June 12, 2023

Uma tarde na ópera

 

Ontem fui ver O Trovador, de Verdi, ao S. Carlos. Começo já por dizer que gostei imenso. Quase tudo muitíssimo bom. O Trovador é uma ópera difícil que precisa de vozes muito boas, porque não tem tempos mortos e os cantores são obrigados a cantar sempre no limite das capacidades. Para além disso, é uma ópera que tem cenas de exaltação e cenas de sofrimento extremos o que pede vozes muito bem moduladas e educadas. Um grande controlo técnico e uma grande expressividade.

O Trovador é uma drama lírico, de superstição, obsessão, vingança, amor e morte - não são quase todas?- entre 4 personagens:

 - Manrico, trovador ao serviço do Príncipe de Biscaia (tenor)
 - Leonora, dama da corte (soprano)
 - Conde di Luna, um nobre de Aragão (barítono)
 - Azucena, uma cigana da Biscaia (mezzo-soprano)

O Trovador pensa ser filho da cigana (mas não é) que está apostada numa vingança contra o conde, cujo pai matou a sua mãe na fogueira. O conde está apaixonado pela Leonora que por sua vez está apaixonada por Manrico, o Trovador. Acaba mal, claro, mas até morrerem cantam todos muito bem :)

A ópera passa-se na Idade Média. O décore era uma estrutura a evocar algo entre o castelo e  a armadura medievais. Multifacetada, ia rodando e mostrando uma faceta diferente consoante a cena. Muito inteligente e a criar um efeito metálico e rústico de Idade Média. A encenação muito boa, o movimento do coro e dos figurantes no placo, muito bom. Os figurinos e as roupas excelentes. a capa de um vermelho cerise da Leonora completamente de acordo com a emoção da ária, a criar um efeito dramático muito eficaz. 

As cantoras femininas, ambas portuguesas (Cristiana Oliveira, a soprano e Cátia Moreso, a mezzo), ganharam o palco. A mezzo que faz de cigana tem uma voz mesmo perfeita para o papel de Azucena e uma presença forte em palco, o que é necessário, nesta ópera. Muito boa. A soprano que fazia de Leonora, tem uma voz rica, com um grande alcance e cheia de expressividade. Capaz de grande lirismo, muita doçura, um controlo de voz excelente. Cada vez que ela começava a cantar ficava imediatamente com a pele toda arrepiada e emocionada. 

O conde, o barítono, um italiano, começou um bocadinho frio mas foi sempre a melhorar  e cantou muito bem, muito convincente. O tenor, o Trovador que dá o nome à ópera, um russo, foi o menos bom. Chegou ao fim da terceira cena com a voz a sumir. Redimiu-se no fim, mas é um tenor com uma voz que não emociona nada (porém, tinha lá uma claque a gritar por ele). O coro esteve excelente, como de costume. Foi mesmo, mesmo bom. 

Aqui neste concerto ao Largo do S. Carlos, há uns 3 anos, dá para apreciar a voz da Cristina Oliveira.

É uma pena que não tenham gravado a ópera. Dantes, quando a TV era mais que novelas e programas ordinários, passavam óperas. Óperas, teatro, concertos. Enfim...

2 comments:

  1. Deixo um comentário mais na área dos costumes do que no domínio da música.
    Há meia dúzia de anos fui duas ou três vezes ao S. Carlos ver óperas. Achei o teatro "délabré (perdoe-se a palavra em francês, mas ouvi-a muito em jovem), pouco cuidado, velho (que é diferente de antigo). E dei por mim a pensar que o S. Carlos deveria ter "dress code". Vi pessoas de gravata, de calças de ganga, presumo que não de bermudas. Não preciso de regressar ao S. Carlos queirosiano, mas não faria mal um certo decoro visual. O teatro merece-o.
    Eu sei que pode ser um comentário politicamente pouco correcto ou démodé (hoje deu-me para França, sei lá porquê) mas um espectáculo também se vê para os lados, não apenas na direcção do palco.

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    1. Isso deve ter sido há muitos, muitos anos porque o Teatro foi todo renovado com obras substanciais por ordem de Santana Lopes quando foi Presidente da Câmara de Lx., aí por 2002/3...
      O Teatro está um mimo. Começa agora, de há um ano ou dois para cá, a sentir-se a necessidade de estofar de novo as cadeiras, mas de resto continua bem conservado e mantém uma atmosfera antiga mas não decadente.
      A estreia das peças continua a ter 'dress code' e, em geral, não se vê muita gente de calças de ganga, mas isso deve-se, em parte, a que os frequentadores de casas de ópera sejam, muitos deles, uns snobs. A ópera é um espectáculo caro, dada a sua natureza e dantes havia uma maioria que ia à ópera mais por convívio e estatuto social, de maneira que arranjava-se para ser visto, mais do que para ver.
      Hoje-em-dia a ópera é um espectáculo mais democrático.

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