Leio isto com alguma inveja porque ao contrário dele, vi raríssimas vezes as óperas de Wagner ao vivo e nunca em Bayreuth. Se vivesse perto de uma dessas cidades que têm uma temporada de ópera a sério (como já aconteceu) ia vê-las todas ou quase todas porque ouvir aquela música tocada por uma orquestra, ao vivo, é uma experiência sublimadora que nenhum disco, por melhor que seja a gravação e o aparelho em que se ouve, consegue recriar.
Também não estou de acordo com tudo o que ele diz: o Parsifal, por exemplo, não lhe conheço partes menores - mas talvez esteja a ser influenciada porque foi a ópera de Wagner que me fez apaixonar por ele e houve uma altura que a conhecia de cor, de tanto a ouvir de uma ponta a outra e depois ao contrário. Ele nem menciona o Tannhäuser que é outra ópera que adoro de uma ponta à outra. Mas em geral estou de acordo com ele: quando as representações são muito boas (a orquestra e os cantores) e, se em cima disso a encenação não é ridícula (o que acontece muitas vezes) a música de Wagner é de outro mundo. Por exemplo, depois do 1º acto de Parsifal, estamos tão suspensos em outro mundo longe deste que levamos algum tempo a assentar e conseguir falar.
É preciso ser-se um bocado doido desvairado para apreciar Wagner? Absolutamente.
A madman's guide to WagnerYou don't have to be crazy to enjoy Wagner, but it help
By Philip Hensher
Wagner escreveu sete óperas no seu estilo maduro. Há cerca de quarenta anos que as vou ver, ao vivo - a minha primeira foi Die Walküre na Ópera Nacional Inglesa em 1983, mas conheci a maioria delas antes disso pela BBC que tinha dedicado dez semanas a mostrar na televisão o famoso Anel do Centenário de Bayreuth de 1976, integralmente. Antes de ir para a universidade tinha consumido o 'Tristão' de Carlos Kleiber, a melhor versão de sempre desta ópera.
Porém, não há substituto para ver as coisas ao vivo, no teatro. Desde então, tenho-as visto todas, umas brilhantemente executadas e dirigidas e outras horríveis, também. Uma vez vi Siegfried duas vezes em duas noites sucessivas, a primeira em Berlim e depois (um amigo telefonou-me enquanto eu estava no aeroporto de Tegel com a oferta de um bilhete) no Covent Garden. (O dragão de Berlim custou centenas de milhares e pôs o público com ataques de riso;).
Sou um Wagneriano desesperado. Não sou muito bom a recordar os nomes de cantores que já vi. Já vi tantos caprichos ridículos de produtores que sou mais ou menos imune a eles, embora uma Götterdämmerung na ENO me tenha levado a uma vaiada adequada. A vaia é uma parte tradicional da apreciação Wagneriana - o museu de Bayreuth exibe carinhosamente o apito de um patrono trazido para expressar a sua raiva no 'Anel' de 1976. Há alguns anos, em Leipzig, Siegfried foi tão vaiado no final do primeiro que entrou no segundo acto empurrando o outro cantor à sua frente, como um escudo humano.
De qualquer modo, já os vi muitas vezes, e cheguei a algumas conclusões provisórias sobre os bocados de que gosto e os que não me importava que desaparecessem. Grande parte da música de Wagner está, a meu ver, entre as afirmações mais sublimadas do espírito humano.
A maioria está tão brilhantemente conseguida que até sobrevive a uma actuação de terceira categoria - eu diria que o segundo acto do Götterdämmerung traz o coração para a boca, por muito próximo que os cantores estejam perto da reforma e por muito ridículo que seja o conceito do realizador. Alguns deles precisam de uma manipulação cuidadosa, cantores no topo da sua forma, e uma orquestra que conheça a peça de trás para a frente.
Wagner provoca-nos isso.
Uma vez sentei-me numa ópera londrina e soube, trinta segundos após o início de Die Meistersinger, que as seis horas seguintes iriam ser terríveis - a orquestra ou o maestro simplesmente não entendiam aquele idioma. Por outro lado, há uns meses tive o privilégio de me sentar na primeira fila em Viena, e ver a inigualável orquestra a navegar por Tristão sob a direcção do maravilhoso Philippe Jordan com uma confiança incomparável, ondulando como um campo de trigo sob o vento. Ouvir assim Wagner pode estar entre as grandes experiências do mundo.
Com isso em mente, elaborei uma lista pessoal dos dezanove actos das óperas maduras de Wagner, começando pelos que, passados tantos anos a ouvi-los ainda os considero um teste de resistência até aos que transformaram a minha vida. Aqui vai:
19. Terceiro acto de Siegfried. Nunca aguardo com expectativa e já me aconteceu sair mais cedo, se penso que o Siegfried vai estar à altura.
18. Primeiro acto de Meistersinger. Na verdade, é uma reunião da comissão. Uma vez fui mandado embora em Glyndebourne por bocejar durante a mesma.
17. Rheingold. A primeira das óperas maduras, e embora comece e termine com um poder espantoso, ainda testa a sua paciência no meio.
16. Terceiro acto de Götterdämmerung. Uma colocação controversa e baixa, mas a pressão da grandeza penso que finalmente derrotou, até o próprio Wagner - há coisas fantásticas nele mas, e não é algo que se diga frequentemente sobre ele, é demasiado curto.
15. Terceiro acto de Parsifal. É belo e transformador, mas não tão musicalmente rico como os dois primeiros.
14. Primeiro acto de Siegfried. O prelúdio é o mais impressionante de todo o Anel - os últimos vinte minutos estupendos. No meio fica um pouco desgastante, temo eu.
13. Segundo acto de Meistersinger. Algumas extraordinárias, mas comecei a temer a forma como os produtores insistem em tocá-lo como se fosse para rir.
12. Segundo acto de Walküre. O monólogo de Wotan e a cena com Fricka são emblemas de seriedade entre os Wagnerianos - "claro que é o objectivo de todo o Anel" - mas eu apenas penso que é um pouco a-plot-so-far. Resgatados pela cena gloriosa de Brünnhilde a anunciar a sua morte a Siegmund.
11. Segundo acto de Tristão. De certa forma reune as duas melhores coisas que Wagner já escreveu - a conversa de abertura entre Isolde e Brangäne e a incomparavelmente bela passagem de Brangäne a avisar desde os bastidores. Mas o enorme dueto de amor leva muito tempo a começar a funcionar como um dueto de amor e o Rei Marcos no final aborrece-me.
10. Terceiro acto de Meistersinger. Apesar do grande quinteto e do belo monólogo de Sachs, este é definitivamente o momento em que até a pessoa menos ideológica da audiência começará a questionar-se sobre a história da performance da peça.
9. Primeiro acto de Tristão. O prelúdio, claro, mas os últimos dez minutos, quando os assistentes tentam preparar Isolda para conhecer o seu novo marido e ela demente rasga a roupa do seu novo amante ainda faz me faz caie o queixo. No entanto, gostaria que Kurwenal fosse uma presença mais excitante. (Ele chega lá pelo terceiro acto).
8. Segundo acto de Siegfried. Vou a correr para o teatro para ouvir este - adoro-o. Fafner é um daqueles velhos rabugentos que só precisa de um pouco de carinho, penso eu. Os últimos dois minutos são de cortar a respiração, Wagner no seu mais requintado e prestigioso Biedermeier.
7. Segundo acto de Parsifal. Uma das mais extraordinárias invenções de Wagner. A orquestra soa como nada na terra - as seduções são absolutamente convincentes e absolutamente horríveis. Resiste-se e resiste-se e depois rendemo-nos.
6. Primeiro acto de Walküre. O dueto de amor na televisão, do Anel Bayreuth de 1976, foi o que me atraiu para começar. Está no youtube, e tem toda a sua força. A peça funciona infalivelmente em qualquer caso.
5. Segundo acto do Götterdämmerung. O momento em que é claro que o compositor da Grande Ópera sobreviveu em Wagner - o vilão Hagen que convoca os vassalos é emocionante, e há mesmo um Trio de Vingança. Adoro-o.
4. Terceiro acto de Walküre. Começa com o Ride of the Valkyries - termina com Wotan a despedir-se da sua filha favorita e com o teatro a arder em chamas. Não consigo imaginar ninguém a não cair nesta.
3. Primeiro acto de Götterdämmerung. É seriamente subestimado, mas tem um magnífico dueto amoroso, uma fantástica transição orquestral, um drama de extraordinária verdade psicológica. Pode ser a peça de música mais perfeitamente estruturada e realmente longa de sempre.
2. Primeiro acto de Parsifal. Há uma velha mas falsa tradição que não se aplaude no final deste acto, mas que se arquiva em silêncio.
1. Terceiro acto de Tristão. Deve ser universalmente reconhecido que estes 75 minutos são a maior peça de música alguma vez escrita. Neste momento, é livre de discutir, ou mesmo de dizer que a pessoa que faz esta afirmação é um pouco louca.
De um modo geral, não me queixaria de ser chamado louco. Wagner, receio eu, faz-lhe isso.