December 01, 2020

Comove-me o simples

 

... o autêntico.

Autumn Landscape (1900) by Michał Gorstkin Wywiórski (Polish, 1861-1926), oil on canvas - National Museum (Warsaw, Poland)

Hã...?

 


... mas desde há um par de dias que me fazem convites no FB para aderir a grupos monárquicos... que terei dito para que alguém pensasse que sou monárquica? Não faço ideia. Terá sido porque adiro às comemorações do 1º de Dezembro? Se calhar.. sei lá.

E já agora que falamos de 1º de Dezembro: já alguém foi pela janela fora?




1º de Dezembro - mensagem da Sociedade Histórica da Independência de Portugal

 




Estive a ver uma entrevista com a Catarina Martins

 


Liguei a TV e como só estava a dar porcarias, fui andando nos canais e parei num canal chamado 'Q' e apanhei uma entrevista com ela desde a infância até à actividade no Bloco. Infelizmente o programa acabou sem aviso, ainda eles estavam a conversar... não percebi. Muito interessante. Ela é interessante a falar porque fala convicta. Não sabia da história da vida dela. Vê-se que ela pensou nos processos de vida que a trouxeram onde está e que os arrendondou, como nós todos fazemos, para que a nossa história seja consistente connosco e explique a nossa vida presente. O que também ficou mais ou menos percebido é que a ela lhe interessa a resolução de problemas como blocos [pun not intended] tal como fazia quando era miúda na escola, onde via um problema de racismo e organizava uma mini-luta para resolver o assunto com a professora. Ainda é assim: escolhem os problemas e vão à luta por eles. A questão é que se percebe que não há fio condutor teórico por detrás dessas escolhas, não há uma visão o que tem como consequência não haver direcção nem delimitação. Portanto, tanto podem escolher os problemas certos e estar a travar as lutas que interessam como podem estar sempre ao lado dado que não há bússula, é mais navegação à vista, baseada num certo tipo de marear que tem a ver com a área política em que se encontram e instinto, também. Falta alguém, e talvez não apenas neste partido, pensar o sentido, nomeadamente dos anos de democracia. Está na altura de se ultrapassar o medo de falar na ditadura de Salazar e fazê-lo, efectivamente, de um modo alargado. Sem isso não haverá arredondamento, não haverá sentido consistente e as forças do presente não serão capazes de aguentar o choque do passado. 

Estou completamente de acordo com ela na questão das praxes e achei piada ela dizer que nunca foi praxada embora tivessem tentado. Pois, eu nunca fui praxada nem nunca ninguém tentou e andei uns anos no Liceu de Évora, onde hoje é a Universidade e as praxes lá eram uma instituição - isto numa altura em que os finalistas do Liceu pareciam nosso pais. Alguns tinham 23 ou 24 anos, mas no meu bando de amigas e amigos, muitos foram praxados, mas nunca quando estavam comigo :) com 12 para 13 anos anos lembro-me de adultos se intimidarem comigo. Na faculdade a mesma coisa. Andei sempre à vontade por onde quis e nunca ninguém sequer fez aquele movimento de quem está a ponderar praxar-me. E nunca nenhum amigo meu, perto de mim, foi praxado.


Picture this

 


Uma tela de linho cru, como a vida autêntica, gasta, quebrada aqui e ali, esboroada, com buracos até, com rectas indecisas, atravessada pela linha da vida, aquele vermelho sangue que nos percorre o corpo a levar a sorte, nos venenos da vida e da morte.

J A N A I N E , B E R L I N

www.eine-art-galerie.de

Eduardo Lourenço (1923-2020)

 


Eduardo Lourenço (1923-2020): a volúpia de pensar


Aqui, em meia dúzia de palavras sobre Antero, revela tanto de Antero como de si próprio, Eduardo Lourenço, e da clareza do seu pensar sobre o pensar.

Eu nem sequer sou fanática de relógios

 


... mas fui dar agora com uns relógios belíssimos da Van Cleef & Arpels, chamados, Poetic Complications. Com um nome destes fui logo espreitar. São lindos, ora veja-se:



este chama-se, meia-noite na ponte dos amores








... não é o meu preferido. O meu preferido é o Planétarium
que vem com o sol e os planetas a recriarem a órbitra real do sistema solar. É uma coisa linda de se ficar a olhar. E há outros bonitos nesta colecção. O problema é custarem 200 mil ou 300 mil  dólares...




Música é a comida da alma

 


... neste caso da alma racional. 


Hoje é o 1º de Dezembro

 


Abaixo todos os Miguéis de Vasconcelos que por aí andam! É o meu mantra de hoje. Todos pela janela fora! 




Uma metáfora

 


Somos como crianças e a realidade é um emaranhado desgrenhado de ramagens sombrias. É preciso crescer, aprender a desembaraçar os nós, para chegar à claridade do sol que se esconde por detrás das sombras. Reconheço nesta metáfora o platonismo dos séculos mas gosto dela à mesma.





Photo by Wynn Bullock, 1958

Para amantes de fungos II 🍄

 





Para amantes de fungos 🍄

 


... e de florestas.




Florent Delepau

"Hell is the impossibility of reason"

 


A vida longe do pensamento é um inferno. A impossibilidade de razão, a confusão de sentimentos à solta,  no maior dos caos, loucuras e contradições permanentes embotam completamente o pensamento ao ponto de já não se conseguir respirar. Uma pessoa tem a sorte de ter a poesia para quando está nesses estados emocionais poder despejar as emoções todas. Depois elas ficam arrumadas lá no seu sitio sem empecilhar a vida e ficamos libertos para pensar, pois se não as arrumamos e deixamos que invadam todo o espaço, até o olhar se embota, deixamos de ver com clareza e acabamos a esparvoar só para nos deixarem respirar. Depois, a certa altura, já só pensamos com os sentimentos em vez de pensarmos o sentir e os sentimentos passam a ser ferramentas do pensar. Só que o pensamento tem as suas próprias ferramentas e não são essas. São outras, afiadas e não moles: ninguém vai martelar um prego com a borracha de apagar lápis - furávamos a borracha e o prego continuava por pregar. 

Pensar é paz, sentir é um inferno e os infernos mantêm-se enterrados porque aquilo é só fogo da alma e do corpo, um desatino que prende e revoga a liberdade de ser, que é difícil de alcançar. Porque haveríamos de a querer perder, depois de a ter e tornar-nos escravos de um estado de não-ser? Sim, há o valor único daquela experiência diferente e sabemo-lo porque já a tivemos em tempos, mas não se pode sacrificar o que se é e a individualidade por uma ideia muito incerta de felicidade, cheia de dramas constantes. Onde não há conhecimento é tudo irreal, uma espécie de telhado sem fundações. Uma vida com sentido, consciente e em liberdade é um modo de felicidade, na forma de paz. 

Uma pessoa quando já viveu muitos anos de uma vida rica de experiências positivas e negativas e muito intensa, já teve tudo e mais alguma coisa. É verdade que gosto de fazer caminhadas com companhia -alguém que vá a meu lado... mas se não houver, não faz mal... de vez em quando atiramo-nos à poesia com um poeta instantâneo e depois tudo volta à liberdade de ser. O que eu quero é paz de espírito. 


A linguagem da arte é uma das melhores

 


... lanternas que temos para apontar à realidade naquela maneira de ver que é ao mesmo exterior e interior. Por exemplo, o que vemos aqui: à primeira vista, um homem sentado. Não parece nada de especial até que aplicamos o olhar da mente que é aquele que vê o que lá está materialmente e o liga ao que lá está em ideia: o homem está sentado com uma perna flectida e outra estendida e a mão esquerda que se apoia no chão e é a que vemos primeiro porque está mais próxima de nós, parece estar num movimento de força, como se fosse usar aquele braço para se erguer. Mas depois olhamos a outra e reparamos que está abandonada no joelho, inerte, daquela maneira em que os nossos membros ficam quando estamos absortos. Portanto, ele não está levantar-se, como à primeira vista parece. Está em reflexão, apesar de não lhe vermos o rosto e a sua expressão. O que no-lo diz, embora não esteja materialmente visível, é a maneira como inclina a cabeça, como se estivesse a perscrutar o horizonte, que é o que fazemos quando estamos profundamente dentro de nós. E é uma reflexão de cuidado ou ponderação e não de excitação porque quando a reflexão é de excitação, de lembrança e não de ponderação, a cabeça levanta-se como que a cheirar o perfume do ar.Tanta coisa que se percebe num desenho, aparentemente, tão simples.



Rembrandt van Rijn, 1646


A geometria do espaço

 


Não seria fantástico se tivéssemos uma capacidade qualquer de ligar visões alternativas da realidade não de um modo imaginário mas material e todos os dias uma potencialidade nossa ser puxada ao ser pela pura necessidade de sobreviver [nesse dia, pelo menos]: ora a víamos como cores, ora como linhas geométricas afiadas, ora como linha geométricas 'aboteradas', ora como padrões, ora como oposto, etc. Ligar e desligar abordagens da realidade, andar um dia inteiro, por exemplo, a ver a realidade assim. Vendo bem, vendo bem, as aulas numa escola são isso mesmo: em cada hora e meia um professor 'liga' uma visão do real que pode ser literária, filosófica, matemática, etc. e puxa nos alunos a potencialidade respectiva para que possa desenvolver-se e fazendo-o, desenvolver aquele ser como um todo. Educar é ligar luzes e abrir portas alternativas de realidade.





jain108academy.com

O que podemos aprender com as abelhas

 



Assim de repente, engenharia, matemática, psicologia, biologia, arte... sei lá mais o quê...

As abelhas só permitem à Rainha ter bebés de modo que todos os filhos são clones e todas elas têm as patas da frente do mesmo tamanho. Então, quando constroem os alvéolos dos favos, são todos de tamanho constante. E são hexagonais porque quando os círculos se aproximam uns dos outros, transformam-se em hexágonos.

Já a engenharia desta, 'catedral', onde cada favo vai sendo construído em crescendo relativamente ao anterior, em direcção a um céu imaginário, como as notas da fuga de Bach, não sei explicar. 

Vê-se que à medida que os favos vão crescendo em tamanho vão perdendo o aspecto arredondado e vão tornando-se mais pontiagudos, com uma forma de diamante. Como se passassem de emocionais a racionais: como a letra das pessoas que, quanto mais crescemos mental e racionalmente, mais se desarredonda.

Dá que pensar: a natureza tem uma forma geométrica-matemática pre-condicionada e não é apenas uma abstracção funcional humana, um modo de organizarmos o mundo e contrariarmos a entropia. Outros animais, como as abelhas, têm uma orientação genética nesse sentido.

Politicamente também é interessante: a rainha não governa. Sacrifica. Sacrifica-se. Uma espécie de queen's gambit

Nunca tinha visto uma coisa assim.

Falta de noção das prioridades

 


Não quer dizer que a Dolly Parton não mereça uma medalha ou que a vida tenha que ser sempre acerca das coisas dramáticas e não possamos ser leves nas conversas, mas quando o entrevistador lhe pergunta se não ter dado a medalha da liberdade a Dolly Parton é 'a' coisa que ele lamenta nos seus oito anos, ficamos com a ideia de que as pessoas não têm noção das prioridades: Guantanamo, Snowden, Assange... só para citar três 'coisas' assim logo à cabeça.


Começar a manhã com coisas bonitas

 



Natal de outros tempos de crise - 1942

 


1 - Bicha em Lisboa para a obtenção de senhas de racionamento, 1943.
2. - Distribuição de senhas de racionamento, no Porto, anos 40.
3 - Senhas para o pão, anos 40.






O Racionamento


Pelo Natal de 1942, em plena crise nacional agravada pelas chagas da guerra, o Instituto Nacional de Estatística refere que a alimentação dos portugueses se baseia na broa com umas três ou quatro sardinhas salgadas, mais ou menos batatas, duas tigelas de caldo com legumes secos. Na população rural o problema agrava-se, achando-se a maioria das pessoas em estado de subalimentação, com regime insuficiente, tanto em qualidade como em quantidade. Se o trabalho falta e o merceeiro não fia, apenas um dia ou outro calará a fome com um prato dado à míngua e por caridade, lê-se no relatório.

As manifestações de protesto e as greves desencadeiam-se um pouco por todo o lado. Ocorrem dezenas de motins campesinos no Minho e em Trás-os-Montes contra as requisições de cereais feitas pelo Estado, a falta de géneros alimentícios e, em alguns casos, a perseguição policial à recolha e venda ilegal de volfrâmio. A repressão do Estado, porém, não impede alguns aumentos salariais que rompem a política de contenção, acelerando assim a espiral inflacionária que acaba por prejudicar quem depende do rendimento de trabalho. Salazar alarga o racionamento de bens essenciais, até então só existente para a gasolina e a electricidade, o que atira o povo para maior penúria e para o inferno do mercado negro. A fruta e o peixe tornam-se praticamente proibitivos, fora de controlo o leite surge falsificado com água e o açúcar aparece misturado com farinha.

Quem pode, quem tem um palmo de terra que seja, planta legumes, e criar galinhas, coelhos ou patos, em gaiolas improvisadas, caixas ou até em casa. Os cães vadios rareiam nas ruas: nesse tempo sabem como cabrito. A sujeição dos produtos ao racionamento é progressiva: o arroz, açúcar, bacalhau, massa, sabão, azeite, óleo, manteiga, café, cacau, cereais, farinhas. Até o pão não escapa e passa a ser reduzido, o branco, a 120 gramas por dia e por pessoa ou, em alternativa, o pão escuro a 180 gramas. A batata é meio quilo por semana e por pessoa. O racionamento não seria só nesse tempo, nesse Natal. Prolongar-se-ia para além da guerra, por mais Natais...



"Has given my heart change of mood"

 


Dust of Snow (1923)

The way a crow
Shook down on me
The dust of snow
From a hemlock tree

Has given my heart
A change of mood
And saved some part
Of a day I had rued.

Robert Frost (1874-1963)


Crows in Winter (1941) by N. C. Wyeth (American, 1882-1945)