O sujeito, então, quando assume, por decisão antecipatória – e isso nada tem a ver com suicídio - a perspectiva de que a possibilidade da morte é a única inexorável, torna-se livre da dispersão casual de projetos inautênticos, para que os demais projetos possam ser escolhidos autenticamente. A existência autêntica é a aceitação da própria finitude, enfrentando a possibilidade da morte, percebida, não de forma intelectiva, mas por sentimento de angústia.
A existência inautêntica é a tentativa de escapar da angústia da morte por meio de uma vida banal de forma que, segundo Heidegger, o medo é angústia da morte que decaiu no mundo. O medo é a banalização, fraqueza de um dasein não seguro de si, retratando tranquuilidade indiferente diante da morte.(REALE; ANTISERI, 1990b).
Para Heidegger, o tempo é êxtase, o que, no seu sentido etimológico, significa “estar fora”. O passado é o retorno às situações para aceitá-las e o cuidado com as possibilidades que surgem dele; o futuro, projetar-se-adiante em-vista-de-si mesmo, é pretender-se; o presente é preso às coisas. Os três encontram significado no futuro, ou seja, no homem “fora de si”. Os fenómenos do rumo a, retro e junto, ou seja, fora de si, em si e para si – futuro, passado e presente são denominados êxtases da temporalidade. (REALE; ANTISERI, 1990b).
O tempo inautêntico visa à preocupação com o êxito, com o sucesso, enquanto o futuro, como viver para a morte, sendo tempo autêntico é desprovido de mundaneidade. O passado autêntico, por sua vez, é a não aceitação passiva da tradição, confiar nas possibilidades oferecidas e reviver a possibilidade do homem que já existiu. O presente, por último, é o instante que, quando autêntico, o homem decide seu destino e repudia a vida inautêntica.
Para Heidegger, isso tudo tem as consequências de compreender a significação de tempo usada no pensamento comum e científico, como databilidade e medição temporal científica, é tempo inautêntico, voltado à mundaneidade; a existência angustiada, quando autêntica, faz com que o homem viva os factos mundanos de seu tempo, mas com consciência de afastamento; a historicidade do dasein resulta na
historiografia. (REALE; ANTISERI, 1990b).
Anaximandro, Parménides e Heráclito entendiam a liberdade como “[...] um des-velar-se do ser, como provaria o sentido etimológico de aletheia, em que lantháno, velar, é precedido de privativo”. Ao contrário, Platão rejeitou a verdade como não ocultamento. (REALE; ANTISERI, 1990b, p. 590-591).
O Ocidente pagou o preço por essa decisão A partir do exposto, pode-se compreender a proposição heideggeriana sobre autonomia e liberdade.
Thomas Ranson Giles assevera que a[...] própria autonomia do Ser-aí não significa outra coisa senão a resolução de ser aberto a todas as possibilidades autênticas e características da existência e, finalmente, ser para a morte. Isso só se torna possível se o Ser-aí puder fazer um acto de reflexão sobre si mesmo, sobre as suas autênticas possibilidades. [nota minha: a influência de Hegel é notória] [...] O Ser-aí liberta o existente do seu ocultamento transcendental e dá-lhe o ser, isto é, o seu significado. (GILES, 1989, p.108-110).
Afirma Martin Heidegger a respeito da liberdade, em sua obra intitulada “Sobre a Essência da Verdade”, que a [...] essência da verdade é a liberdade.
No pensamento de Heidegger, só há liberdade quando o homem decide por uma vida existencial autêntica que se processa segundo a perspectiva no estar junto como ser-no-mundo. Pode-se defender que, para Heidegger, a autonomia, no sentido negativo, está no homem ser capaz de não se enveredar nas possibilidades inautênticas existenciais a fim de que se preserve de vivenciar experiência banal, anónima e fraca, pautada pelo domínio do medo.
No sentido positivo, a autonomia é o homem constituir-se, ontologicamente, como ser diverso dos outros animais, no sentido de ser capaz de experiência autêntica.
A liberdade relaciona-se com a autonomia, no que concerne ao desvelamento de sentido do ser chamado por Heidegger como, verdade
Ser livre é desprender-se de tudo o que impede uma vida autêntica, não optando pela efetivação das possibilidades que levam à banalização existencial.
Igualmente, o homem, como dasein, apresenta-se livre, quando escolhe parar de sobrepujar o sentido do ser, as suas decisões que fortalecem o jugo do medo. A liberdade ocorre pela atitude humana de abrir mão dos empecilhos existenciais quanto a sua relação com o ser e passa a “ouvi-lo” para compreender seu sentido.
No sentido positivo, a liberdade é a decisão de agir conforme a consciência de que o homem é ser-para-a-morte, de modo a direcionar suas forças para efetivação de possibilidades autênticas. No contexto do ser-no-mundo, como dasein, que é experiência como possibilidades, o homem, no sentido ontológico, depara-se com a liberdade existencial, por viver a oposição à morte como encerramento das demais possibilidades. Significativamente, o homem é dasein, ser-no-mundo, livre, quando, em significação existencial de sentido do ser, é autónomo em relação à morte, não porque deixa de receber a sua influência como a mais aguda possibilidade.
Diversamente, torna-se autónomo em relação à morte, pela tomada racional de decisão de, a partir da angústia que sente em função da morte, ter oportunidade de deixar de ser escravo perante a inexorabilidade de sentido do encerramento da possibilidade, a fim de que possa vivenciar as escolhas autênticas.
Nesse contexto, o homem é autónomo ao decidir por existência de sentido autêntico. Destarte o dasein somente compreende-se como livre quando se rende à verdade existencial de sentido do ser como fonte válida de projecto de vida.
A possibilidade de aferição compreensiva sobre o significado de liberdade, a autonomia e vida autêntica somente é possível quando se compreende que toda a possibilidade de sentido existe a partir de significados já pré-existentes no mundo, pois o homem é ser-no-mundo. Dessa forma, qualquer sentido possível para o dasein depende de uma pré-orientação significativa de sentido em face de um significado pré-existente no mundo. A possibilidade de interpretação de sentido, o próprio dasein é ser de sentido, está encerrada num círculo hermenêutico.
Gualter de Souza Andrade Júnior1. excertos