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January 23, 2024

Do not be lost in translation

 


Ηow does literature converse with the world it inhabits? Could it be used to imagine what could be radically different realities?

Literature sheds light on realities that already exist within us. We carry inside us the science fiction, thriller or romance, which we will read tomorrow in some sort of written form. And if our writing sometimes becomes surreal, it is because surrealism is the new realism – as long as you stand still amid the daily flow of the city and observe what is happening, how you co-exist with the other. Our realities constitute the fuel of literature. And at the same time, our reality is also enriched by and through literature.

Most scholars reckon that the content of a book cannot be separated from the particularities of the language that gave it shape. In this respect, where does the role and responsibility of the translator lie? Can translation ever be unethical?

Translators have a great responsibility since they are the ones who give voice, in their language, to the foreign creator. I agree with those who argue that moving from one language – and thought and culture – to another is a kind of ‘betrayal’; how to transfer the original meaning intact to a new linguistic environment, how to transmute into your own reality that foreign element that words carry within them. The act of writing itself is also a form of betrayal; the passage from that primary vision (if not a vision, then a shiver or suspicion of feeling) from the infinite possibilities that exist to the finite marks on paper.

Vassilis Kimoulis, interview by Athina Rossoglou


November 29, 2023

Aqui, vinte e cinco anos depois




Aqui, vinte e cinco anos depois, retomo os episódios da minha vida em África e uma figura, erecta, sincera e muito agradável de se ver, ergue-se como porteiro para todos eles: o meu criado somali, Farah Aden. Se algum leitor objectar que poderia ter escolhido uma personagem de maior importância, responder-lhe-ia que isso não seria possível.

Farah veio ao meu encontro em Aden em 1913, antes da Primeira Guerra Mundial. Durante quase dezoito anos, ele geriu a minha casa, os meus estábulos e os safaris. Falei com ele sobre as minhas preocupações e sobre os meus sucessos, e ele sabia de tudo o que eu fazia ou pensava. Farah, quando tive que abandonar a fazenda e deixar a África, despediu-se de mim em Mombasa. Enquanto observava a sua figura escura e imóvel no cais ficar cada vez menor e, finalmente, desaparecer, senti como se estivesse perdendo uma parte de mim mesma, como se estivesse partindo a minha mão direita e nunca mais pudesse cavalgar um cavalo ou disparar uma espingarda, nem escrever de outra forma que não fosse com a minha mão esquerda. Desde então, nunca mais cavalguei ou disparei.

Para formar e constituir uma Unidade, em particular uma Unidade criativa, os componentes individuais precisam ser de natureza diferente, devem até ser, de certa forma, contrastantes. Duas unidades homogéneas nunca serão capazes de formar um todo, ou o seu todo, no máximo, permanecerá estéril. Homem e mulher tornam-se um, uma Unidade fisica e espiritualmente criativa, pela sua dissimilaridade. Um gancho e um olhal são uma Unidade, um fecho; mas com dois ganchos você não pode fazer nada. Uma luva de mão direita com a sua contraparte a luva de mão esquerda constitui um todo, um par de luvas; mas duas luvas de mão direita são descartadas. Um número de objetos perfeitamente semelhantes não constitui um todo, um par de cigarros pode muito bem ser três ou nove. Um quarteto é uma Unidade porque é composto por instrumentos diferentes. Uma orquestra é uma Unidade, e pode ser perfeita como tal, mas vinte contrabaixos tocando a mesma melodia são Caos.

Uma comunidade de apenas um sexo seria um mundo cego. Quando em 1940 estive em Berlim, contratada por três jornais escandinavos para escrever sobre a Alemanha nazi, a mulher - e todo o mundo feminino - estava tão enfaticamente subjugada que eu poderia de facto ter estado a andar numa comunidade de um só sexo. Senti um alívio então, ao ver os jovens soldados marchando para o oeste, para a fronteira, pois numa luta os adversários tornam-se um e os dois duelistas formam uma Unidade.

A introdução na minha vida de outra raça, essencialmente diferente da minha, em África, tornou-se para mim uma expansão misteriosa do meu mundo. A minha voz e a minha canção na vida, tiveram lá uma segunda parte, e tornaram-se mais plenas e ricas no dueto.


  Shadows on the Grass, by Isak Dinesen (pseudónimo de Karen Blixen)



September 04, 2023

Selecta literária - Machado de Assis

 


Outro grande escritor da Língua Portuguesa:


A vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo e dos comprimários, quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários. Há coros numerosos, muitos bailados, e a orquestração é excelente…

— Machado de Assis, no livro “Dom Casmurro”. São Paulo: Ática, 1997.


September 01, 2023

da Literatura

 


Com uma clara referência ao seu país natal, o laureado [Solzhenitsyn] defende que a "propaganda", a "coação" e a "prova científica" são "inúteis" neste terreno moral. Só a arte e a literatura podem "superar o hábito ruinoso do homem de aprender apenas com a sua própria experiência". Mas Solzhenitsyn não se fica por aqui. A arte e a literatura, continua, também funcionam a nível nacional, transmitindo a experiência colectiva em benefício de outras nações e de épocas posteriores. Nos casos mais afortunados, a literatura "pode salvar uma nação inteira de um curso redundante, ou erróneo, ou mesmo destrutivo, encurtando assim os caminhos tortuosos da história humana"

Richard Hughes Gibson in realism-confronts-utopia

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A literatura, a boa literatura, tem sempre um fundo filosófico. São livros onde se mostra, nas acções e palavras humanas modos de ser e agir que ultrapassam o mero local. Por isso podem ser lidos e reconhecidos por qualquer uma pessoa de qualquer cultura. Como diz Solzhenitsyn, a literatura distende os nosso horizontes porque faz-nos aprender com a experiência dos outros e então, alargamos os nosso horizontes a horizontes muito mais vastos. A boa literatura é arte e tal como a arte (e também a filosofia) tem um carácter supra-temporal. Atravessa tempos e épocas sem perder força e verdade.


Algumas frases de Eça:

Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as ações - mesmo as boas.
   - Eça de Queiroz, in 'A Correspondência de Fradique Mendes'

(uma frase que acerta em cheio na mercância de baixa moralidade do politico)


Curiosidade: instinto que leva alguns a olhar pelo buraco da fechadura, e outros a descobrir a América.
(uma frase que nos diz que as características humanas não são boas nem más em si mesmas, mas que tornam-se virtudes ou defeitos de carácter, grandes ou mesquinhas pelo uso que delas fazemos)


“Nada desejar e nada recear... Não se abandonar a uma esperança - nem a um desapontamento. Tudo aceitar o que vem e o que foge, com a tranquilidade com que se acolhem as naturais mudanças de dias agrestes e de dias suaves.” 
― Eça de Queiroz, Os Maias
(uma frase de apologia do estóico - escapar ao sofrimento pela indiferença)


“Se não aparecerem mulheres, importam-se, que é em Portugal para tudo o recurso natural. Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilos, indústrias, modas, maneiras, pilhérias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssima, com os direitos de alfândega:e é tudo em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas...” 
― Eça de Queiroz, Os Maias
(uma frase que fala de Portugal como um país sem rumo e sem ideias que espera que tudo lhe caia aos pés já feito e que por isso é um imitador e faz tudo tarde e em segunda mão)


“Com a mania francesa e burguesa de reduzir todas as regiões e todas as raças ao mesmo tipo de civilização, o mundo ia tornar-se numa monotonia abominável. Dentro em breve um touriste faria enormes sacrifícios, despesas sem fim, para ir a Tumbuctu - para quê? Para encontrar lá pretos de chapéu alto, a ler o Jornal dos Debates.” 
  - José Maria Eça de Queirós
(uma frase profética... se ele visse a baixa de Lisboa cheia de lojas ale-hop, todas com uma vaca à porta...)


“Amei aquela criatura. Amei aquela criatura com Amor, com todos os Amores que estão no Amor, o Amor Divino, o Amor Humano, o Amor Bestial, como Santo Antonino amava a Virgem, como Romeu amava Julieta, como um bode ama uma cabra.”
― Eça de Queirós, A Cidade e as Serras
(uma frase que fala do amor como um sentimento tão absoluto que inclui o santo e o bestial e nenhum deles ofende o outro)

October 01, 2022

Nacos de literatura




Marsh is not swamp. Marsh is a space of light, where grass grows in water, and water flows into the sky. Slow-moving creeks wander, carrying the orb of the sun with them to the sea, and long-legged birds lift with unexpected grace-as though not built to fly-against the roar of a thousand snow geese.

Then within the marsh, here and there, true swamp crawls into low-lying bogs, hidden in clammy forests. Swamp water is still and dark, having swallowed the light in its muddy throat. Even night crawlers are diurnal in this lair. There are sounds, of course, but compared to the marsh, the swamp is quiet because decomposition is cellular work. Life decays and reeks and returns to the rotted duff; a poignant wallow of death begetting life.

A swamp knows all about death, and doesn't necessarily define it as a tragedy, certainly not a sin.


- Delia Owens, Where the Crawdads Sing 




do filme, Where the Crawdads Sing,

January 20, 2022

A felicidade

 


Alan Lightman nunca deixa de nos dizer que a felicidade é possível se formos capazes de articular dois eixos fundamentais: o eixo das combinações estruturais que condicionam a enunciação dos acontecimentos e o eixo do enunciado infinito desses acontecimentos. Se há uma lição a tirar deste livro, é esta: quanto menos quisermos capturar o tempo, quanto mais nos deixarmos habitar pelas figuras do tempo, quanto mais soubermos imaginar outras configurações, mais facilmente ficamos disponíveis para a pura fruição do mundo.

Eduardo Prado Coelho

Sensações inalteráveis

 


Calculei que passei nestas praias africanas pelo menos mil dias de enorme alegria, fora de água e dentro de água, como animais de costa, sem ter outra regra senão a do sol. Mais do que na minha memória, estas horas permanecem gravadas no meu corpo, como sensações inalteráveis que a luz de uma manhã ou um toque de vento inesperadamente despertam.

Luigi Pintor

January 18, 2022

galderiazecas de teatro




Quando viu as Musas da poesia em volta do meu leito e a ditar-me as palavras para os meus lamentos, perturbando-se um pouco, enfurecida e com olhar ameaçador, disse:
– Quem permitiu a estas galderiazecas de teatro aproximarem-se deste infeliz, não para aliviarem com remédios as suas maleitas mas antes para ainda mais as alimentarem com doces venenos?


    — Boécio, Consolação da Filosofia

Irrupção do irracional

 


O homem ignora sempre tudo da irracionalidade que constitui a essência da sua actividade silenciosa, não sabe nada da «irrupção das vielas» a que está exposto, disso nada pode saber, pois a cada momento da sua vida se encontra no interior de um sistema de valores, sistema cuja única finalidade é encobrir e dominar o irracional que constitui o suporte da vida empírica, ligada à terra; não só a consciência, mas o próprio irracional, para falarmos em linguagem kantiana, é um veículo que acompanha todas as categorias — é o absoluto da vida, que, com todos os seus instintos, suas volições, suas emoções, caminha lado a lado com o absoluto do pensamento.

  — Hermann Broch

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Finalmente lembrei-me do texto que me queria lembrar hoje de manhã. Isto vem a propósito de estar na sala de DTs com um colega mais novo (novo de idade e recentemente chegado à profissão - portanto, um espécime em vias de extinção) que tem a hora de DT ao mesmo tempo que eu. Este ano é a primeira vez que ele tem uma DT e trocamos impressões. Então, ele contava-me que tem um amigo que teve um filho há pouco tempo e que o avisou, 'prepara-te para ficares irracional' - Como assim irracional? 'daqui a uns anos vais acreditar em tudo o que o teu filho te disser da escola e dos professores, mesmo as coisas mais estrambólicas'. LOL fartámos de rir porque começámos a contar cenas - ele já tem algumas para contar e eu tenho muitos anos de cenas para contar :)) Depois fiquei a pensar que já tinha lido um texto sobre a irrupção do irracional. Encontrei-o.


December 19, 2021

Pedaços de prosa




José Saramago – Prosa


Swedish

Portuguese


Memorial do Convento
Romance


Agora, sim, podem partir. O padre Bartolomeu Lourenço olha o espaço celeste descoberto, sem nuvens, o sol que parece uma custódia de ouro, depois Baltasar que segura a corda com que se fecharão as velas, depois Blimunda, prouvera que adivinhassem os seus olhos o futuro, Encomendemo-nos ao Deus que houver, disse-o num murmúrio, e outra vez num sussurro estrangulado, Puxa, Baltasar, não o fez logo Baltasar, tremeu-lhe a mão, que isto será como dizer Fiat, diz-se e aparece feito o quê, puxa-se e mudamos de lugar, para onde. Blimunda aproximou-se, pôs as duas mãos sobre a mão de Baltasar, e, num só movimento, como se só desta maneira devesse ser, ambos puxaram a corda. A vela correu toda para um lado, o sol bateu em cheio nas bolas de âmbar, e agora, que vai ser de nós. A máquina estremeceu, oscilou como se procurasse um equilíbrio subitamente perdido, ouviu-se um rangido geral, eram as lamelas de ferro, os vimes entrançados, e de repente, como se a aspirasse um vórtice luminoso, girou duas vezes sobre si própria enquanto subia, mal ultrapassara ainda a altura das paredes, até que, firme, novamente equilibrada, erguendo a sua cabeça de gaivota, lançou-se em flecha, céu acima. Sacudidos pelos bruscos volteios, Baltasar e Blimunda tinham caído no chão de tábuas da máquina, mas o padre Bartolomeu Lourenço agarrara-se a um dos prumos que sustentavam as velas e assim pôde ver afastar-se a terra a uma velocidade incrível, já mal se distinguia a quinta, logo perdida entre colinas, e aquilo além, que é, Lisboa, claro está, e o rio, oh, o mar, aquele mar por onde eu, Bartolomeu Lourenço de Gusmão, vim por duas vezes do Brasil, o mar por onde viajei à Holanda, a que mais continentes da terra e do ar me levarás tu, máquina, o vento ruge-me aos ouvidos, nunca ave alguma subiu tão alto, se me visse el-rei, se me visse aquele Tomás Pinto Brandão que se riu de mim em verso, se o Santo Ofício me visse, saberiam todos que sou filho predilecto de Deus, eu sim, eu que estou subindo ao céu por obra do méu génio, por obra também dos olhos de Blimunda, se haverá no céu olhos como eles, por obra da mão direita de Baltasar, aqui te levo, Deus, um que também não tem a mão esquerda, Blimunda, Baltasar, venham ver, levantem-se daí, não tenham medo.

Não tinham medo, estavam apenas assustados com a sua própria coragem. O padre ria, dava gritos, deixara já a segurança do prumo e percorria o convés da máquina de um lado a outro para poder olhar a terra em todos os seus pontos cardeais, tão grande agora que estavam longe dela, enfim levantaram-se Baltasar e Blimunda, agarrando-se nervosamente aos prumos, depois à amurada, deslumbrados de luz e de vento, logo sem nenhum susto, Ah, e Baltasar gritou, Conseguimos, abraçou-se a Blimunda e desatou a chorar, parecia uma criança perdida, um soldado que andou na guerra, que nos Pegões matou um homem com o seu espigão, e agora soluça de felicidade abraçado a Blimunda, que lhe beija a cara suja, então, então. O padre veio para eles e abraçou-se também, subitamente perturbado por uma analogia, assim dissera o italiano, Deus ele próprio, Baltasar seu filho, Blimunda o Espírito Santo, e estavam os três no céu, Só há um Deus, gritou, mas o vento levou-lhe as palavras da boca. Então Blimunda disse, Se não abrirmos a vela, continuaremos a subir, aonde iremos parar, talvez ao sol.

Copyright © José Saramago
e Editorial Caminho, SARL
Lisboa, 1982

December 06, 2021

de, "Crime e Castigo"



Sonhou que o mundo inteiro estava condenado a uma terrível nova e estranha praga que tinha vindo para a Europa das profundezas da Ásia. Todos deveriam ser destruídos, excepto alguns poucos escolhidos. Alguns novos tipos de micróbios atacavam os corpos dos homens, mas estes micróbios eram dotados de inteligência e vontade. Os homens atacados por eles tornaram-se imediatamente loucos e furiosos. Mas nunca os homens se tinham considerado tão intelectuais e tão completamente na posse da verdade como estes sofredores, nunca tinham considerado as suas decisões, as suas conclusões científicas, as suas convicções morais tão infalíveis. Aldeias inteiras, cidades e povos inteiros enlouqueceram com a infecção. Todos estavam entusiasmados e não se compreendiam uns aos outros. Cada um pensava que só ele tinha a verdade e era infeliz olhando para os outros, batia-se no peito, chorava, e torcia as mãos. Não sabiam como julgar e não podiam concordar o que considerar o mal e o bem; não sabiam a quem culpar, a quem justificar. Os homens matavam-se uns aos outros, numa espécie de despeito sem sentido. Reuniam-se em exércitos uns contra os outros, mas mesmo em marcha os exércitos começavam a atacar-se uns aos outros, as fileiras eram quebradas e os soldados caíam uns sobre os outros, esfaqueando-se e cortando-se, mordendo-se e devorando-se uns aos outros. A campainha de alarme tocava o dia inteiro nas cidades; os homens corriam juntos, mas a razão pela qual eram convocados e quem os convocava ninguém sabia. Os ofícios mais comuns foram abandonados, porque todos propunham as suas próprias ideias, as suas próprias melhorias, e não conseguiam chegar a acordo. A terra também foi abandonada. Os homens reuniram-se em grupos, concordaram em alguma coisa, juraram manter-se juntos, mas de imediato começaram a trabalhar em algo bastante diferente do que tinham proposto. Acusaram-se uns aos outros, lutaram e mataram-se uns aos outros. Houve conflagrações e fome. Todos os homens e todas as coisas estavam envolvidos na destruição. A peste alastrou-se e avançou cada vez mais. Apenas alguns poucos homens puderam ser salvos em todo o mundo."

— Dostoevsky, Crime e Castigo


August 20, 2021

Os cinco contos curtos mais lindos do mundo.




Os cinco contos curtos mais lindos do mundo.
_______ Gabriel Garcia Márquez _______

′′ Uma criança de cerca de cinco anos que perdeu a mãe entre a multidão de uma feira aproxima-se de um policia e pergunta-lhe: ′′ Você não viu uma senhora que anda sem uma criança como eu?".

II. 
′′ Mary Jo, com dois anos de idade, está aprendendo a brincar nas trevas, depois que seus pais, o senhor e a senhora May foram forçados a escolher entre a vida da pequena ou a sua cegueira para o resto de sua vida. A pequena Mary Jo tirou ambos os olhos na Clínica Mayo, depois de seis eminentes especialistas terem dado o seu diagnóstico: retinoblastoma. Quatro dias depois da operada, a pequena disse: ′′ Mãe, não consigo acordar... Não consigo acordar ".

III. 
′′ É o drama do desencantado da vida que se jogou na rua de um décimo andar e à medida que caía estava a ver através das janelas a intimidade dos seus vizinhos, as pequenas tragédias domésticas, os amores furtivos, os breves instantes de felicidade, cujas notícias nunca tinham chegado à escada comum, de modo que no instante de se rebentar contra o pavimento da rua tinha mudado completamente a sua concepção do mundo e concluído que aquela vida que abandonava para sempre pela porta falsa valia a pena ser vivida.

IV. 
′′ Dois batedores conseguiram se refugiar em uma cabana abandonada, depois de terem vivido três angustiantes dias extraviados na neve. Depois de mais três dias, um deles morreu. O sobrevivente escavou uma fossa na neve, a cerca de cem metros da cabana, e enterrou o corpo. No dia seguinte, porém, ao acordar de seu primeiro sono tranquilo, encontrou-o de novo dentro de casa, morto e petrificado pelo gelo, mas sentado como um visitante formal em frente à sua cama. Sepultou-o de novo, talvez em um túmulo mais distante, mas ao acordar no dia seguinte ele voltou a encontrá-lo sentado em frente à sua cama. Então ele perdeu a razão. Pelo seu seu diário pôde-se conhecer a verdade da sua história. Entre as muitas explicações que tentaram dar-se ao enigma, uma parecia ser a mais plausível: o sobrevivente tinha-se sentido tão afetado pela sua solidão que ele mesmo desenterrava o corpo que enterrava acordado.

V. 
′′ O pelotão de fuzilamento tirou-o da sua cela num amanhecer glacial, e todos tiveram que atravessar a pé um campo nevado para chegar ao local da execução. Os guardas civis estavam bem protegidos do frio com camadas, luvas e tricórnios, mas mesmo assim eles estavam a atirar através no deserto gelado. O pobre prisioneiro, que só usava uma jaqueta de lã desfiada, esfregava continuamente o corpo quase petrificado, enquanto se lamentava em voz alta do frio mortal. A certa altura, o comandante do pelotão, exasperado com os lamentos, gritou-lhe:
Foda-se, a fazer-se de mártir com o filho da puta do frio. Pense em nós, que temos que voltar.

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Santiago Mutis Durán (Bogotá, 1951) é poeta, ensaísta e editor. Filho do poeta Álvaro Mutis. Mora em Bogotá. O texto ′′ Os cinco contos curtos mais belos do mundo segundo García Márquez ′′ foi publicado pela primeira vez na sua revista Conversas de La Soledad.
Bogotá, março de 2001.
Publicação original para LBA / Isabel Martinho
___*___
Conversas Revista da Solidão, Bogotá, 2001
https://www.dkfev.de/downloads/KA_Archiv/KA_106_plus.pdf

July 04, 2021

A natureza é a fonte de toda a inspiração

 


Parece uma cena saída do Anel dos Nibelungos, da forja de Mime, o Nibelungo irmão de Albéric que fabrica o anel e o elmo do poder.

Para quem quiser ler a história do Anel do Nibelungo: este post notável do blog domedioorienteeafins conta-a muito bem. 


by Jan Erik Waider

April 04, 2020

O que ensinam os livros e os filmes aos jovens



Uma estratégia que tenho nas aulas é passar um filme em cada período. Umas vezes passo-o antes de iniciar o tema novo, outras depois da introdução, outras no fim, dependendo de querer que o filme sirva para introduzir questões do tema que quero que os alunos explorem por si mesmos (com a minha orientação, claro); ou de o tema ser complexo e ter de fazer primeiro uma introdução aos conceitos fundamentais e depois o filme servir de contextualização e reflexão sobre os conceitos ou, se quero que a discussão do filme consolide os conteúdos de um tema que trabalhámos.

O que me importa é escolher um filme que seja suficientemente rico em questões e pistas de reflexão para permitir voltar a ele recorrentemente à medida que se progride no tema/s, permitindo fazer a sua ligação à vida; finalmente, escolho sempre um filme que permita crescimento individual e 'sabedoria' para a vida, pois é isso que interessa, penso, num curso de Filosofia no ensino secundário. Não é fazer dos alunos especialista em Filosofia ou mestres de argumentação mas, acima de tudo, dar-lhes instrumentos para poderem usar a Filosofia como suporte de reflexão nos caminhos da vida.

Hoje em dia passo um filme porque é a maneira de garantir que todos os vêem e o discutem mas no passado, quando os aluno liam livros -agora são muito poucos os que o fazem- mandava-os ler um livro para depois discuti-lo.

(Nessa altura trabalhava-se uma obra filosófica inteira em cada ano. O Discurso do Método de Descartes que se dava no 11º ano, por exemplo, é um livrinho com o qual se aprende tanto, tanto, tanto. Espreme-se dali tanto sumo precioso... enfim...)

A literatura, a boa literatura tem essa característica de ser um motor de crescimento individual e passar subterraneamente, muitos ensinamentos para vida.

Por exemplo, O Conde Monte Cristo, de Dumas. Fui dar há pouco tempo com um artigo sobre a obra (de, Ana Sharife) que mostra muito bem esse caracter formador da literatura.

Aprendemos com O Conde Monte Cristo que o conhecimento liberta, que não é preciso ser-se rico ou poderoso para se ter dignidade moral, que a violência não é uma boa resposta à violência, que a vingança não traz felicidade, que o poder egoísta não traz felicidade, que a vaidade não traz felicidade, que o perdão nos desacorrenta e que o mundo não é justo e temos que saber lidar com a injustiça, o mal e o sofrimento. É uma obra que ensina a conhecer-se a si mesmo, a reconhecer o seu próprio potencial moral e de autonomia. Aprendemos ainda que os pensadores que nos precederam nos ajudam na medida em que fornecem orientação nos caminhos da vida.

Alexandre Dumas encerra um marinheiro inocente numa prisão horrível, condenado por um crime que não cometeu, para transformá-lo, a partir dessas injustiças, numa pessoa completamente diferente. Antes da injustiça, Dantès era um homem bom por ingenuidade e acaso mas no fim do livro ele transformou-se num indivíduo bom por consciência deliberada e isso faz toda a diferença.

Dumas escreve a obra numa França corrompida política e financeiramente, no meio de uma crise moral e espiritual, sem direitos humanos, onde os ricos e poderosos abusavam dos pobres e amiúde os encarceravam injustamente para prosseguir os seus interesses particulares.

Dantès, um marinheiro de valor, a ponto de ascender a capitão e de casar com a bela condessa de Morcef, está completamente alheio à inveja que desperta nos que o rodeiam. É preso no dia da boda, acusado anónima e falsamente pelo seu amigo, de ser um agente bonapartista. O cativeiro dura 14 anos. 
No inicio do cativeiro, Dantès desespera com a ideia de que nunca sairá daquele inferno. Ele está preso quando Napoleão regressa do primeiro exílio, naqueles 100 dias que se acabaram na batalha de Waterloo. 

Tudo muda quando conhece o abade Faria, um preso político que ocupa a cela contígua. Faria é um monge, professor de Filosofia, ensina-lhe História, Matemáticas, Línguas, Filosofia, Física e Química. Ensina-lhe o valor do caráter e mostra-lhe que a dignidade moral não tem que ver com posição ou riqueza. Dantès começa a sua transformação.

A amizade -genuína- com o abade é a primeira pedra na fundação da sua transformação. Este fala-lhe de Epicuro, Séneca, Maquivel, Pitágora, Juliano, Fabre d’Olivet, da filosofia prática que ajuda a enfrentar as dificuldades da vida e a alcançar a serenidade. É o abade quem lhe revela o tesouro e é a via da sua libertação.
Que essa amizade ou amor entre eles seja mais valiosa que todos os tesouros que alimentam as vaidades, é uma grande lição de crescimento.

No resto da obra, Dantès nunca comete actos de violência. Ajuda os que o ajudaram e foram bons para ele e arranja maneira de que os que o atraiçoaram paguem pelos seus actos. No entanto, está numa senda de vingança e só quando um pobre inocente morre por causa de uma das suas vinganças ele percebe que não lhe compete a ele fazer justiça e que a justiça não vem da vingança. Este é um 'recado' que Dumas envia aos leitores.

No fim do livro Dantès perdoa ao mais culpado de todos os que o atraiçoaram que foi aquele que falsamente o denunciou e enviou para a prisão por um crime não cometido. É nessa altura que Dantès se converte num ser humano que não apenas é capaz de amar a vida, apesar das injustiças, da maldade alheia e do sofrimento, mas também é capaz de superar os desejos de vingança e alcançar a felicidade, fazendo com que os outros também possam eles mesmos alcançá-la.

Este livro, lido na adolescência, ali pelos 10, 12 anos, deixa uma impressão profunda, porque somos cativados por histórias onde os bons conseguem vencer os obstáculos e os maus são castigados e, ao mesmo tempo, deixa muitas sementes para o crescimento pessoal.

E é por isso, para além do prazer de ler uma obra bem escrita, que é uma maneira do formar o gosto literário, que a boa literatura é fundamental, nomeadamente na idade em que estamos em crescimento e toda a boa orientação tem um impacto profundo e duradouro. Um adolescente pode esquecer-se de uma lição de Geografia, mas nunca mais se esquece do Conde de Monte Cristo e das suas lições.

Ler é uma actividade que os pais podem incentivar nos filhos neste tempo de quarentena. Ou até seguir o hábito antigo de fazer uma sessão de leitura, em família.
É uma maneira de pôr os miúdos pequenos a gostar de ler.

January 28, 2020

All the more reason to resist the march toward a literary culture without love.



Literature, after all, is precisely that which is not bounded by “inflexible laws.” This does not mean it escapes those laws entirely, whether the laws of nature or the lawlike relations that govern our political and social lives. Literature is about life and thus contains everything in it that life contains—including politics, history and certainly disappointment. But when we read something that moves us to tears or laughter, pity or terror, conviction or bewilderment, it is because it reminds us that the “real” is not always disenchanted, our lives not always reducible to the conditions of their possibility. Perhaps we do live in a time, as our greatest poet of disenchantment once described it, of “specialists without spirit, and sensualists without heart.” All the more reason to resist the march toward a literary culture without love.