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November 14, 2024

"Deves pagar-me o preço das mortes"

 



Início do Acto III (a ópera está completa no YouTube - seguir este link)


"As óperas de Richard Wagner (1813-1883) fazem parte do repertório de todo o circuito mundial da música. Se em vida o compositor encontrou, durante longa parte de sua atribulada existência, grande resistência dos círculos musicais mais conservadores, incapazes de conceder o valor devido a seu gênio criativo, a passagem dos anos permitiu que se fizesse justiça histórica a seu talento singular. 

Como compositor, Wagner subverteu a música ao propor inovações técnicas e estéticas que até então não haviam sido devidamente realizadas por seus predecessores. Tais modificações na estrutura dramática das óperas e da própria concepção sobre a natureza da música foram motivadas por questões de cunho filosófico, o que pode ser percebido ao se analisar o cerne de sua criação teórica, especialmente os escritos A Arte e a Revolução e A Obra de Arte do Futuro

Sua vasta produção intelectual não se encerra nesses dois ensaios, mas o estudo deles permite entender a gênese de suas propostas estéticas. A obra teórica de Wagner é marcada pela assimilação de diversas correntes filosóficas que também se refletem imediatamente nos enredos dramáticos de suas óperas. 

Dessa maneira, encontramos ecos das ideias de Feuerbach em Tannhäuser, a partir da noção de “sensualidade sadia”; de Proudhon, no caráter libertário do personagem Siegfried, da tetralogia O Anel de Nibelungos, lutando contra toda autoridade sustentada pela opressão e pela maldição da riqueza material como fonte de toda corrupção humana; de Schopenhauer, no libreto de Tristão e Isolda, ópera na qual encontramos uma autêntica aplicação dramática das teses apresentadas em O Mundo como Vontade e como Representação, assim como na obra que é a culminação artística de Wagner, Parsifal. 

De todos os grandes compositores da tradição musical ocidental, talvez seja Richard Wagner justamente aquele que tenha elaborado uma compreensão filosófica sobre a criação artística, a sociedade moderna e as suas relações políticas de forma mais consistente e enriquecedora para o debate intelectual da cultura oitocentista e mesmo para as pesquisas estéticas posteriores. 

Wagner se destaca dos compositores de até então por vislumbrar em sua carreira a conciliação entre seu ofício musical e sua produção teórica. Se houve antes dele compositores dotados de sólida formação intelectual, certamente o gênio de Leipzig foi quem soube externar publicamente de forma mais apurada tais qualidades. A obra teórica de Wagner é marcada pela assimilação de diversas correntes filosóficas que também se refletem nos enredos de suas ópera. 

As contribuições mais importantes de Wagner para a Filosofia se dão em sua estética engajada, marcada pela politização de suas ideias. Nos ensaios A Arte e a Revolução e A Obra de Arte do Futuro encontram-se o projeto de transformação radical das bases valorativas da sociedade europeia oitocentista, mediante a sua reeducação estética e a criação de um gênero artístico que envolvesse efetivamente a participação do povo em seu processo de elaboração. Se até então as condições técnicas que possibilitavam a criação artística se encontravam nas mãos das classes abastadas (primeiramente o mecenato aristocrático e, posteriormente, o financiamento burguês), tornava-se necessário o pertencimento dos recursos artísticos aos maiores interessados nesses bens culturais: a classe dos artistas e aqueles que verdadeiramente dignificam as suas criações.

Wagner se engajou efetivamente nas revoluções populares ocorridas a partir de 1848 e, refletindo esse anseio de transformação social radical, considerava que o genuíno artista deveria desenvolver a capacidade de utilizar os recursos artísticos em prol da criação de uma instância estética renovadora do ímpeto criativo recalcado pelo conservadorismo musical então vigente, capitaneando- se, assim, meios que permitissem o surgimento da “ópera revolucionária”. 

Servindo como instrumento de insurreição contra os normativos padrões morais estabelecidos por uma classe social desprovida de refinamento cultural, essa “ópera revolucionária” desenvolveria nos espectadores um conjunto de sentimentos impetuosos em prol da transformação social. Tais disposições seriam propícias para a modificação da decadente estrutura cultural vigente, marcada pela incompreensão do verdadeiro sentido artístico, pois utilizava a criação artística para fins comerciais e impedia o florescimento da genialidade de talentos relegados ao esquecimento. Para que essa situação se modificasse, a sociedade moderna, esteticamente renovada, deveria somar esforços para a formação do homem de gênio, capaz de aliar a nobreza de espírito à disposição criativa necessária para o empreendimento de grandes obras transformadoras da realidade sociocultural existente (WAGNER, A Arte e a Revolução, p. 56)."

Edição número 51 da Revista Filosofia Ciência e Vida, “Óperas com um toque de Filosofia” - excerto (via https://pqpbach.ars.blog.br/)

***



Ato III — As oito irmãs guerreiras de Brünnhilde reuniram-se no topo das montanhas, para levar os heróis mortos para Valhalla. Ficam surpreendidas ao ver Brünnhilde chegar com uma mulher, Sieglinde. 
Quando ouvem que ela está fugir da ira de Wotan ficam com medo de a esconder. Sieglinde está entorpecida pelo desespero até que Brünnhilde lhe diz que ela carrega um filho de Siegmund. Agora, ansiosa por se salvar, ela pega nos pedaços da espada de Brünnhilde, agradece-lhe e corre para a floresta para se esconder de Wotan. 
Este aparece e sentencia que Brünnhilde se torne uma mulher mortal, e silencia os protestos das suas irmãs ao ameaçar fazer-lhes o mesmo. 
Deixada sozinha com o seu pai, Brünnhilde alega que, ao desobedecer às suas ordens, estava realmente a fazer o que ele desejava. Wotan não cede: ela deve ficar num sono profundo até que um homem a encontre. 
Ela pede para ser cercada no sono por uma parede de fogo que apenas o herói mais corajoso possa penetrar. Ambos percebem que este herói deve ser a criança que Sieglinde irá ter. Wotan beija os olhos de Brünnhilde imprimindo--lhe o sono e a mortalidade antes de convocar Loge, o deus do fogo, para cercar a rocha. Quando surgem as chamas, Wotan invoca um feitiço que desafia qualquer um que tenha medo da sua lança a enfrentar as chamas.


Quem quiser seguir o texto da obra pode fazê-lo aqui: luciaduraes.com.br/oanel/index. Tem a ópera completa em versão bilingue, alemão e português (do brasil). 
(obrigada a quem teve a amabilidade de nos permitir aceder à tradução integral do texto, de borla)

April 26, 2024

Wagner: Die Walküre

 

O 1º de 43 vídeos em sequência. Pus aqui, não o trecho mais conhecido da ópera, mas o início e o fim do Acto I, porque são dois dos mais poderosos e bonitos trechos da ópera - mas todos os outros são igualmente bons. Esta ópera toda tem que se ouvir alto.



Para quem quiser ver a ópera em cena, deixo aqui uma versão muito boa do 1º acto das Valquírias no La Scala (1994) com, Schnaut, W. Meier, Domingo, Pederson, Lipovsek e Hölle. O maestro, Ricardo Muti. 


February 19, 2024

Estou viciada nisto

 



As Valquírias de Mr. Wagner (Der Ring des Nibelungen) - neste canal do YouTube, vai do nº31 ao nº73, mas ouvir na aparelhagem é muito melhor, que ouvir no PC, claro. Estou viciada nisto, já ouvi umas 50 vezes de enfiada.



May 11, 2023

Vira o disco e toca o mesmo

 

Estou numa de Wagner e ando a ouvir «O Anel dos Nibelungos», de uma ponta à outra. Está a chegar à ponta final (comecei a ouvir há 4 dias), com «O Crepúsculo dos Deuses». Depois volto ao início, ao «Ouro do Reno» -14 discos, cada um com cerca de uma hora e picos. Vou andar neste, vira o disco e toca o mesmo, até me cansar. É uma música boa para trabalhar, para não trabalhar, para ler, para não ler... etc.

«O Anel dos Nibelungos» é a história de um anel mágico que concede o poder de governar o mundo, forjado por Alberich, um Nibelungo, com ouro que roubou às ninfas do Reno; na verdade é uma história sobre a busca desmedida pelo poder e a renúncia ao amor.


Estas fotografias monocromáticas são tirada dos 14 cenários de Hoffman para a ópera Der Ring des Nibelungen de Wagner, apresentada em 1876. Hoffman autorizou Angerer a publicar e vender cópias das fotografias. (Wiki) 

Esta primeira corresponde ao «Ouro do Reno» (Das Rheingold) e vemos Alberich apropriar-se do ouro do Reno. Esta 1ª ópera é um prelúdio, tem apenas um acto com duas horas e quarenta minutos de música ininterrupta. Não é para qualquer um.


Esta segunda representa a segunda ópera, «As Valquírias» (Die Walküre) que é o início propriamente dito da obra. É a cena final do Acto I em que Siegmund tira a espada da árvore e se entrega a Sieglinde, sabendo que é sua irmã.


Esta placa corresponde à terceira ópera, «Siegfried» e representa a cena em que ele restaura a espada Nothung (a que consegue matar o dragão) na caverna do nibelungo.


E esta é da ópera final (que estou a ouvir), «O Crepúsculo dos Deuses» (Götterdämmerung). Nesta cena vê-se o hall de Gibichung onde Gunther oferece hospitalidade a Siegfried e Gutrune, irmã de Gibichung (que quer Siegfried para si) dá-lhe a beber a poção. Siegfried brinda a Brünnhilde, sua noiva e ao seu amor mútuo e bebe a poção sem perceber o engano. Passado algum tempo, perde a memória de Brünnhilde e é atingido pelo desejo de Gutrune. É nesta ópera que se ouve a Marcha Fúnebre do funeral de Siegfried, depois dele ter sido assassinado, no Acto III, por Hagen.



O Acto III da ópera numa versão ao vivo, de 2007 em Bayreuther, conduzida por Thielemann. Uma versão muito boa que está toda no YouTube, para os fanáticos e para os corajosos. Os minutos iniciais da obra em, «O Ouro do Reno» e os finais que aqui se ouvem (a última aria), são arrebatadores - e todas as 15 horas que os permeiam.


April 28, 2023

Post só para fanáticos de ópera

 

Wagner: "Die Walküre", Act 1

Music and libretto by RICHARD WAGNER 
SIEGMUND......PLACIDO DOMINGO
HUNDING......MATTHIAS HOELLE
WOTAN......MONTE PEDERSON
SIGLINDA......WALTRAUD MEIER

Conductor: RICCARDO MUTI
Premiere on Wednesday 07 December 1994 at 18:00
Teatro alla Scala
(HD version broadcast by Rai 5)

Começa aos 6.28 m.

April 27, 2023

Wagner: Die Walküre, Act 1



Há discussões intermináveis à volta das óperas do Ciclo do Anel. Discute-se tudo, desde a técnica à entrega do intérprete, à liberdade que tomou ou ao purismo da interpretação da música e comparam-se versões da obra em todos os pormenores - em que versão há o melhor grito de Siegmund ou das Valquírias, em que versão há a melhor Brünnhilde, etc. São discussões infindáveis porque a sensibilidade e o gosto de cada um entram nessas apreciações. 
A versão em CD da Decca, gravada entre 1958 e 1968, com Solti a conduzir a Orquestra de Viena é por quase todos considerada a melhor versão gravada do Ciclo e a que serve de referência para julgar as outras, em parte pela qualidade da música, mas também pelo grupo de cantores extraordinários que conseguiu reunir  - George London · Kirsten Flagstad . James King · Régine Crespin . Hans Hotter · Birgit Nilsson . Christa Ludwig · Wolfgang Windgassen . Dietrich Fischer-Dieskau. 
Em 2015 a Decca pôs à venda a versão digital da obra (é a que tenho) e agora discute-se a transferência das gravações do analógico original para o digital adulterou partes da gravação original.
Enfim, a ópera não é apenas um teatro musicado que se vai ouvir e/ou ver para passar tempo. A ópera é uma paixão e como tal, as discussões à volta dela são apaixonadas. Por exemplo, gosto desta versão e às primeiras notas fico logo presa àquela música cheia de suspense e antecipação. Este é só o 1º acto e não ouvi os outros dois nesta versão particular. Wagner não tem piedade e põe os tenores a cantar num registo tão alto e por vezes continuamente forte que muitos deles, a meio das óperas já têm a voz cansada e estão só a defender-se para as notas altas do topo da voz que sabem que têm de deitar cá pra fora a certa altura. Enfim, esta ópera, As Valquírias, é particularmente bonita, em modo exaltação romântica. Os últimos 20 minutos em crescendo, ouvem-se sem respirar.
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Siegmund: Endrik Wottrich 
Hunding: Kwangchul Youn 
Wotan: Albert Dohmen 
Sieglinde: Adrianne Pieczonka 
Brünnhilde: Linda Watson 
Fricka: Michelle Breedt 
Gerhilde: Sonja Mühleck 
and Anna Gabler, Martina Dike, Simone Schröder, Edith Haller, Wilke te Brummelstroete, Annette Küttenbaum , Alexandra Petersamer 

Chor der Bayreuther Festspiele 
Orchester der Bayreuther Festspiele 
Christian Thielemann, conductor 

July 28, 2007 
Bayreuther Festspielhaus






 

Estou numa de Wagner

 


Quem quiser ver online as 4 óperas de Der Ring Des Nibelungen é aqui: the-ring-cycle/ Filmado em Leeds, UK, em Junho de 2016. Uma versão concerto bastante boa e com bom som. Isto de ver o 'Anel dos Nibelungos' de uma ponta à outra é para fanáticos porque são cerca de 15 horas. Como se percebe, não é fácil apanhar uma produção desta obra.

Ao vivo, encenada e em palco, neste momento, só indo à Austrália. 

Berlim ofereceu o Ring Cycle no início deste mês, num programa de luxo de 11 dias, literalmente invejável, vejam só: wagners-ring-cycle-berlin.


FESTTAGE 2023 - Cycle

April 04 - Das Rheingold

April 05 - Die Walkure

April 08 - Siegfried

April 10 - Götterdämmerung

   ***

Wotan - Michael Volle

Siegfried - Andreas Schager

Brunnhilde - Anja Kampe

Loge - Rolando Villazon 

Siegmund - Robert Watson

Sieglinde - Vida Miknevičiūtė

Fricka - Claudia Mahnke

Mime - Stephan Rügamer


O programa incluia:

TOUR INCLUDES
  • 1st Category Orchestra Level seats in theaters 
  • Four operas
  • Deluxe centrally located hotel
  • Buffet breakfast daily, two dinners with wine in gourmet restaurants, one lunch and three light meals during intervals at the opera 
  • Welcome reception with cocktails
  • Private sightseeing
  • Excursion trip to Potsdam
  • Experienced English speaking guides
  • Entrance fees to museums
  • Transportation to and from theaters
  • Guide, driver and bellboys gratuities
  • Complete package with details of operas listed 
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Preços: 

Double: $9,450 per person
Single Supplement: 1,350 per person
Deposit: $2,500 per person
Balance due: January 01, 2023

(mil euros por dia mais os bilhetes de avião - claro que podia-se ir daqui de comboio para Berlim (TGV) com os bilhetes das óperas já comprados e sem os deluxe todos deste programa, excepto bilhetes em bons lugares. Não é preciso gastar 10 mil euros para ver o Ciclo do Anel, mesmo tendo em conta que se trata da orquestra de Berlim, na casa de ópera de Berlim, que não conheço...)

July 05, 2022

Não é preciso ser maluco para apreciar Wagner mas, ajuda...



Leio isto com alguma inveja porque ao contrário dele, vi raríssimas vezes as óperas de Wagner ao vivo e nunca em Bayreuth. Se vivesse perto de uma dessas cidades que têm uma temporada de ópera a sério (como já aconteceu) ia vê-las todas ou quase todas porque ouvir aquela música tocada por uma orquestra, ao vivo, é uma experiência sublimadora que nenhum disco, por melhor que seja a gravação e o aparelho em que se ouve, consegue recriar. 

Também não estou de acordo com tudo o que ele diz: o Parsifal, por exemplo, não lhe conheço partes menores - mas talvez esteja a ser influenciada porque foi a ópera de Wagner que me fez apaixonar por ele e houve uma altura que a conhecia de cor, de tanto a ouvir de uma ponta a outra e depois ao contrário. Ele nem menciona o Tannhäuser que é outra ópera que adoro de uma ponta à outra. Mas em geral estou de acordo com ele: quando as representações são muito boas (a orquestra e os cantores) e, se em cima disso a encenação não é ridícula (o que acontece muitas vezes) a música de Wagner é de outro mundo. Por exemplo, depois do 1º acto de Parsifal, estamos tão suspensos em outro mundo longe deste que levamos algum tempo a assentar e conseguir falar. 

É preciso ser-se um bocado doido desvairado para apreciar Wagner? Absolutamente.


A madman's guide to Wagner

You don't have to be crazy to enjoy Wagner, but it help

By Philip Hensher

Wagner escreveu sete óperas no seu estilo maduro. Há cerca de quarenta anos que as vou ver, ao vivo - a minha primeira foi Die Walküre na Ópera Nacional Inglesa em 1983, mas conheci a maioria delas antes disso pela BBC que tinha dedicado dez semanas a mostrar na televisão o famoso Anel do Centenário de Bayreuth de 1976, integralmente. Antes de ir para a universidade tinha consumido o 'Tristão' de Carlos Kleiber, a melhor versão de sempre desta ópera.

Porém, não há substituto para ver as coisas ao vivo, no teatro. Desde então, tenho-as visto todas, umas brilhantemente executadas e dirigidas e outras horríveis, também. Uma vez vi Siegfried duas vezes em duas noites sucessivas, a primeira em Berlim e depois (um amigo telefonou-me enquanto eu estava no aeroporto de Tegel com a oferta de um bilhete) no Covent Garden. (O dragão de Berlim custou centenas de milhares e pôs o público com ataques de riso;).

Sou um Wagneriano desesperado. Não sou muito bom a recordar os nomes de cantores que já vi. Já vi tantos caprichos ridículos de produtores que sou mais ou menos imune a eles, embora uma Götterdämmerung na ENO me tenha levado a uma vaiada adequada. A vaia é uma parte tradicional da apreciação Wagneriana - o museu de Bayreuth exibe carinhosamente o apito de um patrono trazido para expressar a sua raiva no 'Anel' de 1976. Há alguns anos, em Leipzig, Siegfried foi tão vaiado no final do primeiro que entrou no segundo acto empurrando o outro cantor à sua frente, como um escudo humano.

De qualquer modo, já os vi muitas vezes, e cheguei a algumas conclusões provisórias sobre os bocados de que gosto e os que não me importava que desaparecessem. Grande parte da música de Wagner está, a meu ver, entre as afirmações mais sublimadas do espírito humano. 
A maioria está tão brilhantemente conseguida que até sobrevive a uma actuação de terceira categoria - eu diria que o segundo acto do Götterdämmerung traz o coração para a boca, por muito próximo que os cantores estejam perto da reforma e por muito ridículo que seja o conceito do realizador. Alguns deles precisam de uma manipulação cuidadosa, cantores no topo da sua forma, e uma orquestra que conheça a peça de trás para a frente.

Wagner provoca-nos isso.
Uma vez sentei-me numa ópera londrina e soube, trinta segundos após o início de Die Meistersinger, que as seis horas seguintes iriam ser terríveis - a orquestra ou o maestro simplesmente não entendiam aquele idioma. Por outro lado, há uns meses tive o privilégio de me sentar na primeira fila em Viena, e ver a inigualável orquestra a navegar por Tristão sob a direcção do maravilhoso Philippe Jordan com uma confiança incomparável, ondulando como um campo de trigo sob o vento. Ouvir assim Wagner pode estar entre as grandes experiências do mundo.

Com isso em mente, elaborei uma lista pessoal dos dezanove actos das óperas maduras de Wagner, começando pelos que, passados tantos anos a ouvi-los ainda os considero um teste de resistência até aos que transformaram a minha vida. Aqui vai:

19. Terceiro acto de Siegfried. Nunca aguardo com expectativa e já me aconteceu sair mais cedo, se penso que o Siegfried vai estar à altura.

18. Primeiro acto de Meistersinger. Na verdade, é uma reunião da comissão. Uma vez fui mandado embora em Glyndebourne por bocejar durante a mesma.

17. Rheingold. A primeira das óperas maduras, e embora comece e termine com um poder espantoso, ainda testa a sua paciência no meio.

16. Terceiro acto de Götterdämmerung. Uma colocação controversa e baixa, mas a pressão da grandeza penso que finalmente derrotou, até o próprio Wagner - há coisas fantásticas nele mas, e não é algo que se diga frequentemente sobre ele, é demasiado curto.

15. Terceiro acto de Parsifal. É belo e transformador, mas não tão musicalmente rico como os dois primeiros. 

14. Primeiro acto de Siegfried. O prelúdio é o mais impressionante de todo o Anel - os últimos vinte minutos estupendos. No meio fica um pouco desgastante, temo eu.

13. Segundo acto de Meistersinger. Algumas extraordinárias, mas comecei a temer a forma como os produtores insistem em tocá-lo como se fosse para rir.

12. Segundo acto de Walküre. O monólogo de Wotan e a cena com Fricka são emblemas de seriedade entre os Wagnerianos - "claro que é o objectivo de todo o Anel" - mas eu apenas penso que é um pouco a-plot-so-far. Resgatados pela cena gloriosa de Brünnhilde a anunciar a sua morte a Siegmund.

11. Segundo acto de Tristão. De certa forma reune as duas melhores coisas que Wagner já escreveu - a conversa de abertura entre Isolde e Brangäne e a incomparavelmente bela passagem de Brangäne a avisar desde os bastidores. Mas o enorme dueto de amor leva muito tempo a começar a funcionar como um dueto de amor e o Rei Marcos no final aborrece-me.

10. Terceiro acto de Meistersinger. Apesar do grande quinteto e do belo monólogo de Sachs, este é definitivamente o momento em que até a pessoa menos ideológica da audiência começará a questionar-se sobre a história da performance da peça.

9. Primeiro acto de Tristão. O prelúdio, claro, mas os últimos dez minutos, quando os assistentes tentam preparar Isolda para conhecer o seu novo marido e ela demente rasga a roupa do seu novo amante ainda faz me faz caie o queixo. No entanto, gostaria que Kurwenal fosse uma presença mais excitante. (Ele chega lá pelo terceiro acto).

8. Segundo acto de Siegfried. Vou a correr para o teatro para ouvir este - adoro-o. Fafner é um daqueles velhos rabugentos que só precisa de um pouco de carinho, penso eu. Os últimos dois minutos são de cortar a respiração, Wagner no seu mais requintado e prestigioso Biedermeier. 

7. Segundo acto de Parsifal. Uma das mais extraordinárias invenções de Wagner. A orquestra soa como nada na terra - as seduções são absolutamente convincentes e absolutamente horríveis. Resiste-se e resiste-se e depois rendemo-nos.

6. Primeiro acto de Walküre. O dueto de amor na televisão, do Anel Bayreuth de 1976, foi o que me atraiu para começar. Está no youtube, e tem toda a sua força. A peça funciona infalivelmente em qualquer caso.

5. Segundo acto do Götterdämmerung. O momento em que é claro que o compositor da Grande Ópera sobreviveu em Wagner - o vilão Hagen que convoca os vassalos é emocionante, e há mesmo um Trio de Vingança. Adoro-o.

4. Terceiro acto de Walküre. Começa com o Ride of the Valkyries - termina com Wotan a despedir-se da sua filha favorita e com o teatro a arder em chamas. Não consigo imaginar ninguém a não cair nesta.

3. Primeiro acto de Götterdämmerung. É seriamente subestimado, mas tem um magnífico dueto amoroso, uma fantástica transição orquestral, um drama de extraordinária verdade psicológica. Pode ser a peça de música mais perfeitamente estruturada e realmente longa de sempre.

2. Primeiro acto de Parsifal. Há uma velha mas falsa tradição que não se aplaude no final deste acto, mas que se arquiva em silêncio. 

1. Terceiro acto de Tristão. Deve ser universalmente reconhecido que estes 75 minutos são a maior peça de música alguma vez escrita. Neste momento, é livre de discutir, ou mesmo de dizer que a pessoa que faz esta afirmação é um pouco louca.

De um modo geral, não me queixaria de ser chamado louco. Wagner, receio eu, faz-lhe isso.