July 08, 2020

Acerca do exame de Filosofia



Foi fácil mas desinteressante e com uma pergunta que considero muito mal feita. Perguntar a um aluno, se 'em sua opinião', o fundamento da filosofia de Descartes é um fundamento sólido, não tem sentido. Desde quando um aluno neste nível de ensino tem opiniões filosóficas próprias? Nem os professores têm. Repetem opiniões alheias. É evidente que os alunos vão repetir a argumentação, ou do próprio se quiserem responder que sim, ou de Hume se quiserem responder que não. Depois os professores correctores vão considerar errado porque, dizem, não é a opinião pessoal do aluno e foi isso que foi pedido. Já vi isto acontecer várias vezes.
O problema da fundamentação do conhecimento é tão complexo que são precisos indivíduos da envergadura de Descartes, de Hume, de Kant ou outros do género para lhe pegar, mas um aluno do 11º ano tem uma posição filosófica própria sobre a questão? Uma pessoa leva tantos anos a construir uma posição sobre as questões. Uma opinião com coerência e fundamento e espera-se que miúdos com 17 anos tenham posições próprias sobre estes assuntos?
E qual é a vantagem de perguntar a opinião em vez de pedir reflexão ou problematização que é muito mais importante saber fazer do que dar opiniões?
Lá está... eu devo ser muito burra... se me pedissem a mim uma opinião sobre o fundamento filosófico de Descartes, confesso que o discutia com argumentos alheios, de outros filósofos e que não desenvolvi uma filosofia própria original acerca desse problema tão complexo. Nem sequer tenho uma posição única de ser a favor desta ou daquela teoria porque todas elas têm dificuldades e aporias - ou pelo menos, becos sem saída. No entanto, os fazedores de exames estão à espera que os alunos de 17 anos tenham opinião própria sobre o assunto. Vejo grande demérito nestas perguntas. Um aluno que responda a isto, dizendo, 'em minha opinião Descartes está certo ou errado, mostra nem sequer ter noção da complexidade do problema. Não digo que no meio de tantos alunos não se possa apanhar, de 100 em 100 anos, um Leibniz, mas é muitíssimo improvável. Estas perguntas, quanto a mim, dizem alguma coisa sobre as pessoas que as fazem, o que pensam que da filosofia e do seu ensino.
A última questão é a única que se presta mais à reflexão, mas o mais certo é os alunos despejarem os argumentos que aprenderam sobre a questão da religião.

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