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April 04, 2023

Este é o Rei Sol

 

É um retrato hiper-realista em alto relevo de Luís XIV, feito em 1706 por Antoine Benoist, com o rei ainda vivo, já com mais de 65 anos. Não consta que alguém, alguma vez, lhe tenha feito críticas ao nariz dos bourbons. O retrato foi feito com cera, tintas, uma peruca verdadeira, renda e veludo carmesim. A tela de Benoist está em exposição no Palácio de Versalhes.

March 19, 2023

Rui Nabeiro deve ser o único empresário português que toda a gente respeita

 

Era um empresário que criava emprego e florescia sem ganância. Logo, sem necessidade nem vontade de destruir outros. Raro, muito raro.

(1931-2023)


foto do JN


March 06, 2023

Morreu Andrew Linklater

 


Um grande teórico das RI. Ando a ler este livro dele sobre o processo global de civilização e os esforços de construção de uma sociedade cada vez menos violenta.



January 23, 2023

A arte a imitar a vida...

 


January 20, 2023

Podia escrever-se uma história a partir desta imagem

 


É fácil imaginar-lhe características, uma vida interior e exterior.




Edwardian girl, England, c.1910
- de Marcia Mornay

January 02, 2023

Uma pessoa: Julia Butterfly Hill




Há muitos tipos de heróis e Julia Butterfly Hill é um deles. Esta americana viveu durante 738 dias no topo uma sequoia gigante chamada Luna, com cerca de 2000 anos, para impedir que fosse cortada por uma empresa madeireira, juntamente com as outras poucas sequoias que sobram da outrora enorme floresta californiana.

Foi ameaçada, deitaram-lhe napalm e fogo para cima, passou frio, pensou que ia morrer com o El Nino, mas não se deixou vencer e conseguiu que as árvores fossem salvas.



Um livro que certamente valerá a pena ler, sobre um tipo de heroísmo de que o mundo carece urgentemente.



December 30, 2022

Pessoas

 


À conta destas chuvadas intensas de Dezembro um dos quartos da casa cuja parede é virada a oeste e leva com a chuva e o vento com violência, tem uma das paredes, a que dá para o exterior, completamente manchada de pintas negras. Só dei por isso porque essa divisão, que é um quarto de vestir, começou a cheirar a mofo e a minha empregada, que tinha limpo as paredes no Verão, afastou os móveis e foi dar com aquilo. Enfim, por sorte só me estragou um par de sapatos e pôs a roupa a cheirar mal. Bem, como depois da casa roubada é que se põem trancas na porta, já comprei um desumidificador e hoje fui a uma loja de tintas comprar coisas para tratar da parede. Entrei na loja e estava lá um homem a ser atendido, com a vendedora, uma mulher da minha idade, mais ou menos. Disse ao que ia e entre os dois explicaram-me tudo o que devo e não devo fazer para evitar voltar a ter este problema. Em primeiro lugar como limpar a parede: vinagre ou bicarbonato de sódio. Nunca lixívia. O homem, por coincidência um especialista em impermeabilização, explicou-me os problema da impermeabilização, a diferença entre a telha lusitana, a telha portuguesa e a telha francesa (pelos vistos, são as mais usadas entre as telhas de cerâmica), no que respeita a problemas de inundações, o que tem que ver com o maneira como as telhas se unem para formar a cobertura. Também me explicou quais as novas metodologias e materiais para impermeabilizar paredes de prédios. Enfim, entre os dois fizeram-me o favor de me dar uma aula sobre o assunto da humidade, inundações e estratégia para evitar paredes negras. Simpatiquíssimos. Esta passou a ser a minha loja de tintas e pincéis preferida 🙂



Uma pessoa

 


29 de Dezembro de 1720: A astrónoma alemã Maria Margaretha Kirch morre de febre aos cinquenta anos de idade, em Berlim. 
Nascida Maria Margaretha Winkelmann em Leipzig, foi educada desde tenra idade pelo seu pai, um ministro luterano, que acreditava que ela merecia uma educação equivalente à dos jovens rapazes da época. Como desde cedo se interessou pela astronomia, aproveitou a oportunidade de estudar com Christoph Arnold, um astrónomo autodidacta que trabalhou como agricultor em Sommerfeld, perto de Leipzig. Tornou-se aprendiz não-oficial de Arnold e mais tarde sua assistente, vivendo com ele e a sua família. Através dele, conheceu o famoso astrónomo e matemático alemão Gottfried Kirch, casando-se com ele em 1692. O casal trabalhou em equipa, embora tenha sido Maria quem descobriu um cometa em 1702 (o seu marido recebeu os louros, apesar de ter declarado explicitamente que estava a dormir). Embora fosse muito admirada e respeitada, foi prejudicada no seu trabalho pelo facto de ser 'apenas' uma mulher. 



December 28, 2022

Dá gosto ver uma pessoa ser excelente

 

A rapariga nem sequer está molhada a não ser até aos joelhos. E a elegância com que vai andando na prancha a fazer equilíbrio. De vez em quando mexe um bocadinho um braço. Faz tudo parece fácil e fluído.

December 04, 2022

Pessoas que lutam por um mundo melhor

 

Ruth Andreas-Friedrich, uma jornalista que durante o dia trabalhava para a revista feminina Die junge Dame (A jovem senhora) e à noite, salvava amigos, conhecidos e desconhecidos judeus, abrigando-os em sua casa.
A jornalista carioca radicada na Alemanha, Luciana Rangel debruça-se sobre a mulher à frente de seu tempo que foi Ruth – assim como do diário que deixou e que não é preenchido somente com factos, mas também com sentimentos, perspectivas individuais, lembranças e pistas de um tempo, uma época, um estilo de vida e uma geração, como neste trecho em que nos aponta a dificuldade da comunicação entre os que queriam ajudar. Do diário de Ruth, 11 de novembro de 1938:

Quase todos meus amigos abrigam pessoas. Quando conversamos uns com os outros, falamos em código. Quebra-se a cabeça por horas para tentar entender o que o parceiro do outro lado da linha quis dizer: quem diabos é Karl? Que Gehard? Que crianças são essas? Não faço ideia de quem possa ser, mas cresce o treino para o fim do mundo, e a cada hora aumenta o talento de decifrar combinações.

 - "Ruth contra Hitler", da editora, Folhas de Relva Edições

(via Museu do Holocausto de Curitiba)



November 30, 2022

Os 4 cavaleiros do Apocalipse contemporâneo




Dos 4 cavaleiros do Apocalipse tradicionais, peste, guerra, fome e morte, dois mudaram: em vez da fome, a devastação da natureza, em vez da peste, as redes sociais. A guerra e a morte mantêm-se. A devastação da natureza por razões óbvias de estarem a desaparecer a um ritmo alucinante, espécies de plantas e de animais e com eles a sustentação do meio ambiente sem o qual não sobrevivemos. As redes sociais por razões que se vão tornando cada vez mais óbvias: por fomentarem um pensamento e um comportamento de rebanho ou de colmeia como lhe chama Lanier, através do controlo e manipulação das pessoas pelos algoritmos e pela espionagem digital que matam o pensamento crítico, divergente e dialéctico à nascença.



Dürer

                                                                                                                                                                                                                  

A intolerância (ou estupidez) humana

 

Que o direito a casar com que se quer ainda tenha que ser vertido em forma de lei para ser respeitado, diz muito da intolerância e estupidez humanas. Ano sim, ano não, tenho, ou ouço contar, histórias de alunos que têm irmãos ou irmãs que foram rejeitados pelas famílias por terem casado fora das regras da comunidade ou da religião. Os testemunhas de Jeová são especialmente fanáticos: primeiro têm 10 ou 12 filhos, mesmo sem condições para os criar e educar; depois, se algum deles se casa com um ateu ou ele mesmo se torna descrente e deixa a religião, os pais obrigam os outros filhos, sob pressão da igreja, a cortarem relação com esse irmão, sob pena de eles mesmos serem ostracizados pela família. Põem os miúdos num dilema imoral e psicologicamente destrutivo. Convencem-nos que, se falarem com os irmãos descrentes, perdem privilégios dentro da religião - é uma daquelas religiões que pregam a ideia de que uns felizardos nascem com a graça divina e os outros estão tramados. Separam famílias e destroem os filhos. Que as religiões, que pregam o amor, sejam focos de intolerância fanática com milhões de seguidores, diz muito sobre a natureza humana. Os conselheiros bíblicos dos testemunhas de Jeová (os seus mullahs) dizem aos adolescentes que devem ter cuidado com os professores de filosofia e desconfiar deles porque criam a dúvida, de maneira que ter aulas de filosofia é uma espécie de lutar contra o demónio. Aqui há uns anos uma aluna, no primeiro dia de aulas do 10º ano disse-me que tinha medo da filosofia e de mim porque lhe tinham dito que a filosofia faz as pessoas deixarem de acreditar em Deus. Mas enfim, aquele divulgador científico espalhafatoso, Neil deGrasse Tyson, também defende que deviam proibir a filosofia porque faz demasiadas questões incómodas à ciência e cria dúvidas.

 

November 25, 2022

Lukashenko na 'Twilight Zone'

 

A série de TV, Twilight Zone, era uma estranha mistura de horror, ficção científica, drama, comédia e superstição. Como é que indivíduo destes, um ditador ridículo, se mantém tantos anos no poder? Há aqui qualquer coisa a aprender acerca das sociedades humanas.


November 04, 2022

Vir ao ser e retornar ao nada

 

Retratos a preto e branco coloridos e animados. Como parecem imediatamente familiares, quer dizer, podemos adivinhar o seu universo humano. E depois, à medida que retornam ao seu estado de retratos a preto e branco é como se desaparecessem uma outra vez. Vêm ao ser e retornam ao nada. É difícil não pensarmos na nossa experiência pessoal de vida e de morte. Muito impressionante este vídeo. 


October 24, 2022

Mil palavras

 




Os donos disto tudo



Os donos disto tudo

António Araújo

É estranho chegar a uma certa idade sem perceber nada de como funciona o mundo. Soube há dias, por um acaso, que, nos idos anos 1990, aquando do frenesi das privatizações na Rússia, a PepsiCo, detentora dos refrigerantes gaseificados, tornou-se uma das maiores potências navais do mundo, pois, em troca das garrafas e das latas Pepsi que estava a vender à larga para a ex-URSS, aceitou ser paga em espécie: 17 submarinos soviéticos, um cruzeiro, uma fragata e um contratorpedeiro. A frota foi vendida para sucata, o que levou o presidente da empresa a gracejar com a Casa Branca: "nós estamos a desarmar a União Soviética muito mais depressa do que vocês."

É desta e de muitas outras loucuras que se faz o nosso tempo, triste e opaco, sem rumo nem norte, abominável mundo novo. E, por detrás dos governos e dos políticos, da ONU e doutras organizações internacionais, das diplomacias, cimeiras bi- ou multilaterais, há gente que actua na penumbra e na sombra, que movimenta o planeta e o põe a rodar sem que nós, os comuns mortais, tenhamos a mínima consciência disso, das decisões e opções que afectam milhões, muito mais do que julgamos. Quando lemos nas notícias que a Rússia autoriza ou não a exportação do ucraniano grão, quando sabemos dos movimentos e dos fluxos do petróleo e da recente - e inacreditável - facada da Arábia Saudita nas costas no Ocidente, julgamos que tudo se passa a um nível estritamente político, entre governos e líderes cujos rostos conhecemos, quando, na realidade, e sem falsos conspirativismos, há outra gente envolvida, muita outra gente envolvida, que compra e vende as mercadorias, os bens de necessidade primeira, que os paga a pronto ou a fiado, que os vai buscar a terras em guerra, que os despacha para onde mais pagarem. O Mundo à Venda. Dinheiro, poder e as corretoras que negoceiam os recursos da Terra (Casa das Letras, Setembro de 2022), um livro recente, da autoria de dois credenciados jornalistas do Financial Times e da Bloomberg, Javier Blas e Jack Farcity, levanta a ponta do véu da actividade dos corretores de matérias-primas, um punhado de empresas que controlam uma parcela substancial dos recursos naturais do planeta e que na sombra fazem lucros estratosféricos, muitas vezes à conta da guerra e do sofrimento alheio. Dirão os seus defensores que, sem os corretores de recursos, não teríamos o que comer à mesa nem gasóleo nos depósitos, não haveria casas, computadores, aviões no ar, carros nas estradas, o que é indiscutivelmente verdade, mas mostra o poder que tais indivíduos e empresas têm, a sua capacidade de domínio e influência, com a agravante de não sabermos quem são e o que fazem, de agirem na obscuridade e quase total impunidade, alheios ao controlo democrático e ao escrutínio mediático a que sujeitamos, e bem, os nossos governantes. É por isso, justamente por isso, que se torna ainda mais absurdo, inconcebível, que ignoremos sequer a existência destas pessoas e entidades, que não saibamos quem são e o que fazem, quais são os seus líderes e os seus perfis, concentrados que estamos em celebridades ou políticos que, na esmagadora maioria dos casos, não têm poder comparável ao desta gente sem rosto. Fiz a experiência: na sempre informada Wikipédia, cliquei no nome de "Gary Neagle" e deparei com quatro linhas apenas, que nos dizem tratar-se de um sul-africano que fez um curso de comércio e de contabilidade na Universidade de Witwaterstrand e que em 2000 entrou para os quadros da Glencore, de que é hoje o CEO. Nada mais é dito, nada mais sabemos sobre o homem que está aos comandos de uma das maiores empresas do mundo, ainda hoje a maior empresa de corretagem de mercadorias do planeta, até há pouco a maior empresa da Suíça, dominando 60% de todo o zinco comerciado internacionalmente, 50% do cobre, 9% do trigo, 3% do petróleo.

Ou veja-se uma outra empresa, a familiar e centenária Cargill, sediada no Minnesota, da qual provavelmente poucos ouviram falar, ao contrário do que sucede com a Apple, a Zara, a IKEA ou tantas outras. Pois bem, a Cargill é uma empresa privada, mas, se fosse aberta e cotada em bolsa, estaria no 15º lugar do índice Fortune 500. Com mais de 166 mil empregados espalhados por 66 países, dedica-se ao trading de cereais e outros produtos agrícolas, como o óleo de palma, mas também ao comércio de energia, aço, gado, rações, bem como à produção de xarope de glucose, óleos vegetais, alimentos processados. É responsável por 25% de todas as exportações norte-americanas de trigo e pelo abastecimento de 22% da carne consumida nos Estados Unidos. Todos os ovos consumidos nos restaurantes McDonald"s da América provêm de aviários da Cargill, que é também a maior produtora de frangos da Tailândia. O seu CEO chama-se Dave McLennan e, se forem novamente à Wikipédia em língua inglesa, encontrarão não mais do que três linhas, que dizem apenas que se formou em Amherst e que fez um MBA em Chicago, que é casado e tem três filhos, mas nada mais adiantam ou esclarecem. Sucede que, em 2019, num relatório produzido para o Center of International Policy, um think tank de Washington fundado em 1975, o antigo representante democrata Henry Waxman não hesitou em qualificar a Cargill como "a pior empresa do mundo", cuja dimensão colossal a faz esmagar todos os seus concorrentes e com um inenarrável cadastro em matéria de abate de florestas, poluição, alterações climáticas e tráfico e exploração de seres humanos. O rol das acusações é extenso e brutal: em 2021, oito antigas crianças escravas do Mali intentaram uma acção contra a Cargill, pelas condições de trabalho que sofreram nas plantações de cacau do Mali, existindo notícias sobre redes de tráfico e exploração nesses países desde 2005, pelo menos, o mesmo sucedendo com o algodão do Usbequistão, que a Cargill adquire e que é produzido com trabalho escravo e trabalho infantil. A isso juntam-se problemas laborais gravíssimos, como tentativas de supressão de sindicatos, exposição dos funcionários aos riscos da Covid-19, a par de aquisição abusiva de vastas parcelas de terra, violando os limites da propriedade fundiária, venda de alimentos adulterados (em 1971, a Cargill foi responsável pela venda de trigo contaminado ao regime de Saddam Hussein, provocando a morte de 650 pessoas, pelo menos), deflorestação na selva amazónica e das florestas tropicais na Sumatra, no Bornéu, no Gana, na Costa do Marfim (a Cargill comprava ou compra cacau plantado ilegalmente nos parques naturais desse país!), poluição atmosférica intensa, fraude e evasão fiscal. "A pior empresa do mundo", dizem, e o mais grave é nem sabermos que ela existe e o que faz.

Para termos uma ideia, basta dizermos que as cinco maiores corretoras de petróleo do mundo lidam diariamente com 24 milhões de barris de crude e produtos refinados, o equivalente a quase um quarto da procura de petróleo mundial. Ou que as sete maiores corretoras de bens agrícolas detêm quase metade dos cereais e sementes oleaginosas do mundo. Ou que a Glencore, a maior corretora de metais do planeta, representa um terço da oferta mundial de cobalto, uma matéria-prima essencial para a produção de veículos elétricos.

É certo que, a par dessas empresas, muitas outras se dedicam ao comércio de matérias-primas, como as grandes petrolíferas, com a BP e a Shell à cabeça, ou instituições bancárias como a Goldman Sachs ou a Morgan Stanley. Mas o que impressiona, além da opacidade tremenda, é o grau de concentração e domínio que este punhado de corretoras adquiriam: a partir de um bunker numa cidadezinha da Suíça, a Glencore é uma das maiores corretoras de trigo e de metais do mundo e controla uma parcela do negócio de petróleo, cuja empresa-líder é a Vitoil, sediada em Londres, a curta distância do Palácio de Buckingham.

Desde que o mundo existe, existem indivíduos ou companhias que se dedicam a negociar e a intermediar compras e vendas de bens e produtos. Contudo, foi a explosão do comércio mundial no pós-Segunda Guerra que levou à expansão das corretoras e, sobretudo, à sua concentração em gigantescos colossos que actuam à escala global e desafiam o poder de governos e a soberania dos Estados. Nos anos a seguir à guerra, o comércio mundial de matérias-primas e bens manufacturados representava cerca de 60 biliões de dólares; em 2017, representou mais de 17 triliões de dólares.

É também espantoso notar como estas empresas singraram e se mostraram e mostram imunes às sucessivas convulsões que abalam o mundo - e até, pelo contrário, como são capazes de tirar partido dessas convulsões para aumentarem os seus lucros e o seu poderia. Até aos anos 1960, o comércio mundial de petróleo era dominado pelas chamadas "Sete Irmãs": a Anglo-Persian Oil Company, antecessora da BP; a Royal Dutch Shell; a Standard Oil of California, a Gulf Oil e a Texaco, que se uniram na actual Chevron; a Jersey Standard e a Standard Oil of New York, predecessoras da ExxonMobil. Com as vagas de nacionalizações que assolaram os países do Médio Oriente nas décadas de 1960 e 1970, o monopólio das "Sete Irmãs" foi seriamente afectado e, de repente, o mercado mundial do petróleo tornou-se livre, ou na aparência mais livre, pois logo foi capturado pelas corretoras de matérias-primas, que tiveram aqui o seu grande boom. Mais tarde, com o colapso da União Soviética, as corretoras entraram a matar no vasto paraíso de recursos naturais da Rússia e, anos depois, voltaram a beneficiar extraordinariamente do espectacular crescimento económico da China, um país sedento de matérias-primas. Para se ter uma ideia: em 1990, a China consumia o mesmo montante de cobre de Itália e hoje é o maior consumidor de cobre e o maior produtor de metal refinado do mundo. E, na década do boom das matérias-primas liderado pela China, que se prolongou até 2011, os lucros combinados das três maiores corretoras eram superiores aos dos mais conhecidos gigantes do comércio internacional, como a Apple e a Coca-Cola.

Outra circunstância que favoreceu, e muito, os corretores internacionais foi, segundo os autores de O Mundo à Venda, a "financeirização" da economia e o crescimento do sector bancário nos anos 1980 e seguintes, facto que permitiu aos traders negociarem agora com base em vultuosos créditos e garantias bancárias. Em 2019, as quatro maiores corretoras de matérias-primas tiveram um volume de negócios de 725 mil milhões de dólares - mais do que o total das exportações do Japão.

O abrandamento da economia imposto pela Covid reflectiu-se numa redução dos preços das matérias-primas, o que implicou perdas para os mais frágeis, mas, uma vez mais, permitiu aos grandes potentados adquirirem mercadorias a preços de saldo, ridiculamente baixos, guardarem-nas nos seus gigantescos silos e revenderam-nas com lucros fabulosos (alguns corretores compraram mesmo barris de petróleo a preços negativos, o que obrigou a produtores a pagarem para vender a sua mercadoria!). E, a crer do que ocorreu no passado, em que as guerras sempre beneficiaram os traders de bens essenciais, é possível, até provável, que hoje em dia existiam corretores a fazerem fortunas astronómicas com o grão da Ucrânia ou o petróleo da Rússia. É que, na perspectiva dos corretores, quanto pior, melhor, ou seja, a instabilidade de uma dada região é, em regra, um factor de maior rentabilidade. Se um país rico em recursos mergulhar numa guerra civil fratricida, os que lá se aventurem com o bolso cheio de dólares poderão comprar a preços de saldo aos dois lados em contenda; em certos casos, as corretoras, como dispõe de fundos financeiros gigantescos, não hesitam em financiar uma das facções em luta, ou ambas, a troco de contratos que hipotecam os recursos naturais do país por 10, 15, 20, 30 anos. (foi a Vitol que financiou os rebeldes da Líbia e, em larga medida, precipitou a queda de Kadhafi). Ou seja, a violência e a guerra interessam a estas empresas, como lhes interessam as altas de preços, mesmo que isso impliquem o sofrimento e a penúria de milhões. Na crise do petróleo de 1979, a Marc Rich & Co. ganhou tanto dinheiro que, se estivesse cotada em Bolsa, teria sido uma das dez empresas com mais lucro da América. Não muito depois, Marc Rich teve de fugir dos Estados Unidos, onde era acusado de crimes vários (ex. evasão fiscal, escutas ilegais, extorsão, negócios ilícitos com o Irão aquando da crise dos reféns), que foram escandalosamente perdoados por Bill Clinton no último dia do seu mandato, facto a que não serão alheios os donativos milionários feitos para o Partido Democrata.

As sanções económicas não dissuadem estes donos do mundo e, pelo contrário, criam até, muitas vezes, um ambiente mais favorável a actuar na sombra e a reclamar maiores lucros. No Iraque, as corretoras negociaram com Saddam Hussein, ignorando as sanções da ONU, da mesma forma que trocaram açúcar por petróleo com Fidel Castro, venderam secretamente toneladas de trigo e de milho norte-americanos à URSS no auge da Guerra Fria e, claro está, financiaram os negócios dos oligarcas de Vladimir Putin, como Igor Sechin, o patrão da Rosneft, alcunhado "Darth Vader", que hoje é alvo de fundas sanções no Ocidente. Nada que dissuada os traders de matérias-primas, que nunca hesitaram em negociar com os ditadores mais sanguinários do planeta, mesmo quando já era certo e sabido as atrocidades que praticavam. E, ao longo das últimas décadas, é inimaginável a dimensão da corrupção praticada as corretoras de recursos: têm-se sucedidos os escândalos e os processos, mas eles representam apenas a ponta de um icebergue quilométrico, que já envolveu, entre outros, um dos maiores bancos do mundo, o BNP Paribas, alvo de uma multa de 8,9 biliões de dólares, em 2014, por negociar com países alvos de sanções pelos EUA, como o Sudão, o Irão e Cuba, país onde o BNP Paribas financiou a acção de uma corretora, a Trafigura, a qual esteve metida em tremendos escândalos como o do programa Petróleo-por-Alimentos das Nações Unidas, que encerrou em 2003 devido aos seus esquemas fraudulentos e corruptos, e o do lixo tóxico despejado na Costa do Marfim, em 2006, responsável por uma crise de saúde pública que afectou cerca de 100 mil pessoas.

É quase desnecessário dizer que uma parcela significativa das matérias-primas que circulam no mundo estão sediadas em off-shores, fugindo ao controlo de qualquer regulador nacional, e recorrem a empresas de fachada, enquanto as corretoras se domiciliam na Suíça ou em Singapura, desde sempre complacentes para com a escória do mundo. Num mundo globalizado, de pouco vale ter mecanismos de transparência e controlo nacionais, válidos em cada país, se depois não existir regulação e vigilância num plano mais vasto, internacional. De que adianta ter mecanismos que impeçam, em França, em Portugal, no Canadá ou no Brasil, excessivas concentrações de empresas, práticas monopolistas ou distorções de concorrência se as empresas em causa têm as suas sedes em off-shores e actuam não à escala nacional, mas transnacional? Um exemplo: nas duas últimas décadas, a Vitol, a rainha do petróleo mundial, pagou apenas 13% em impostos sobre os seus lucros de mais de 25 mil milhões de dólares. Na Bélgica, a carga fiscal sobre o trabalho é de 52,6%, em Portugal é de 41,8%, a média dos países da OCDE é de 34,6% A Vitol pagou 13% sobre os seus lucros de 25 biliões. Em face disto, não admira que surjam, cada vez mais, sentimentos de revolta e populismo anti-sistémicos; o que admira, isso sim, é que essa revolta e esse extremismo sejam ainda tão reduzidos. Para as injustiças que vemos por esse mundo fora, se o comportamento dos cidadãos surpreende por alguma coisa é pela sua moderação, pelo conformismo, pelo respeito por um estado de coisas cada vez mais precário e insuportável. As democracias preocupam-se, e bem, com o ascenso de forças políticas extremistas, mas pouco fazem para debelar os problemas económicos e sociais que lhe dão origem. De pouco adianta, na verdade, gastar milhões na vigilância de grupos neonazis se se mantiver o statu quo nas periferias das grandes cidades, com desemprego jovem, falta de oportunidades e perspectivas de futuro, desigualdades crescentes, crise na habitação.

Nos últimos anos, ao que parece, o poder das corretoras tem sofrido algum retrocesso, seja pelo facto de a informação privilegiada de que dispunham sobre fontes de matérias-primas, preços de compra e venda, etc., estar hoje muito mais generalizada e democratizada graças à Internet, seja porque muitos governos e organizações procedem aos seus negócios de forma directa, prescindindo de intermediários, seja, enfim, porque a cultura vigente nos traders também mudou para melhor, porventura fruto dos muitos escândalos do passado e das indemnizações milionárias que tiveram de pagar. Resta saber, todavia, se a guerra da Ucrânia e a instabilidade mundial não representarão novas oportunidades para um regresso em força das corretoras, naquele que é mais um efeito colateral, e pouco falado, do gesto louco de Vladimir Putin. Outro, de que pouco se fala, será o fortalecimento das redes e das máfias de tráfico humano no centro da Europa, do crime organizado, bem como dos negócios de armamento, para não falar de que, quando tudo acalmar, existirão certamente centenas ou milhares de homens armados a Leste, com experiência de combate e sem profissão e emprego. Serão necessários anos, décadas, para que tudo possa regressar ao normal.

Agora e por ora, uma coisa é certa: Putin e Xi, Mohammad bin Salman e outros prestaram-nos um grande, enorme serviço, ao mostrarem-nos que temos de arrepiar caminho e mudar de vida, de dependermos menos, cada vez menos, do petróleo sujo das ditaduras. E não, não é indiferente comprarmos energia a uma democracia comercial como a América ou a uma ditadura corrupta como a Rússia. Resta saber como se irão portar, no meio de tudo isso, os donos e senhores do mundo, as corretoras de matérias-primas. Saber sequer que eles existem, conhecer quem são e o que fazem, é já um bom primeiro passo. E depois, confiemos no futuro, já que o presente... enfim.

Historiador. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

October 23, 2022

"O passado é o grande construtor do futuro"

 


E "as instituições são a única coisa de sobrevivência e de eternidade.”




October 17, 2022

Serebriakova - uma vida, uma obra




@culturaltutor

Esta pintura, tão actual, tem mais de 100 anos de idade. É de Zinaida Serebriakova, uma pintora maravilhosa com uma vida fascinante, cuja história vale a pena conhecer.

Zinaida Lanceray nasceu em 1884 no Império Russo perto de Kharhov, na actual Ucrânia, numa família artística.

Seu pai era escultor, seu avô um famoso arquitecto e seu tio um pintor. Ela seguiu os  passos da família e estudou arte desde muito jovem.

Foi pupila do mestre Ilya Repin, com quem aprendeu sobre Realismo - mais tarde viajou para a Europa e estudou em França e Itália.


Nos seus quadros de Paris desta época podemos ver que Serebriakova foi também influenciada pelo Pós-Impressionismo.
Desde tenra idade interessou-se pela vida das pessoas comuns, dos camponeses, dos pastores, dos pescadores e do mundo agrícola. Este era um tema ao qual voltaria vezes sem conta ao longo da sua vida. 

Em 1905 Zinaida casou com Boris Serebriakov e, durante a década seguinte, teve quatro filhos.

Isto marcou o início dos seus chamados, "Anos Felizes" e vemos outro dos temas artísticos que dominariam a carreira de Serebriakova: a família.

Serebriakova também pintou auto-retratos. Com toda a sua vivacidade e honestidade, talvez sejam o seu melhor trabalho.



Mas, acima de tudo, pintava os filhos.

Seja ao pequeno-almoço de manhã ou todos juntos ao jantar.


Tal como com o seu auto-retrato lúdico como Pierrot ou o outro no espelho com os seus amados filhos.
Serebriakova enviou o seu "Auto-Retrato na Mesa de Toilette" para uma exposição em 1909 - foi recebido com aclamação pela crítica. Mesmo nessa altura, a sua expressão surpreendentemente moderna foi um sucesso.



Juntamente com, "Outono Verde" e "Rapariga Camponesa" foram leiloados com sucesso.

A partir de 1914, Serebriakova atingiu a plena maturidade artística e gozou dos anos mais bem sucedidos da sua carreira com pinturas como Harvest (1915) e Bleaching Linen (1917).
Estava pronta para se tornar parte da Academia de São Petersburgo.

Mas tudo mudou com a Revolução Russa de 1917.

O primeiro problema foi artístico: o seu estilo pessoal já não era bem-vindo no mundo da arte vanguardista, suprematista, construtivista favorecido pela Rússia soviética.

Em cima disso também houve uma tragédia pessoal. O seu amado marido Boris foi preso em 1919 e morreu de tifo na prisão.

Sem os seus rendimentos e com as comissões a diminuir no novo regime, as coisas tomaram um rumo descendente.

Serebriakova era agora uma mãe solteira com quatro filhos para criar.
Deixaram a propriedade familiar - que tinha sido saqueada - e mudaram-se para um apartamento em Petrogrado.
Ela já não tinha dinheiro para comprar tintas a óleo, mas continuou a pintar, interessando-se pelo ballet e pelo teatro, que a sua filha Ekaterina tinha começado a frequentar.


Também continuou a pintar os seus filhos, agora com uma certa melancolia, em vez da alegria mais pura anterior.



Mas algo aconteceu.
Em 1924 viajou para Paris, na esperança de conseguir lá comissões e assim angariar dinheiro suficiente para sustentar a sua família.

Mal sabia Serebriakova que as viagens seriam em breve restringidas pelo governo soviético. 
Foi-lhe recusada a reentrada na Rússia e tornou-se uma exilada.
No entanto, Serebriakova encontrou trabalho e comunidade em Paris com um grupo de emigrados russos e enviava os seus ganhos para casa. 
Em 1926 o seu filho mais novo, Alexandre, foi autorizado a juntar-se a ela e em 1928, Ekaterina também.
Aqui vemos Serebkriakova num auto-retrato de 1930, parecendo talvez um pouco mais cansada do mundo do que nos seus auto-retratos anteriores.


Serebriakova também visitou Marrocos várias vezes, o que lhe deixou uma profunda impressão.

Aí encontrou grande prazer em pintar o povo comum, como outrora tinha feito na Rússia.

De volta a França, Serebriakova continuou a pintar as pessoas comuns, sejam pescadores ou padeiros, ao lado de retratos para clientes mais ricos.

Nesta era do seu exílio parisiense vemos um outro tema emergir mais plenamente na obra de Serebriakova: a mulher nua.
Já lá estava há muito tempo, como com Bather (1911), mas durante as décadas de 1920 e 1930 ela pintou-as com mais frequência.


Embora, de maneira muito diferente daquela que os homens pintam

Durante a Segunda Guerra Mundial, devido à sua nacionalidade e ao contacto frequente com a sua família na URSS, Serebriakova tornou-se suspeita na Paris ocupada pelos nazis.

Foi forçada a renunciar à cidadania russa - e aparentemente a qualquer esperança de voltar a ver o resto da sua família.


A vida e a carreira de Zinaida Serebriakova foram longas e voláteis, afectadas tanto pelas Guerras Mundiais como pela tragédia pessoal. No entanto, também se tornou uma artista de sucesso aclamada pela crítica.


Aqui a vemos num Auto-Retrato bastante mais feliz, de 1956.

Finalmente, graças a Khrushchev, a sua filha Tatiana recebeu autorização para visitar a mãe em Paris, em 1960 e reuniram-se ao fim de 36 anos.

Zinaida Serebriakova tinha 76 anos nessa altura; Tatiana 50.

Em 1966 realizou-se em Moscovo uma vasta exposição do trabalho de Serebriakova; foi um sucesso crítico e comercial. Serebriakova conseguiu viajar até lá, regressando a solo russo pela primeira vez em quase quatro décadas.

Zinaida Serebriakova regressou a Paris, onde morreu no ano seguinte, em 1967, com 82 anos.

Seja nas representações da sua família, do povo comum, ou de si própria, poucos pintores conseguiram alguma vez tal ternura, intimidade, vivacidade, e honestidade.

September 29, 2022

"On se transforme soi-même parce qu'on cesse de penser les mêmes choses" - Paul Veyne

 


Morreu Paul Veyne, um dos maiores historiadores e amantes da Antiguidade. Tinha 92 anos. Soube transmitir-nos as formas de viver, amar, pensar e viver da Grécia clássica e Roma Antiga. Autor de numerosos livros escritos numa linguagem encantadora, sabia como tornar presente o clima intelectual e as lutas oratórias travadas nesse passado tão distante. Professor honorário no Collège de France, publicou um importante livro sobre a passagem da civilização grega para a romanidade, L'empire gréco-romain. Foi um convidado em "A voix nue" durante uma semana em 2005.  - @franceculture

Para quem o quiser ouvir em cinco entrevistas (2005) siga este link.