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November 21, 2021

Francesca di Rimini







O 'Inferno' de Dante narra a tragédia do casamento do deformado Gian Ciotto Malatesta de Rimini com a bela Francesca, que se apaixona pelo seu irmão mais novo, Paolo. Os dois amantes são surpreendidos por Gian Ciotto, que os esfaqueia até à morte, condenando-os assim a serem eternamente varridos pelo vento no segundo círculo do inferno.




Paolo and Francesca da Rimini, 1863 by Gustave Doré. 280.7 x 194.3 cm, Private Collection.



[Francesca a Dante, Inferno, Canto V]


«O animal grazioso e benigno
che visitando vai per l'aere perso
noi che tignemmo il mondo di sanguigno,

se fosse amico il re dell'universo,
noi pregheremmo lui della tua pace,
poi c'hai pietà del nostro mal perverso.

Di quel che udire e che parlar vi piace,
noi udiremo e parleremo a vui,
mentre che 'l vento, come fa, si tace.

Siede la terra dove nata fui
su la marina dove 'l Po discende
per aver pace co' seguaci sui.

Amor, ch'al cor gentil ratto s'apprende,
prese costui della bella persona
che mi fu tolta; e 'l modo ancor m'offende.

Amor, ch'a nullo amato amar perdona,
mi prese del costui piacer sì forte,
che, come vedi, ancor non m'abbandona.

Amor condusse noi ad una morte:
Caina attende chi a vita ci spense».
Queste parole da lor ci fuor porte.

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«Ó animal gracioso e tão benino
  que visitando vais pelo ar averso,
  nos que o mundo tingimos de sanguino,
se fosse amigo o rei do universo,
  lhe iríamos pedir a tua paz,
  pois te apieda o nosso mal perverso!
Dize o que ouvir e o que falar vos praz,
  que ouvimos e dizemos em seguida,
  em se calando o vento, como faz.
Assenta a terra em que antes fui nascida
  sobre a marina onde o Pó descende,
  que a paz a seus sequazes quer mantida.
Amor que o coração asinha aprende,
  este prendeu dessa gentil pessoa
  a mim tirada; e o modo inda me ofende.
Amor que a amado algum amar perdoa,
  tomou-me a seu prazer assim tão forte,
que como vez ainda se apregoa.
E o amor nos conduzir a uma só morte:
  Caína ao que matou dá recompensas.
  Suas falas nos chegam desta sorte.

(trad. Vasco Graça Moura)

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"O loving creature, gracious and benignant,
of what it pleases thee to hear or speak,
That will we hear, and we will speak to you,

While silent is the wind, as it is now.
Love, that on gentle heart doth swiftly seize,
seized this man for the person beautiful

That was ta'en from me, and still the mode offends me
Love, that exempts no one beloved from loving,
Seized me with pleasure of this man so strongly,

That as thos seest, it doth not yet desert me;
Love has conducted us unto one death;
Caina waiteth him who quenches our life."

May 23, 2021

Dante, 600 anos depois

 


Dante Alighieri, nasceu em Florença, algures entre 21 de maio e 20 de junho de 1265 e morreu e faleceu em Ravena, a 13 ou 14 de setembro de 1321.


A Divina Comédia

Poema épico de Dante Alighieri


A Divina Comédia é a obra prima de Dante Alighieri, iniciada por volta de 1307 e concluída pouco antes de sua morte (1321). Escrita em italiano, a obra é um poema narrativo rigorosamente simétrico e planeado que narra uma viagem através do Inferno, do Purgatório e do Paraíso, descrevendo com muito pormenor, cada etapa da viagem. Dante, o personagem da história, é guiado, no inferno e purgatório pelo poeta romano Virgílio, e no Paraíso, por Beatriz, a sua musa em várias de suas obras.

Dante e Beatriz - do artista Henry Holiday (1883)

[Beatrice (Bice) Folco Portinari, filha de um banqueiro rico, foi musa de Dante mesmo após a morte com 24 anos. Dante tê-la-ia visto pela 1ª vez aos 9 anos de idade dela, 8 dele e terá ficado enamorado para sempre. Pelo menos, é o que ele diz.]


O poema possui uma impressionante simetria matemática baseada no número três. É escrito utilizando uma técnica original conhecida como terza rima, onde as estrofes de dez sílabas, com três linhas cada, rimam da forma ABA, BCB, CDC, DED, EFE, etc. Ou seja, a linha central de cada terceto controla as duas linhas marginais do terceto seguinte. Veja um exemplo (primeiras estrofes do Inferno):

1 Nel mezzo del cammin di nostra vita A
2 mi ritrovai per una selva oscura B
3 ché la diritta via era smarrita. A

4 Ahi quanto a dir qual era è cosa dura B
5 esta selva selvaggia e aspra e forte C
6 che nel pensier rinova la paura! B

7 Tant'è amara che poco è più morte; C
8 ma per trattar del ben ch'i' vi trovai, D
9 dirò de l'altre cose ch'i' v'ho scorte. C

10 Io non so ben ridir com'i' v'intrai, D
11 tant'era pien di sonno a quel punto E
12 che la verace via abbandonai. D


Ao fazer com que cada terceto antecipe o som que irá ecoar duas vezes no terceto seguinte, a terza rima dá uma impressão de movimento ao poema. É como se ele iniciasse um processo que não poderia mais parar. 

Os três livros que formam a Divina Comédia são divididos em 33 cantos cada, com aproximadamente 40 a 50 tercetos, que terminam com um verso isolado no final. O Inferno possui um canto a mais que serve de introdução a todo o poema. No total são 100 cantos. Os lugares descritos por cada livro (o inferno, o purgatório e o paraíso) são divididos em nove círculos cada, formando no total 27 (3 vezes 3 vezes 3) níveis. Os três livros rimam no último verso, pois terminam com a mesma palavra: stelle, que significa 'estrelas'.

Dante chamou a sua obra de Comédia. O adjetivo "Divina" foi acrescentado pela primeira vez numa edição de 1555.

A Divina Comédia excerceu grande influência em poetas, músicos, pintores, cineastas e outros artistas nos últimos 600 anos. Desenhistas e pintores como Gustave Doré, Sandro Botticelli, Salvador Dali, Michelangelo e William Blake estão entre os ilustradores de sua obra. 
Os compositores Robert Schumann e Gioacchino Rossini traduziram partes de seu poema em música e o compositor húngaro Franz Liszt usou a Comédia como tema de um de seus poemas sinfônicos. 
O escultor Auguste Rodin usou a Comédia como inspiração para as suas principais obras, entre elas, O Pensador, que representa o próprio Dante, O Beijo, inspirada no drama de Paolo e Francesca (Inferno, Canto V) e Ugolino e seus filhos, que retrata a tragédia do Conde Ugolino narrada no Canto XXXIII. Todas compõem sua obra-prima Porta do Inferno que representa nada menos que o Inferno de Dante.




Dante e Virgílio no Inferno, por W. Bouguereau




Inferno

A meio da vida, Dante vê-se perdido e sem rumo certo no meio de numa floresta escura. Ao tentar escapar encontra uma montanha que pensa poder ser a sua salvação, mas é impedido de subir por três feras: um leopardo, um leão e uma loba. Prestes a desistir, Dante é surpreendido pelo espírito de Virgílio - poeta que muito admira - disposto a guiá-lo por um caminho alternativo. 
Virgílio foi chamado por Beatriz que o viu em apuros e quis ajudá-lo. Ela desceu do céu e foi buscar Virgílio ao Limbo para que o guiasse. O caminho proposto por Virgílio consiste em fazer uma viagem pelo centro da terra. 

Começando pelo inferno, atravessariam o mundo subterrâneo até chegar aos pés do monte do purgatório. Dali, Virgílio guiaria Dante até as portas do céu. Dante decide seguir Virgílio, que o guia e protege por toda a longa jornada através dos nove círculos do inferno, mostrando-lhe onde são expurgados os diferentes pecados, o sofrimento dos condenados, os rios infernais, as cidades, monstros e demónios, até chegar ao centro da terra, onde vive Lúcifer. Passando por Lúcifer, conseguem escapar do inferno por um caminho subterrâneo que leva ao outro lado da terra, e assim voltar a ver o céu e as estrelas.


Purgatório canto XIX - Os avarentos. Dante conversa com o papa Adriano V, por Gustave Doré (1832-1883) 


Purgatório

Saindo do inferno, Dante e Virgílio vêem-se diante da altíssima montanha do Purgatório. A montanha é tão alta que ultrapassa a esfera do ar e penetra na esfera do fogo chegando a alcançar o céu. Na base da montanha encontram o ante-purgatório, onde aqueles que se arrependeram tardiamente dos seus pecados aguardam a oportunidade para entrar no purgatório propriamente dito. Depois de passar pelos dois níveis do ante-purgatório, os poetas atravessam um portal e iniciam a sua nova jornada, subindo cada vez mais. Passam por sete terraços, cada um mais alto que o outro, onde são expurgados cada um dos sete pecados capitais. No último círculo do purgatório, Dante despede-se de Virgílio e segue acompanhado por um anjo que o leva através de um fogo que separa o purgatório do paraíso terrestre. Finalmente, nas margens do rio Letes, Dante encontra Beatriz e purifica-se, banhando-se nas águas do rio para que possa prosseguir viagem e subir às estrelas.

Gustave Doré (1832–1883), Paradiso Canto 20 - Beatrice, Dante (c 1867)



Paraíso

O Paraíso de Dante é dividido em duas partes: uma material e uma espiritual. A parte material segue o modelo cosmológico de Ptolomeu e consiste em nove círculos formados pelos sete planetas (Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno), o céu das estrelas fixas e o Primum Mobile - o céu cristalino e último círculo da matéria. 
Ainda no paraíso terrestre, Beatriz olha fixamente para o sol e Dante acompanha-a até que ambos começam a elevar-se, "transfigurando-se". Guiado por Beatriz, passa pelos vários céus do paraíso e encontra personagens como São Tomás de Aquino e o imperador Justiniano. Encontram Peter Damien que tinha sido beneditino e condena a gula e a promiscuidade em que caiu o clero.
Chegando ao céu de estrelas fixas, é interrogado pelos santos sobre as suas posições filosóficas e religiosas. Depois do interrogatório, recebe permissão para prosseguir. No céu cristalino Dante adquire uma nova capacidade visual e passa a ter visão para compreender o mundo espiritual, onde encontra nove círculos angélicos, concêntricos, que giram em volta de Deus. Lá, ao receber a visão da Rosa Mística, separa-se de Beatriz e tem a oportunidade de sentir o amor divino que emana diretamente de Deus, "o amor que move o Sol e as outras estrelas".

(Helder da Rocha - [adaptado])




Paradise - Heavenly Host  singing Gloria in Excelsis Creator

- Doré, Gustave, c.1868