Este senhor escreve um longo artigo contra a existência de exames, mas em vez de adiantar argumentos, adianta, sobretudo, acusações, demagogias e preconceitos contra os que são a favor de haver exames. Logo a começar pelo título, 'o altar-palco dos exames' que tem sub-entendido que todos os que são a favor de exames são fanáticos que idolatram os exames como deuses e que tudo não passa de uma representação. Portanto, logo pelo título ficamos a saber que o autor é, acima de tudo, contra os que defendem exames e que escreve para chocar.
1. Neste primeiro parágrafo o autor fala numa batalha dos bons (os que têm a coragem de assumir e inovar) contra os maus: os que querem exames. Portanto, isto é uma guerra dos bons (que não querem exames) contra os maus (os que defendem exames). Não há um único argumento a favor do fim dos exames.
2. Neste parágrafo ridiculariza os que defendem exames. Não há um único argumento a favor do fim dos exames.
3. Neste parágrafo, o autor lamenta que muitos queiram ir para certos cursos e não entrem por causa de décimas em exames. Ora, como é evidente, não é pelas décimas que não entram, mas por não haver vagas para todos. Não havendo exames teriam de arranjar outro modo de fazer uma seriação porque o problema é: os lugares são em número limitado e não cabem todos.
4. Neste parágrafo, o autor fala da não entrada num curso como uma catástrofe para a vida, equivalente à notícia de ter um cancro em fase adiantada, por exemplo, mas não é. Se calhar o erro está em as famílias e os professores alimentarem a ideia de que para cada aluno só há uma única possibilidade na vida e que falhando essa possibilidade toda a vida falha. E não é verdade que cada professor saiba o nome de todos os que não entraram exactamente onde queriam. Se calhar só aqueles que têm essa visão redutora e pobre da vida.
5. Neste parágrafo, o autor fala como se o Estado fosse um papá que deve acompanhar como tutor a vida das ovelhas do seu rebanho (é tal qual o ministro a falar), mas isso não cabe ao Estado: dizer a cada um o que deve fazer da sua vida. E depois fala-se no privado como se fosse uma associação de inúteis onde só se vai parar se não se tiver nota para o ensino público, o que também me parece exagerado e errado.
6. Neste parágrafo, o autor entra em contradição com o anterior e diz que do privado saem profissionais com carreiras brilhantes que tiveram nota inferior nos exames nacionais. Em primeiro lugar, volta a falar de objectivos de vida em termos de carreiras brilhantes, o que a mim me parece extremamente redutor enquanto perspectiva de vida (porque razão uma vida falha se não se tiver uma carreira brilhante?) e não é argumento nenhum a favor de não haver exames; em segundo lugar, esquece que, regra geral, muitos dos que saem das universidades privadas têm uma rede de conhecimentos a que recorrem para fazer a tal carreira e isso nada tem a ver com notas de exames.
7. Neste parágrafo, há muitos adjectivos dramáticos como, 'delírio' e 'aterrador', muitas petições de princípio, mas nenhum argumento.
8. Neste parágrafo há demagogia e contradição: os empresários preferem contratar gente com vigor e diligentes que gente com um diploma. Bem, se um diploma não serve para nada, porquê insistir em que os alunos tenham de entrar todos na universidade? E depois: as empresas fazem testes aos candidatos (a não ser que entrem com uma cunha vinda de cima) de maneira que quem tem não sabe lidar com testes e exames fica logo ali.
9. Neste parágrafo o autor fala como se não houvesse, 2ª fase, 3ª fase, etc. e um aluno só tivesse uma hipótese, uma vez na vida de fazer um exame. Isto é falso...
10. Neste parágrafo o autor fala do peso dos exames (50%) ser exagerado, o que também concordo, mas não argumenta de modo válido, apenas se mostra chocado. Não chega.
11. Neste parágrafo o autor, infelizmente, não argumenta as razões dessa desconfiança e os modos de resolver o assunto. Mais uma vez, só se indigna e diz que não pode ser. Se não há argumentação, não há discussão, só há, ou obediência, ou recusa.
12. Neste ponto concordo com o autor. O pagamento da logística dos exames de acesso à universidade devia ser obrigação do ensino superior e não das escolas secundárias.
13. Neste parágrafo, o autor faz uma falsa dicotomia: ou o exame é um mecanismo de aprendizagem ou é de classificação, mas na realidade é as duas coisas. Por um lado dá ao aluno uma medida do seu nível de aprendizagem numa escala finita de avaliação (daí que se façam testes e trabalhos ao longo do ano) mas também o incluem numa seriação, dado que, mais uma vez, não há lugares para todos nas universidades.
14. Neste parágrafo, em vez de tentar dar resposta ou analisar as próprias questões que faz, o autor, mais uma vez, apenas faz afirmações de princípio e não oferece nenhum argumento.
15. Neste parágrafo, mais uma petição de princípio infundada: o ensino secundário desbaratou a sua dignidade. Nenhuma análise, nenhum argumento.
16. Aqui, outra vez, constata que há descrença nas notas do secundário mas não pensa porquê, nem como resolver. Ora, as coisas não chegaram onde estão sem um caminho que foi percorrido e é esse caminho que tem de ser percebido. Não basta indignação.
17. Aqui o autor propõe que as universidades se aproximem das escolas secundárias e que se imponha nas universidades os métodos de aprendizagem das escolas porque os professores das universidades não são bons. (impor é a palavra preferida do ministro da educação) Independentemente dos professores das universidades poderem melhorar pedagogicamente, reparo que o autor, depois de acusar as universidades de desconfiarem gratuitamente dos professores das escolas, ele mesmo desconfia gratuitamente dos professores universitários.
18. Por incrível que pareça, depois de falar contra o secundário estar feito como caminho para os cursos superiores, aqui vem defender que os professores das universidades devem estar nas escolas para os alunos ficarem logo a saber o que esse espera deles quando lá entrarem. Como se a educação tivesse como fim único pôr alunos em universidades e as universidades fossem uma espécie de finishing schools à antiga e não tivessem, cada um dos ciclos, os seus propósitos específicos.
19. Neste parágrafo, o autor faz ruído: também eu me queixo do decréscimo do nível cultural dos alunos que me chegam às mãos no 10º ano, mas só por ignorância ou grande ingenuidade, alguém pode pensar que isso é um sintoma das escolas e que seria resolvido se os professores universitários estivessem nas escolas, que é o mesmo que defender que os seus colegas professores não têm nível e que a convivência com professores universitários lhes daria, por osmose, um grande nível. Não sei se era isto que queria dizer, mas foi isto que disse. Portanto, queixa-se das universidades não confiarem nos professores do secundário mas depois defende que eram precisos professores universitários nas escolas para elevar o nível das escolas que não são de confiança. Não faz sentido. (E a senda deste ministro em aceitar que pessoas de qualquer formação venham a ser professores não ajuda à credibilização do ensino, parece-me.)
20. Isto não é verdade, a não ser talvez nos congressos de educação do ME que concluem sempre demagogicamente o que ele quer impor. A inovação de práticas nada tem que ver com exames. Se calhar os exames é que estão mal concebidos, o que é diferente. Toda a vida tentei inovar e passo muito tempo a pesquisar (e vejo imensos colegas fazerem o mesmo) e nunca me fez diferença que houvesse exames, apesar de os exames terem entrado numa caminho que não concordo, mas isso fica para o post a seguir.
21. Os currículos têm que ser coerentes com os métodos e com os instrumentos de avaliação (ou o oposto) e é isso que tem de ser melhorado. Não se acabam com os empregos com o argumento de não termos tempo de ler ou ir ao cinema. Melhora-se a organização do trabalho e dos tempos de lazer de maneira que haja tempo para as duas coisas. Na educação é igual. Já houve esse tempo, mas os exames enveredaram por caminhos anti-pedagógicos.
22. Aqui, o autor entra em contradição com o que disse anteriormente, mas como diz muita coisa com muito ruído pelo meio, já se perdeu no caminho.
23. Quando chegamos aqui à conclusão percebemos: este professor é um apoiante do ministro da educação e até as palavras lhe fogem para as práticas do ministro, o meu aplauso sonoro à presente e corajosa intimação do ME... intimação, que significa ordenar, mandar, exigir, impor a sua autoridade.
24. Este último parágrafo é de demagogia pura. Comparar os exames com a segunda guerra mundial e com a ditadura nazi e os alunos os com os que morreram na Normandia... que falta de seriedade e de sentido de decência, não?
(fui ver quem é este professor, Rui Correia. É o vencedor do prémio de melhor professor de 2019. Sou só eu que fiquei a desconfiar deste prémio apoiado pelo ME??))
O altar-palco dos exames nacionaisRui Correia
1. (...) combate feroz que hoje se trava – finalmente - entre os ministérios que tutelam o ensino superior e o ensino básico e secundário. A batalha é ancestral mas assume agora uma feição histórica. O Ministério da Educação – que tutela o ensino básico e secundário – parece estar a recrutar a vontade política de enveredar por uma via que ninguém acreditava ter a coragem de assumir: o fim dos exames do secundário no acesso à universidade. Do outro lado do ringue, o Ministério que tutela o ensino superior pretende ampliar o peso a atribuir à nota dos exames nacionais para o acesso aos bancos das universidades, dos actuais 30% para 50%.
2. Escusado será dizer que logo pularam de todas as tocas aqueles que não têm nem querem ter alunos do secundário todos os dias pela manhã e que acham que têm coisas a dizer. É um direito e uma maldição ao mesmo tempo. Um mundo sem exames, dizem, não existe. Mesmo que não meçam o que deviam medir, os exames servem, ao menos, para mostrar alguma “realidade” do sistema que, sem eles, fica “cego” ao que se passa dentro das escolas.
3.
Que ninguém o duvide: por causa dos exames, são milhares os jovens que todos os anos, merecendo perfeitamente ascender no ciclo de estudos e na carreira que ambicionam, morrem na praia apenas porque não estiveram bem em dois dias da sua vida, por melhor que tenham estado durante os últimos três, seis, oito ou doze anos do seu percurso escolar.
4. Cada professor sabe os nomes de dezenas e dezenas de alunos seus que, faltando-lhes uma décima ou umas centésimas na sua nota final, não conseguiram entrar nos cursos que desejavam.
5. Quando isto sucede, assiste-se ao cortejo dos condenados. O Estado nada tem para lhes dizer. (...) quem tem dinheiro e não tem nota suficiente, entra no ensino privado. Quem tem dinheiro, não tem nota e não quer ir para o privado, vai para o estrangeiro (...)
6. (...) todos os anos excelentes médicos que entraram no privado com notas inferiores às exigidas no público. E fazem carreiras brilhantes. Alguns deles são pioneiros no seu ramo. Não é, decididamente, através dos exames que seleccionamos os melhores candidatos.
7. Mas voltemos atrás. Qual é o problema da existência de exames no secundário? Afinal, a vida é mesmo assim. Quem, em situação de stress emocional não se aguenta e tira más notas num exame, não merece entrar à frente daquele que, em circunstâncias semelhantes, reagiu impecavelmente. É até justo que não entre, certo? Errado. Mas errado mesmo. Era tão bom que assim fosse. Mas não é.
Há pelo menos, dois erros clamorosos nesta tese: primeiro, os seres humanos não são ratos de laboratório, nem vivem em tubos de ensaio transparentes. Em educação não há, nunca houve, “circunstâncias semelhantes” e muito menos idênticas, em situação nenhuma. É um delírio. Um devaneio caro. Era interessante que houvesse, mas seria demasiado aterrador.
8. Aliás, aqueles que são muito a favor dos exames são exactamente os mesmos que aplaudem quando ouvem dizer que muitos empresários preferem de longe contratar um tipo com – como dizer isto? - vigor e diligência, a dar o litro pela empresa, do que um candidato indolente com um diploma.
9. O outro erro básico é que todos sabemos de jovens que simplesmente tiveram azar num dia marcado que, por acaso, era o dia do exame nacional.
10. É que este “sistema” não tem qualquer problema em olimpicamente ignorar tudo quanto o jovem foi ao longo dos últimos anos, no que diz respeito ao seu desempenho escolar. E na sua classificação de acesso ao ensino superior quer-se colocar num prato da balança – repare-se bem – aquilo que ele foi capaz de fazer em duas horas - e no outro prato da balança tudo quanto o jovem foi capaz de fazer nos últimos três anos. E pretende-se que valham exactamente o mesmo.
11. O sistema defende, assim, que um exame nacional consegue medir em duas horas – com tolerância de 30 minutos - aquilo que professores habilitados não conseguem medir em três anos de secundário.
E é esta desacreditação que aqui se condena. A confiança que se atribui a uma matriz de exame é igual à que se atribui às dezenas de professores que estudaram, orientaram, conheceram, acompanharam e classificaram esse aluno. Durante três anos. Esta desconfiança institucionalizada no ensino secundário é intolerável e tem de terminar. E todos ganham com isso. Todos.
12. Além do mais é incompreensível que seja o ensino secundário a pagar logisticamente todo o orçamento do acesso à universidade. Outros quinhentos.
13. O exame tem essa função mediadora entre o que temos e o que queremos obter. Entender o exame como a jusante de uma aprendizagem é saber quase nada sobre aprendizagem. O exame é muito melhor como mecanismo de aprendizagem do que como dispositivo de classificação.
14. A pergunta que permanece por responder é sempre a mesma: por que razão se desconfia tanto dos professores? Por que motivo as classificações obtidas durante o secundário não servem para recrutar os estudantes de uma qualquer faculdade? O que julgam que vão encontrar com os exames nacionais? Os melhores? Desenganem-se. Muitos dos meus melhores alunos não entraram nos cursos que queriam, por quase nada.
15. Os exames não podem converter-se no altar-palco da discriminação sem que alguém ou algum ministério se imponha. Os exames não podem continuar a ser a foz do ensino secundário. O secundário tem de recuperar uma dignidade e uma autonomia que desbaratou.
16. O ensino secundário tem em Portugal uma tradição de competência e qualidade que ninguém contesta. Os professores sabem o que fazem. Sabem como avaliar os seus alunos. Imagine-se um sistema em que, sendo mesmo inevitável impor numerus clausus, temos de fazer uma selecção entre os alunos que terminam o secundário. Por que motivo a classificação dos últimos três anos não é aceite como o mais competente e longitudinal retrato de um candidato? Só existe uma forma de entender isto: não se acredita nos professores do secundário.
17. Imagine-se o que podíamos todos ganhar com uma maior articulação entre ciclos de ensino: por um lado, os professores do superior podiam envolver-se com novos formatos de aprendizagem e avaliação que teimam em não se impor no ensino superior e são correntes no secundário. Ganhávamos melhores professores do superior.
18. Por outro, a presença regular de professores do superior no secundário tornaria ainda melhores os professores do secundário, que desse modo se actualizariam cientificamente numa base de comunicação fluente e regular entre ciclos. Ganhava-se melhores alunos no superior porque já vinham com um amplo entendimento do que deles se espera no superior.
19. (Basta escutar o que dizem os professores do superior acerca da “qualidade” dos alunos que vêem entrar nas suas salas de aula. Não têm conto as vezes que amigos meus, docentes do politécnico ou do superior, me desabafam como é frustrante assistir ao decréscimo de nível cultural das gerações que lhes chegam às mãos). Todos ganhamos com este diálogo.
20. Quem anda por este país em congressos sobre educação sabe que quase todos os especialistas concluem que a necessária modernização das práticas docentes e métodos de aprendizagem encontra sempre um travão implacável: os exames nacionais.
21. Professores do secundário que queiram inovar ou que queiram fazer as coisas de um modo que vá ao encontro do que os nossos tempos lhes impõem, não o fazem por uma razão simples: os conteúdos que saem no exame têm de ser dados num curto espaço de tempo. Muitas vezes sem ligar àquilo que os alunos sabem fazer, porque não há tempo para experimentações ou contemporaneidades.
22. O secundário converteu-se numa antecâmara do superior. Está transformado numa linha de montagem de classificações onde o saber e o conhecimento produtivo, crítico e original, não têm qualquer cabimento. Porque não serão medidos.
23. Daqui o meu aplauso sonoro à presente e corajosa intimação do Ministério da Educação. É hora de acabar com o que não faz sentido nenhum. Nem estatístico – porque mede mal o que se pretende que meça bem – nem pedagógico – porque ignora demasiado do que cada candidato na realidade é e, consistentemente, tem sido ao longo da sua vida escolar.
24. Quem, ainda assim, considera que os exames nacionais são um mal menor, com um institucional e mensurólatra interesse estatístico, não visitou essa Normandia onde todos os anos desembarcam e morrem, sob fogo inimigo, tantos filhos dos portugueses. A equidade não é a sua praia.