Leio por aí muito textos de embriagamento com o «renascimento» da juventude católica, o espírito evangélico, a religiosidade que anda no ar e sei lá mais o quê, tudo baseado no número de católicos que se juntaram no Marquês e outros sítios para ver o Papa. É preciso pôr as coisas em perspectiva.
Em primeiro lugar, a Igreja Católica a organizar eventos é como o PCP, só que melhor porque já leva uns milénios de avanço. Quem olha para a Festa do Avante desprevenido pensa que em Portugal o partido comunista vai de vento em popa. Até mesmo os próprios comunistas se deixam levar na onda. Estas jornadas da juventude trouxeram a Portugal dezenas e dezenas de milhar de jovens, não só da Europa mais próxima, mas de todo o mundo.
Em segundo lugar, não acredito que estivessem no marquês 400 mil pessoas como dizem. A manifestação dos professores que em Janeiro ou Fevereiro encheu o Marquês e a Av. da Liberdade, embora não totalmente como esta, tinha pouco mais de 150 mil pessoas. Portanto, esta teria, um pouco mais de 250 mil, 300 mil (estou a supor), o que é menos surpreendente, quanto a mim, que a manifestação de professores que não tinha nenhuma estrela internacional como este Papa, só tinha professores portugueses, não tinha gente chamada de todo o mundo com meses de antecedência a uma cidade agradável de visitar no Verão e foi hostilizada, não tinha o apoio entusiasmado e o investimento em dinheiro dos Hipokritus Unidus, AKA, o governo, o Presidente, os partidos políticos e o clero.
Finalmente, este Papa mobiliza muita gente porque é uma lufada de ar fresco dentro da hipocrisia habitual da Igreja Católica, mas os factos desmentem o fervor com que tanta gente foi ao Marquês: cada vez há menos casamentos católicos e a maioria dos que o são fazem-nos mais pelo aparatus que fica bem nas fotografias. Porém, cada vez há mais divórcios de católicos e as grandes questões de costumes tão caras à maioria do clero e dos Papas, como a aversão aos gays e à comunidade LBGT, a aversão aos contraceptivos, a aversão a mulheres em cargos de poder e à sua autonomia em geral, etc., são ignoradas pela maioria dos católicos, já que os fanáticos destas coisas diminuem à medida que os velhos vão desaparecendo.
De maneira que sim, houve uma grande movimentação de jovens a Lisboa para ver este Papa, mas não, não retiro daí as conclusões que a maioria tira de estamos a assistir a um fenómeno religioso qualquer extraordinário. Basta ver como se reunem os mesmos ou até mais, jovens, e a pagar (o que não foi aqui o caso, porque foi o governo suportou-lhes todos os custos) para ir a um estádio ver a sua banda preferida. De maneira que é preciso pôr estes acontecimentos em perspectiva e não embandeirar em histeria e escrever baboseiras como se Cristo tivesse vindo ao mundo segunda vez e tivesse escolhido Portugal.