se note a expansão das eutanásias por demência. E talvez até sobejem mais umas quebras.

O alvo privilegiado da eutanásia são os velhos, não há como o negar. Em certa medida, é a ordem natural das coisas: os velhos são os que mais morrem; do que mais morremos é de velhos. E estes procedimentos vestidos de “modernos” são a aceleração disso. É como as filas no metropolitano, transportes públicos em hora de ponta: quem se atrasa é empurrado – “Chega p’ra lá!”, “Toca a andar!”, “Vai-te embora!” A idosa de Mariahoeve foi isso mesmo que ouviu, por outras palavras. E foi posta a andar, mais cedo do que acabaria por ir.

Confirmando alvejar os velhos, a Holanda, cloaca moral da Europa, abriu também, em Fevereiro passado, quando a Covid-19 ainda morava na China, o debate sobre a introdução da pílula do suicídio para maiores de 70 anos, como relatou o Observador. Esta pílula é ideia antiga de um juiz do Supremo Tribunal, Huib Drion, que, em 1992, no contexto dos debates que conduziriam à legalização da eutanásia, escreveu um livro a defender o que ganharia o nome de “pílula Drion”. Segundo afirmou, a ideia veio-lhe da conversa ocasional com um idoso que lhe disse horrorizar-se com a visão de terminar os seus dias num lar, narrou o ABC espanhol. Os partidários da medida, no partido Democracia 66, sustentam que “os idosos que já viveram o suficiente devem poder morrer quando decidirem”. Na cloaca moral holandesa, são velhos os de 70 anos e é melhor empurrá-los para o suicídio do que fazer por assegurar-lhes agradáveis condições de vida. Acreditando que “já viveram o suficiente”, poderão até entregar-lhes a pastilha logo à entrada do lar. Ou antes disso. Grandes poupanças, certamente. O juiz Drion morreu em 2004, com 86 anos. Morreu tranquilo na sua casa em Leiden, enquanto dormia. Teve uma boa morte. Não foi eutanasiado. E ninguém o empurrou com a sua pílula. Os seus colegas no Supremo Tribunal continuam a fazer o trabalhinho, como mostra a decisão finalíssima do caso da velhota de Mariahoeve.

Ninguém lhe fazendo frente no Parlamento Europeu ou na Comissão Europeia, a cloaca moral holandesa vai contaminando. Sabemos o caminho político de Portugal e, segundo notícias, de Espanha também. Há pressa. Há dias, uma notícia discreta deu conta de a Assembleia da República iniciar o trabalho na especialidade dos projectos para legalizar a eutanásia, depois de aprovados na generalidade em Fevereiro, antes da pandemia. Agora, com a crise Covid-19 ainda a arrastar-se, o tema foi desconfinado e foi encomendada a preparação do chamado “texto de substituição” – o texto que se ajuste aos cinco projectos e mereça endosso comum.

Democraticamente, o que falta é o referendo. Antes da pandemia, as últimas informações que tive indicavam que 80 mil já tinham assinado a petição que reclama o referendo. Antes de deslizarmos na esteira da cloaca moral da Europa, ouçamos o povo, titular último da observância da moral colectiva. O Parlamento não pode despachar matéria tão sensível e tão comum por detrás da nuvem Covid e em corredores labirínticos. É questão que pertence a todos.

Neste 10 de Junho, houve a breve, mas incisiva, reflexão do Cardeal Tolentino de Mendonça sobre “a situação dos idosos em Portugal e nesta Europa da qual somos parte”. Esperemos que tenha sido escutada e acolhida pela opinião pública, pela Assembleia da República, pelo Governo e pelo Presidente da República. Tanto nos processos, como na substância.

Oxalá ainda possamos evitar escorregar pela rampa da cloaca moral da Europa. Não baralhemos, nem confundamos a ética: tirar a vida é a maior violência.


Choosing our destiny

 




A pitch-dark night and then the moon...

 


Será por isto que os pássaros cantam furiosamente?


primeira lua cheia de 2021



Não estou sozinha

 


Quem são os pássaros que chilreiam a esta hora da noite? E falam de quê?




Ambiente - pensar a longo-prazo

 


fica evidente no estudo que esta plantação irá contribuir tanto para a depleção gravosa dos níveis de água do sistema aquífero que mantém a cultura, como para a sua contaminação com fertilizantes e pesticidas pondo em causa o equilíbrio ecológico de toda a região."

January 28, 2021

Um trabalhinho de Trump

 


Within *one* month, Iran has exceeded 17 kilograms of 20% enriched uranium, according to state TV. Reminder: 20% is a short technical step away from weapons-grade 90%. https://buff.ly/36kOk40




Portugal por aí - ilha da Madeira

 




Vacinas só para quem tem 80 mil anos...

 


(e aquilo das pessoas com comorbilidades estarem a ser vacinadas não é verdade)



Padrões da Natureza

 


Sudhir Shivaram Photography








A Sorrel Leopard Appaloosa, ancestors bred by Nez Perce Indians Mountain Ryder



Hoje faz anos o famoso livro da Jane Austen

 


... Orgulho e Preconceito. Enfim, a sua publicação. Um livro que é muito mais do que parece pois parece ser uma história de amor mas é um manancial de arquétipos de comportamentos, de costumes e de psicologia humana. Tudo escrito com muita perspicácia, elegância, inteligência, sentimento e humor. Toda a gente que lê conhece a famosa frase de abertura do livro, It is a truth universally acknowledged, that a single man in possession of a good fortune, must be in want of a wife.

Já se fizeram muitos filmes baseados neste livro, de onde o melhor, na minha modesta opinião, foi a série britânica dos anos 90. A última que se fez foi esta cujo excerto pus em baixo. Não gosto desta versão e nela detesto particularmente esta cena que ultimamente, não sei porquê, toda a gente desatou a postar no FB a torto e a direito.

Este cena que no livro dela está tão bem escrita, cada palavra pesada para fazer transparecer, não só os sentimentos e emoções mas também a razão de muito do comportamento deles até então, é neste filme transformada numa cena vulgar, na minha modesta opinião. Aliás, toda esta versão cinematográfica do livro da Jane Austen está cheia de imprecisões que a adulteram, até no set

Aqui nesta cena transformaram o episódio do pedido de casamento do personagem, Darcy, de rude, soberbo e desajeitado numa cena meio erótica que a vulgariza, o que me irrita porque a Jane Austen sabia muito bem escrever cenas com carga erótica e se quisesse ter escrito esta cena dessa maneira tinha-o feito. A cena está completamente fora do tom e do espírito do livro. Esta versão, se não fosse ter muito bons actores era um total desastre. No entanto, o público gostou muito.




Já esta versão da BBC dos anos 90, é fantástica 😁 está cheia de um refinado sentido de humor.

c'est comme ça

 


tu ne me comprends pas mais je ne m'explique plus car, comme je l'ai dit, je ne veux plus la même chose de la même chose. Parfois, la réalité nous frappe soudainement au visage et nous réalisons que dans cette affaire, nous sommes le IO.

Brincando, brincando... 😁 🤣




Pérolas da Urgência

Portugal passou anos a formar profissionais de saúde e a enviá-los para o estrangeiro. Agora envia os doentes para o estrangeiro para serem tratados por esses mesmos profissionais. Se isto não é pensar a longo prazo, não sei o que será.


#portugalão #muitoàfrente

Covid-19 - ranking dos países na eficácia com que tratam da pandemia

 


Segundo uma nova investigação da Austrália que, entre outras coisas, faz um ranking dos países consoante o seu grau de eficácia no tratamento da pandemia e em que a Nova Zelândia aparece à cabeça com uma pontuação de 94.4, Portugal aparece em 63º lugar com uma pontuação de 38.9.














Coisas incompreensíveis

 


Fui há bocado fazer um teste Covid-19 a um hospital que tem doentes Covid. O hospital isolou-os num dos edifícios para não se misturarem com os outros doentes. Aliás, para fazer o teste nem entrei no edifício, foi feito no carro. O que é incompreensível é que mandem doentes covid para hospitais mas depois recusem vacinar os que lá trabalham e, pior, ponham todos os politicos do país a passar à frente na fila. Os doentes covid estão todos isolados num edifício, mas os médicos e enfermeiros e pessoal auxiliar tanto trabalham ali como em outros sítios com outros doentes, de modo que não só os põem a eles em risco, como aos outros com quem contactam e tudo porque no governo querem castigar as pessoas por não serem comunistas. 

Isso pelo menos explica que se considerem -os políticos- uma classe com privilégios, à maneira soviética: em primeiro lugar os camaradas do sistema, os outros que se lixem.


Privados com 230 doentes covid, 51 dos quais em Cuidados Intensivos

Com 894 camas afetas ao SNS, o setor privado denuncia que 90% dos profissionais não foram vacinados. Os administrados criticam a falta de planeamento e articulação.


Livros - The Nude

 


Tenho este livro há uns anos mas nunca o li. Vou ler agora. The Nude, de Kenneth Clark. 

(Nota: o livro é acusado de ser muito machista, desde logo porque não tem uma única obra de uma mulher que seja.)

Os ingleses têm duas palavras diferentes para falar do nu: 'naked' e 'nude'. 'Naked' refere-se a alguém que está sem roupas, despido e, de certo modo, vulnerável, mas 'nude' tem o sentido de um estudo do corpo humano onde este se exibe e incorpora algum ideal. Em português usamos a mesma palavra para os dois sentidos e, por isso, geralmente adjectivamos o nu da arte como, 'nu artístico', para o distinguir de simplesmente estar nu.

O nu é, não um tema de estudo da arte, mas uma forma de arte. Quem o iniciou enquanto tal foram os gregos clássicos no século V antes de Cristo. As esculturas de deuses e deusas e heróis nus (os homens que as mulheres tinham sempre algum panejamento a cobri-las) fomentavam um ideal de belo que transbordava para fora da arte: o equilíbrio, a simetria, a graciosidade, a harmonia, eram também características do ideal de vida grego.

Tendo tido sempre grande destaque na arte ocidental, com alguns hiatos como a Idade Média, onde o ideal é sobrenatural e o nu cai em declínio, há poucos livros sobre o assunto. 

O nu é uma parte fundamental da formação do pintor e do escultor, mesmo que nunca produzam obras com nus, pois para pintar ou esculpir figuras humanas, mesmo que vestidas, é necessário conhecer a proporção do corpo, o funcionamento das articulações, o trabalho dos músculos, etc. Sabemos que uma das razões pelas quais as mulheres durante séculos não pintavam grandes quadros, mesmo quando já podiam frequentar estúdios de pintores, como no século XIX, era o facto de estarem proibidas de frequentar os estúdios quando estavam presentes modelos nus. Era considerado moralmente inapropriado. Esses grandes quadros que geralmente representam batalhas ou cenas míticas, estão cheios de pessoas em movimento e em força, o que requer um conhecimento da anatomia do corpo humano.

Delacroix - A Morte de Sardanápalo (1827)


Sendo o nu, na arte, um ideal, o corpo representado nu não é em primeiro lugar uma representação realista de corpos, mas um ideal humano. Logo, é influenciado pelo local e tempo culturais em que é produzida. Veja-se a diferença entre esta obra de Delacroix e a famosa obra, O Nascimento de Vénus de Botticelli, uma obra de 1482-85 do renascimento italiano.

 

Encomendada por um Medici para decorar a sua casa, está imbuída de um pudor cristão, apesar de representar uma cena mítica pagã. O corpo de Vénus é suave como se fosse feito de algum material divino e não de carne e osso e a expressão dela é tranquila. O azul celeste e a serenidade pacífica, apesar do quadro representar a fecundidade da Primavera, estão por todo o lado.

Portanto, o nu, na arte, expressa um ideal, uma ideia e não é uma mera representação anatómica do corpo ou de excitação dos sentidos, mesmo quanto tem esse propósito, porque uma pessoa quando se expressa, denuncia-se na sua visão do mundo. Além disso, para excitar os sentidos, na maioria das vezes pintam-se os corpos vestidos, sendo a roupa tão sugestiva.

Enfim, vou ler este livro. Vou pondo aqui partes que ache interessantes de partilhar.