November 16, 2019

O que gostava de ver nos títulos dos jornais em vez de, 'chumbar ou não chumbar'




Gostava de ver, 'orçamento da educação foi reforçado'; 'o número de alunos máximo por turma fixa-se nos 22'; 'todas as escolas têm refeitório ou instalações desportivas ou casas de banho em condições, etc'; 'não há falta de funcionários nas escolas'; nenhum professor tem aulas de apoio que o ME conta como não-aulas'; 'nenhuma escola tem falta de técnicos de apoio especializado'; 'nenhum professor tem mais de 100 alunos com quem trabalhar'; etc. O que quero dizer é que gostava de ler nos títulos dos jornais notícias sobre investimento na educação no sentido de prevenir os problemas que levam aos chumbos porque enquanto se continuar a poupar dinheiro à custa da educação todas as medidas serão economicistas e sem valor pedagógico. Medidas de máscara.

Onde é que vão apoiar alunos com dificuldades? Quem o vai fazer? Nós professores que já temos o horário atestado? E os alunos do básico, por exemplo, que têm os horários cheios de manhã e de tarde? Vão ter apoio à noite? E porventura sabem que a maioria dos alunos do secundário (os outros não sei) a quem propomos apoio não o quer e rejeita-o? Que muitas escolas têm nos horários dos professores uma hora semanal de preparação para o exame (nos anos com exame) e só uma minoria aparece? Os outros aparecem uma semana antes do exame? Ou vamos obrigar os alunos à paulada a frequentar as aulas de apoio?
Os problemas dos chumbos têm que ser resolvidos na prevenção e não na remediação. Têm de ser prevenidos, logo desde o início da escolaridade, não quando já estão no 7º ano ou no 9º ano e muito menos no 10º ano.

Uma primeira medida que causaria um impacto positivo era mudar os títulos dos jornais que fazem parecer que o problema dos chumbos é um problema dos professores não perceberem que chumbar é negativo. Como se nós não fossemos os primeiros a saber disso, nós que trabalhamos com esses alunos.
Essas notícias retiram às famílias a noção do dever de acompanharem e apoiarem os filhos e colaborarem com os professores.

Os governantes e os dirigentes em geral é que imprimem dinâmicas de actuação com as suas políticas e a dinâmica que têm espalhado é de desresponsabilização de si próprios e do seu desinvestimento e incúria e das famílias nos seus deveres de acompanhar os filhos e colaborar com os professores e dos estudantes, também eles desresponsabilizados do seu próprio percurso como se fossem seres meramente passivos  e não activos em todo o processo educativo. O que acontece é que os alunos, ou têm famílias que não ligam ao que os governos dizem porque têm os seus objectivos e princípios pedagógicos para os filhos e, esses são os que colaboram connosco e acompanham os filhos ou, têm famílias que ligam aos discursos dos governos e desresponsabilizam-se completamente da educação dos filhos que vêem como uma obrigação apenas dos professores e das escolas. Nem suas, nem dos próprios filhos, só dos professores e das escolas.

Eu trabalho com turmas de todas as áreas de estudo dado que a Filosofia é uma disciplina de formação geral de todas as áreas. Dou-me conta, por isso, das diferenças de dinâmica entre essas áreas. Os alunos das turmas de ciências entram no 10º ano já com a noção de que estão numa área que necessita de muito investimento em trabalho por causa da matemática e da física, sobretudo. Mesmo aqueles que não gostam de estudar e não são bons alunos não discutem isso, de modo que estão já com uma pré-disposição e uma dinâmica para o investimento pessoal que os ajuda muito a ultrapassar dificuldades. Já os alunos de artes e os de humanidades, que escolhem essas áreas, quase todos, para fugirem ao trabalho que a matemática e a física implicam, vêm, a grande maioria, com uma dinâmica de esforço mínimo ou nenhum esforço. Estas turmas são difíceis de trabalhar (um aparte - há professores instalados nas escolas que se recusam a trabalhar com elas e ano após ano só têm das outras turmas. São os que têm menos turmas e só têm dessas outras... acham-se muito competentes... lol)

Enfim, os governos transformam as escolas, não em centros de conhecimento e de formação mas em fábricas de certificação com técnicos administrativos controlados ao minuto e depois querem que formemos cidadãos livres, críticos... como se isso não implicasse alunos que investem activamente na sua própria formação.
Se as escolas ainda são centros de conhecimento e formação é porque muitos professores resistem a ser meros técnicos que trabalham para inglês ver e se preocupam em ajudar os alunos a desenvolver-se como seres humanos e futuros cidadãos, mesmo contra a vontade deles, dos pais e dos governos que os tratam como unidades de custo.

De ano para ano, cada vez mais tenho noção de que não trabalho para este ou para outro governo. Não sou funcionária deste ou de outro governo mas do meu país. E não sou um braço administrativo acéfalo deste ou de outro governo que existo para aplicar 20 reformas em 10 anos, mais coisa menos coisa.

Chumbar ou não chumbar?


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