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November 02, 2023

Uma história de esperança



Em 1981, o Dr. Michael Shannon trabalhou durante toda a noite para salvar com sucesso um bebé prematuro. 30 anos depois, em 2011, o Dr. Shannon ficou preso no seu SUV em chamas após uma colisão com um camião. Milagrosamente, foi resgatado do veículo em chamas por Chris Trokey, um paramédico da Orange County Fire Authority. Chris Trokey era o mesmo bebé prematuro que o Dr. Shannon tinha trazido ao mundo ao mundo três décadas antes.




October 31, 2023

Acordar com a voz de Vincent Price




Para quem tem Spotify e gosta de contos sombrios, tem aqui 5 horas de contos de Edgar Allan Poe, lidos por Vincent Price & Basil Rathbone.



October 23, 2023

Melita gostava de um café bem feito




Esta é uma fotografia de Melitta Bentz e do seu marido Hugo em 1897. Melitta era uma dona de casa alemã que adorava o seu café. "A minha mãe, que tinha um excelente gosto pelo café, ficava frequentemente irritada com a borra na chávena", recorda o seu filho, Horst Bentz.

Para além disso, Melitta ficava cada vez mais frustrada por ter de limpar a cafeteira de cobre e por ter de se livrar das borras que se agarravam como lama aos lados. Passava muito tempo a tentar encontrar uma forma mais eficiente e limpa de fazer café. Depois de uma série de
experiências, conseguiu inventar o filtro de café de papel utilizando páginas do caderno escolar de Horst: fez pequenos furos no fundo de uma caneca de latão para transformá-lo numa espécie de peneira, depois utilizou um pedaço de papel almaço do caderno escolar do seu filho Willy e assim, inventa o primeiro filtro de café. Sem resíduos.
O filtro de papel era depois deitado ao lixo juntamente com as borras de café molhadas. Ela descreveu todo o processo como "o prazer perfeito do café".
Em 1908, recebeu a patente do filtro de papel do Instituto Imperial de Patentes de Berlim e fundou a sua própria empresa, com sede no seu apartamento em Dresden. Tornou-se então a empregadora do marido, numa altura em que as mulheres nem sequer podiam votar, quanto mais dirigir e deter empresas. 
A sua firma ganhou a medalha de ouro Feira Internacional de Saúde e uma medalha de prata da Associação Proprietários Saxões pela sua invenção.
Atualmente, o Grupo Melitta emprega mais de 4.000 pessoas em todo o mundo e, em 2017, registou um volume de negócios de 1,5 mil milhões de euros (1,8 mil milhões de dólares).

August 08, 2023

A vida dos outros durante a revolução industrial

 

'Fantasmas' das minas de carvão

Os pit ponies, cavalos de minas -que podiam ser, um cavalo, um pónei ou uma mula-, viviam na escuridão, privado da luz do sol e de ar fresco. Confiavam nos seus instintos e na orientação de seus parceiros humanos. 

Começaram a ser usados em meados do século XVIII, em Durham, na sequência da morte por afogamento de 26 crianças, quando uma mina de carvão em Inglaterra se inundou em julho de 1838. Foi publicada uma reportagem no The Times e o público britânico ficou a saber, pela primeira vez, que mulheres e crianças trabalhavam nas minas.  Houve um clamor público e passou a ser proibido que mulheres, raparigas e rapazes com menos de 10 anos trabalhassem nas minas, o que levou à utilização generalizada de cavalos e póneis nas minas em Inglaterra, embora o trabalho infantil tenha continuado a existir em diferentes graus.

Esses cavalos nasciam, trabalhavam e morriam no escuro, suportando um trabalho árduo. Não era incomum um único cavalo puxar sozinho até oito carroças de carvão. Apesar das circunstâncias estes animais mantinham a sua dignidade e recusavam mover se se sentissem sobrecarregados com excesso de vagões. Também possuíam uma notável noção de tempo, sabendo quando era a hora de descansar e encontravam o caminho de volta para os estábulos mesmo na escuridão. 

Esse exigente trabalho dos cavalos nas minas continuou até 1972. Em 3 de dezembro de 1972, Ruby, o último cavalo mineiro, emergiu das minas em grande estilo. Acompanhado por uma orquestra, Ruby, adornada com uma coroa de flores, foi trazida para fora da escuridão, simbolizando o fim da era dos cavalos mineiros e seus parceiros conogon. Toda a sua história pode ver-se no Museu-Reserva "Red Hill".
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Os cavalos mais altos magoavam-se ao rasparem a cabeça ou o dorso nos tectos baixos.




Um cavalo a ser baixado para a mina


- Sultan, the Pit Pony, a escultura que honra o trabalho destes cavalos mineiros 
- foto de Phil Matthews

A sua magnífica crina, cascos e corpo foram moldados a partir das toneladas de resíduos de rocha de xisto de carvão que foram deixados no local quando a mina fechou em 1991.

Concebida pelo escultor galês Mike Petts, a obra demorou três anos a ser concluída, entre 1996 e 1999

June 16, 2023

A Etiópia livre

 

A Etiópia, antiga Abissínia dos tempos míticos da Bíblia e do rei Salomão, é o único país africano a nunca ter sido colonizado por europeus. A Etiópia tinha um historial de manutenção da sua soberania, derrotando sempre os pretensos conquistadores, em especial os turcos otomanos. 
Sempre manteve fortes laços diplomáticos e comerciais com a Europa, especialmente com Portugal e Inglaterra. 
Sabemos, através de cartas que sobreviveram, que o Imperador da Etiópia manteve contactos diplomáticos com o Reino Unido durante o reinado de Henrique IV e manteve relações diplomáticas plenas (1428) e, mais tarde, uma aliança formal com Portugal a partir de 1508. Mais tarde, Portugal enviaria tropas e armas para ajudar a derrotar uma tentativa de invasão otomana nos anos 1600. 

A partir de cerca de 1755, a Etiópia entrou numa fase de isolacionismo e de conflitos internos. Em 1855, uma missão britânica estabeleceu uma aliança formal, mas esta azedou e, em 1868, os etíopes derrotaram a Força Expedicionária Britânica da Abissínia. 

Os turcos otomanos, com muitos "conselheiros" americanos, tentaram invadir novamente o país em 1875 e 1876, mas foram esmagados em ambas as tentativas. A Etiópia tornou-se um aliado britânico e lutou na Guerra Mahdista do Sudão com tropas britânicas e egípcias de 1885 a 1889.

A Etiópia é um país predominantemente cristão (a ortodoxia etíope é uma das mais antigas religiões cristãs) e nenhuma das potências coloniais europeias tem antecedentes de invadir terras cristãs, de maneira que a Etiópia era vista mais como um aliado forte do que como um Estado incómodo.

Durante o primeiro reinado de Hella Selassie (que viria a criar a União Africana), em 1896, os etíopes montaram os leões como se fossem cavalos.

Soldados etíopes com os seus leões 
Os etíopes treinavam leões para capturar soldados inimigos e lutavam com chitas, elefantes e abelhas contra os inimigos.

Os etíopes entraram em guerra com animais perigosos e insetos como abelhas, vespas, leões, elefantes ou chitas treinados para assustar, capturar e matar soldados do campo inimigo. Juntamente com a ajuda da artilharia inglesa, ganharam as guerras contra os italianos no final do século XIX. 

Numa batalha de agressão, combatentes habilidosos etíopes lutaram com espadas, num estilo de luta chamada Shotel e destruíram os soldados italianos de Gazan.

A retumbante vitória africana na batalha de 1896 contra os italianos tornou-se mítica e um símbolo da independência africana.


Quarenta anos mais tarde, o Duce falava em ir vingar a humilhação da Itália a África, no país da Abissínia e, durante a Segunda Guerra Mundial, Mussolini ocupou brevemente a Etiópia, até à derrota dos nazis.





March 11, 2023

Jan Six XI

 


Uma história fascinante de uma família, de uma obsessão por Rembrandt, da descoberta de duas obras do mestre e um vislumbre do meio fechado dos comerciantes e especialistas de grande arte.

Jan Six XI é um descendente de Jan Six, a figura do quadro de Rembrandt. Jan Six era amigo de Rembrandt e também seu patrono. Era mercador, magistrado, dramaturgo e coleccionador de arte. Em 1654, Rembrandt pintou-lhe o retrato, que, aliás, permanece nas mãos da família Six.

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Ninguém tinha visto um novo quadro do mestre holandês durante quatro décadas - até que o herdeiro de uma ilustre família de Amesterdão encontrou dois.

By Russell Shorto

Jan Six XI na sua galeria em Amesterdão em 2018. Crédito...Hellen van Meene para o The New York Times


A descoberta de Jan Six aconteceu num dia de Novembro de 2016. Six é um negociante de arte holandês de 40 anos, com sede em Amesterdão, que atraiu a atenção mundial em 2018 com a notícia de que tinha desenterrado uma pintura desconhecida de Rembrandt, o mais venerado dos mestres holandeses - o primeiro Rembrandt desconhecido a vir à luz em 42 anos. 
O achado não veio da vasculhar igrejas remotas ou sótãos de casas de campo europeias, mas sim, de abrir o correio. Tinha acabado de levar os seus dois filhos pequenos à escola, no tempo típico da época, um vento cru e uma chuva cuspida e quando chegou ao seu escritório, já estava a sentir os efeitos. Waterkoud ("água fria") é a palavra holandesa para a humidade fria dos Países Baixos que se infiltra nos ossos. 
O antídoto para essa sensação está noutra palavra, Gezelligheid, traduzido vagamente como 'aconchego' e é a condição pela qual as pessoas nos Países Baixos anseiam pelo interior das suas casas. É o que vemos retratado e celebrado em muitas telas de velhos mestres da Idade de Ouro do século XVII holandês, a era que é a especialidade de Six: cenas domésticas aconchegantes, companhias alegres a levantar as canecas, naturezas mortas com mesas carregadas de comida. 
O escritório de Six, no rés-do-chão de um edifício na Herengracht, um dos principais canais da cidade - um canal que o próprio Rembrandt costumava percorrer - tem a sua quota-parte de gezelligheid. O edifício data do início dos anos 1600. Vigas antigas atravessam o tecto. As vistas das janelas são de ciclistas e da superfície evocativa e sempre sombria do canal, reflectindo as fachadas ladeadas dos edifícios do lado oposto.

Nessa manhã, Six fez um café e depois atirou-se ao correio. Descartou as contas e outros aborrecimentos para se concentrar nos catálogos dos próximos leilões de arte. Um em Dezembro, na Christie's de Londres. Pô-lo de lado porque era para uma venda diurna, o que significa objectos menores. As pinturas e esculturas de topo são sempre reservadas para a noite. E depois, disse-me ele, estacou, porque a fotografia ligeiramente mal colorida do catálogo era um retrato de um jovem de aspecto atordoado com um colarinho de renda e uma proto-cabeleira Led Zeppelin. O que primeiro chamou a atenção de Six foi o olhar do sujeito (cuja identidade permanece desconhecida): "Perfura a imagem", disse ele. Six sentiu que já tinha visto a obra antes, mas depois de ter corrido a sua biblioteca em busca dela, pensou que não era a imagem real que lhe parecia familiar, mas sim a soma de todas as características próprias de um Rembrandt primitivo. Estas incluem, na estimativa de Six, a humanidade do olhar, uma pincelada "arredondada" e a vontade de empregar diferentes estilos de pintura dentro da mesma obra.
A pintura seria de, algures entre 1633 e 1635. O que identificava a data era o tipo de colarinho de renda, que foi o auge da moda naquele breve período de tempo e que depois rapidamente saiu de moda. 

O que excitou especialmente Six não foi apenas o facto de Christie's não ter conseguido ver que a pintura era muito provavelmente da mão do mestre, mas também que a casa de leilões a tinha rotulado como "círculo de Rembrandt" - ou seja, de um seguidor. "Está a ver o problema?" perguntou-me ele: "Rembrandt ainda não era famoso no início dos anos 1630, por isso não tinha ainda um círculo. Eu vi logo que a Christie's tinha feito asneira".
A partir daí, Six foi como um cão de caça no trilho. Soube que a proveniência do quadro remontava a Sir Richard Neave, um comerciante inglês do final do século XVII que construiu uma colecção de arte séria, que incluía obras de Thomas Gainsborough e John Constable; o quadro tinha permanecido na mesma família durante seis gerações. Isto batia certo: fazia sentido que uma pintura de um artista de primeira linha tivesse atraído um coleccionador proeminente.

Six estava tão excitado que saltou para a bicicleta e percorreu uma curta distância pelo centro de Amesterdão até à casa de Ernst van de Wetering, universalmente reconhecido como uma autoridade máxima em Rembrandt; ainda sem fôlego, Six empurrou-o para uma fotocópia do quadro. Como convém a uma pessoa cuja opinião é ponderada, van de Wetering reagiu tipicamente com reserva ao ver pela primeira vez a imagem, mas ficou intrigado. "Parecia um Rembrandt, mas era completamente novo para mim", disse-me van de Wetering mais tarde. Six pedalou de volta para casa e comprou um bilhete de avião.

Havia algumas pessoas no showroom da Christie's em Londres quando ele chegou, por isso olhou para outras pinturas até elas partirem e depois foi para o retrato, estudou-o e tirou fotografias. "Fiquei chocado, porque tinha uma aparência diferente ao vivo", disse ele. "Tinha muito mais profundidade".


"Retrato de um Jovem Cavalheiro", descoberto por Jan Six XI num catálogo da Christie's como um provável Rembrandt. Credit...René Gerritsen/Jan Six Fine Art

Six foi atraído para a renda no colarinho. A renda significa estatuto ao longo de todo o século XVII e Six acredita que Rembrandt tinha uma forma de representar esta variedade, que é chamada de renda de bilros. 
Outros artistas da época executavam cuidadosamente as suas complexidades em tinta branca no topo da camisa, mas Rembrandt fazia o oposto. Primeiro pintava o casaco, depois sobre o negro, a zona do colarinho branco e no fim usava tinta preta para criar os espaços negativos no colarinho. E onde outros pintores tiveram o cuidado de criar padrões de repetição no rendado, Rembrandt teceu um desenho de estilo livre. Para um espectador a uns centímetros de distância, o colarinho aparece como uma confusão hieroglífica mas se recuar um passo, torna-se coerente. Six acredita que este foi um aspecto da genialidade de Rembrandt. "Ele percebeu que uma cópia pintada de um padrão repetitivo, mesmo que seguisse o original, pareceria sempre artificial".

Depois de sair da sala de exposições da Christie's, Six foi até à esquina a uma loja de livros de arte, onde encontrou A Corpus of Rembrandt Paintings, o guia de referência de toda a sua obra. Folheou as obras dos anos 1630 e parou quando chegou ao que procurava: O "Retrato de Rembrandt de Philips Lucasz", de 1635. O original estava convenientemente localizado do outro lado da cidade na National Gallery por isso correu para lá. Olhava para a pintura e depois para a imagem to seu telemóvel, sentindo a adrenalina no sangue à medida que crescia em si a certeza: "Eu sabia que quem pintou este quadro, também pintou o outro".

Jan Six é um homem alto, magro, cuja expressão habitual dá a impressão de alguém que carrega um fardo. O fardo é o seu nome, Jan Six XI. Datando de há quatro séculos, a sua família aristocrática deu o nome de Jan a um filho primogénito em quase todas as gerações. O primeiro Jan Six, um homem de arte, cultura e política, foi um verdadeiro representante da 'Era de Ouro' holandesa, o período em que uma explosão de criatividade na arte, ciência e comércio cobriu a pequena nação à frente da vida e do pensamento europeus. Jan Six era um amigo do grande Rembrandt van Rijn. Quando ele decidiu, algures nos anos 1650, mandar pintar o seu retrato, pediu a Rembrandt para fazer as honras. O resultado é uma das obras mais admiradas do mestre, um maravilhoso estudo de autoconsciência, sofisticação de meia-idade, feito nas pinceladas de marca do Rembrandt tardio. O historiador Simon Schama chamou-lhe "o maior retrato do século XVII".

O primeiro Jan Six reuniu uma grande colecção de pintura, escultura e desenho de uma variedade de artistas. Mas Rembrandt está no coração da colecção Six. Para além do retrato de Jan Six, que detém actualmente uma avaliação de seguro de mais de 400 milhões de dólares, existe uma pintura a óleo de Rembrandt à escala real da mãe do primeiro Jan Six, Anna Wymer, juntamente com cinco desenhos e 50 gravuras originais do artista.

Rembrandt’s ‘‘Portrait of Jan Six,’’ depicting the ancestor of Jan Six XI, the art dealer.
Credit...Fine Art Images/Heritage Images, via Getty Images

Rembrandt’s portrait of Anna Wymer, the mother of the first Jan Six.

À medida que a Colecção Six foi passando de uma geração para a seguinte, cresceu e incluiu obras de Vermeer, Bruegel, Hals e Rubens, bem como os estrangeiros, Titian e Tintoretto. 
Ao longo do caminho, juntou-se-lhe um arsenal de artefactos menores mas historicamente significativos: mobiliário, pedras preciosas, medalhas, manuscritos, pratas, objectos de vidro venezianos, escovas de dentes de cabo de marfim, um anel de diamantes dado a um membro da família pelo Czar Alexandre I. 
Porém, as pinturas foram sempre a razão de ser da colecção, e ao longo dos tempos os Six mostraram uma tendência para seguir a inclinação do seu progenitor. A colecção contém agora nada menos que 270 retratos de membros da família.

À medida que os séculos foram passando e outras grandes colecções de arte familiar europeia foram sendo desmanteladas e transferidas para museus, a colecção Six, que permanece na casa da família, cresceu em mística. Por tradição, o Jan Six de cada geração torna-se o guardião da colecção e o ocupante da casa, uma mansão de 56 assoalhadas no rio Amstel, no coração de Amesterdão. 
Mas Jan XI, o negociante de arte, não é esse Jan, pelo menos ainda não. O seu pai, Jan X - ou, como ele prefere ser chamado, Barão J. Six van Hillegom - ainda reina. O Six mais velho, que tem 71 anos, é conhecido nos círculos culturais tanto como um homem profundamente privado (recusou-se a ser entrevistado para este artigo) como um pouco picuinhas. Quase todos com quem falei usaram a palavra "difícil" para o descrever.

Conheci o idoso Six há nove anos, quando estava a pesquisar um livro sobre a história de Amesterdão e queria ver a famosa casa dos Six. Depois de um típico almoço holandês de sanduíches e leite numa cozinha que parecia saída de uma pintura de Vermeer - madeira escura, chão de azulejos, luz oblíqua - ele conduziu-me pela casa: uma deliciosa ruína de salões e quartos velhos recheados de curiosidades, algumas delas sem preço. 
Embora as salas de exposição e salas de estar estivessem separadas, a sensação de estar simultaneamente numa casa e num museu era palpável e minha impressão geral da visita foi a de algo saído de um romance de Thomas Mann: grandeza desbotada e um ar de imobilidade antiga, supervisionado por um aristocrata magro e ligeiramente contrariado.

O Six mais velho pode ser conhecido pela sua animosidade, mas em relação à sua batalha pública recente, um processo judicial de vários anos contra o governo holandês por não ter cumprido um acordo para pagar a manutenção da casa, dizem que ele tinha razão. "Um político de esquerda achou ridículo dar dinheiro a uma família que é rica e por isso cortou o subsídio", disse Frits Duparc, antigo director do museu Mauritshuis em Haia, que serviu como mediador na disputa. "Mas o facto é que a família não é assim tão rica porque a arte foi há muito colocada numa fundação". A fundação foi criada em parte para manter a arte unida, e portanto no país. No passado, a família tinha sido forçada a vender Vermeers e outros tesouros nacionais a fim de pagar contas de impostos.

Eventualmente, em 2008, o processo foi resolvido e chegou-se a um acordo: Uma fundação é proprietária da mansão Six, a família tem o direito de viver perpetuamente nela e o Estado providencia fundos para a sua manutenção. Em troca, os Six devem proporcionar um acesso público limitado à colecção.

A obsessão (como ele lhe chama) de Jan Six com Rembrandt começou na infância, com o retrato do seu homónimo no "salão azul" na casa da família Six. Six consegue falar de Rembrandt infinitamente, de forma absorvente e com grande sentimento. "O que distingue Rembrandt é a sua capacidade de pintar a pessoa", disse-me ele. "Quando passo por um museu e há um Rembrandt, passo-o da forma como se faz a uma pessoa, olhando pelo canto do olho, pensando: 'Olá, quem és tu'? como se fosse alguém que eu conheço. É um ser humano vivo". Six não pensa muito no outro titã da Idade de Ouro holandesa, 
Vermeer. "Eu sei que muitos americanos adoram Vermeer, mas pessoalmente não gosto dele. É tudo truque: material óptico. Penso que se colocarmos a 'Rapariga com um Brinco de Pérola' ao lado de qualquer Rembrandt, vê-se a diferença".

Entre as muitas razões para os séculos de encantamento com Rembrandt - o tremendo volume, alcance e qualidade do trabalho que produziu, a pletora de estilos que experimentou, a sua própria biografia complexa - talvez a mais contundente seja a percepção psicológica que trouxe sobre os que pintava, a forma como as suas figuras parecem envolver o espectador e atraí-lo para a luta interna particular daquele momento nas suas vidas.

Este enfoque sobre o indivíduo foi uma característica marcante da época do artista. A Era de Ouro holandesa marcou um afastamento de temas estritamente religiosos; de repente, as pessoas interessavam-se pela vida comum e por si próprias, e os artistas seguiram o exemplo. O retrato tornou-se uma indústria. Mas Rembrandt foi melhor que os seus contemporâneos. Muitos deles podiam pintar a aparência. O que tornou Rembrandt tão especial para os cidadãos de Amesterdão, que faziam fila para encomendar os seus retratos, foi que ele parecia ser capaz de ir para lá da superfície e chegar a quem a pessoa era.

Essa empatia pode resultar não só da genialidade de Rembrandt, mas também da sua própria vida. Cedo se tornou o pintor mais célebre da época, mas como se recusou a seguir as mudanças de moda, caiu em desfavor. Gastou em demasia e endividou-se fortemente. Perdeu a sua mulher pouco tempo depois de ela ter dado à luz e iniciou uma relação com a ama do seu bebé, da qual tentou livrar-se, mandando a mulher para um asilo. 
Depois foi à falência. Parece ter vivido os seus últimos anos numa miséria da sua própria autoria. Se a Idade de Ouro holandesa evidenciou um novo foco íntimo no indivíduo, Rembrandt aplicou o ditame a si próprio impiedosamente. Os seus auto-retratos, especialmente os últimos, são explorações impiedosamente honestas do pedágio psíquico que infligimos a nós próprios.

Rembrandt’s ‘‘Self-Portrait as the Apostle Paul.’’
Credit...Fine Art Images/Heritage Images, via Getty Images


As paredes do estúdio de Six em Amsterdão estão sempre forradas com retratos do século XVII: obras que comprou e está a pesquisar ou está a restaurar e a preparar-se para revender. 
Quando apareci no Verão passado, o quadro do catálogo da Christie's, "Retrato de um Jovem Cavalheiro", estava pendurado num ponto central. Six, que fala num murmúrio reconfortante e se refere a si próprio como um "comerciante de arte", fez-me uma visita guiada. "Adoro a luva e o punho - muito elegante. Vê as pinceladas? Começou aqui e move-se lentamente para a direita e faz uma curva. Ele acrescenta estas pinceladas largas. Depois pinta o punho, e o pedaço que está na luz é pintado a cores porque ele entende que na luz não se tem linhas pretas, mas nas sombras tem. Ele usa inteligentemente a forma como a luz realmente brilha no material. Lentamente recua para a sombra".

Quando estava a trabalhar no meu livro sobre a história de Amesterdão, Six convidou-me a vir aqui e realizou uma pequena e notável demonstração. Apagou as luzes e acendeu velas e num instante os quadros transfiguraram-se. Assumiram uma nova energia; os dourados e vermelhos e os tons de carne tornaram-se mais quentes. A cintilação das chamas parecia insuflar vida às figuras bidimensionais. Os olhos de Six brilharam ao ver que eu tinha registado o ponto: Estas pinturas foram feitas para luz de velas.

Six estava a ajudar-me a experenciar o mundo do século XVII de Amesterdão da forma mais tangível: as minúsculas diferenças nas formas de ver e sentir que separam uma época histórica de outra. Mas apercebi-me de que ele também me estava a dar uma visão sobre outra coisa: a sua luta de toda a vida com a sua família por aquilo que esperam dele como herdeiro da Colecção Six. 
Ainda em rapaz, a grandeza da tradição artística ocidental pode tê-lo saudado todos os dias enquanto caminhava para o pequeno-almoço, mas isso não o entusiasmava com um sentido de destino. 
Os herdeiros anteriores - que eram ávidos coleccionadores, embora não profissionais da arte - parecem ter aceitado a responsabilidade com equanimidade, mas não Six. 

Os Six fazem parte da nobreza holandesa, mas como adolescente ele "tentou não ser um aristocrata", disse-me o seu amigo íntimo David van Ede. "Ele ficava embaraçado com isso". Em vez de ter Rembrandts e Bruegels pendurados no seu quarto, encheu-o de posters de Bob Marley e Guns N' Roses. 
Odiava o liceu, conseguiu um emprego como cozinheiro num restaurante e pensou durante algum tempo que tornar-se cozinheiro poderia ser a sua rebelião. 
Quando os pais estavam ausentes, organizava festas na mansão. "Estivemos lá praticamente todos os fins-de-semana", disse van Ede. "Não nos balançávamos nos candelabros, mas fumávamos, bebíamos Heinekens, íamos a um clube de hip-hop, parávamos no Burger King, depois talvez voltássemos a casa de Jan e dormíamos. Por vezes accionávamos os alarmes".
Six sabia o que se esperava dele, mas não tinha certezas. "Ninguém quer ser empurrado para um caminho obrigatório", disse-me ele. "Ouvimos durante toda a nossa vida que tudo o que fazemos é uma preparação para seguir os passos de Jan Six. Mas... quer dizer, sou um indivíduo".

Acabou por se conformar, pelo menos em parte, quando começou a interagir com as pessoas que apareciam à porta, com bilhetes na mão, para fazer visitas guiadas à sua casa. Foram estas pessoas comuns que fizeram Six perceber que a arte era a sua vocação. "Por vezes um guia turístico ficava doente e eu ajudava", disse ele. "No início tinha medo. Depois vi como as pessoas ficavam felizes e eram interessadas. E quando sabiam que eu era Jan Six e olhavam de mim para o retrato do outro Jan Six, de Rembrandt, via-os a ficar excitados, ligando o passado e o presente. Alguns dos visitantes sabiam muito sobre arte e eu escutava-os". 
Six começou a olhar para os quadros de uma nova forma. Passaram de representações planas de pessoas mortas a expressões estéticas, servindo como portais para a história. Em particular, o retrato de Rembrandt do primeiro Jan Six agarrou-o: "Percebi que é importante para mim que os olhos naquela pintura sejam geneticamente os meus olhos".

Six tentou libertar-se do fardo do seu legado, abraçando a arte, sim, mas nos seus próprios termos. Estudou história da arte na faculdade, tendo depois sido contratado pela Sotheby's em Londres como especialista júnior em velhos mestres. Era bom no trabalho e mudou-se facilmente para o mundo da riqueza e cultura internacionais. Com o passar do tempo, parecia um gene de família. 
Geert Mak, um autor holandês que escreveu uma história da família Six, disse-me que alguns dos primeiros Jan Sixes tinham um sentido visual extraordinariamente agudo, que os guiava enquanto acumulavam a sua colecção. "Este Jan Six também o tem: é um talento excepcional para ver através de um quadro, para recordar um gesto de outro quadro que viu anos antes, uma memória inacreditável para pequenos detalhes".

À medida que crescia na sua profissão, Six veio a sentir que tinha o direito de se expressar sobre a colecção da família. Seguiu-se uma série de confrontos com o seu pai, muitos dos quais relacionados com facilitar um maior acesso ao público. Actualmente, as visitas à colecção, que são apenas por marcação, estão marcadas para o próximo ano. A imagem que Six esboçou foi a de um pai que tenta preservar um legado, mantendo o mundo à distância e que ao longo do tempo se apercebe de que também tem de combater com um filho gregário e extrovertido que sente que a forma de preservar esse legado é precisamente partilhá-lo com o mundo em geral. 

Uma destas discordâncias centrava-se nas molduras dos quadros. Algumas das grandes pinturas da colecção, incluindo o "Retrato de Jan Six", têm molduras douradas ornamentadas, que foram colocadas pelos Six do século XIX, quando a exibição estava na moda. Jan, o mais novo, defendeu o seu regresso ao seu aspecto do século XVII, o que teria significado voltar às molduras negras suaves e sóbrias que ele acredita serem o habitat natural dos quadros.

Este foi o outro ponto da demonstração à luz das velas de Six. "Se colocar uma moldura dourada à volta de um Rembrandt, o que quer que esteja no quadro anda cinco metros para trás e o que quer que seja dourado torna-se amarelado", disse ele. "A pintura tem de competir com o ruído da moldura. Tire o barulho e a beleza emergirá da pintura". O seu pai, no entanto, foi inflexível ao afirmar que os quadros da colecção devem permanecer nas molduras douradas. Six disse-me que acreditava que o seu pai sente que o seu dever é para com a colecção, incluindo a forma como os seus antepassados a preservaram. "Se vive numa casa durante décadas e a vê como o núcleo da sua existência, praticamente vive para a casa". Enquanto que ele próprio sente uma obrigação para com a arte, mais do que para a casa.

Para evitar mais confrontos, Six deu um passo atrás: "Decidi que preferia ter um pai como amigo. Portanto, a casa e a colecção não têm nada a ver comigo. A nossa relação é melhor quando há uma distância".

Jan Six XI por volta dos 6 anos (à esquerda) com o seu pai, Jan Six X; o seu irmão, Bas; e a sua mãe, Annabelle Dresselhuys, em 1985. 
Crédito...Bruno Bachelet/Paris Match, via Getty Images



Em 1991, pinturas de artistas da Idade de Ouro holandesa, do Renascimento italiano e de outras épocas importantes da história europeia dominaram o mercado internacional da arte, mas no nosso tempo digital, em que há uma mudança constante no equilíbrio global do poder (no ano passado a China tornou-se o segundo maior mercado de arte do mundo, atrás dos Estados Unidos), os velhos mestres europeus tornaram-se ... velhos. 
Em 2018, 85% da lista ARTnews de 200 coleccionadores de topo disseram ter coleccionado arte contemporânea; apenas 6 por cento disseram ter coleccionado antigos mestres. E enquanto os nomes de topo - Rembrandt, Titian, Raphael - ainda comandam, tudo o resto perdeu valor. "Se comprar um quadro menor por 3.000 dólares, provavelmente valerá 2.000 dólares", disse Otto Naumann, um proeminente negociante de arte americano agora com a Sotheby's. "Vê um declínio semelhante na faixa dos 300.000 dólares. Muitos destes diminuíram de valor".

Relacionado com o declínio nas vendas está o envelhecimento do campo. "Quase não há coleccionadores mais jovens" que estejam interessados nos antigos mestres, disse o antigo director da Mauritshuis Frits Duparc. "A maioria dos grandes coleccionadores está nos seus 70 e 80 anos de idade". Também tem havido declínio em programas universitários e postos docentes relevantes, bem como em cargos de curadoria em museus. 
Duparc disse-me que nos Países Baixos há um único professor totalmente dedicado ao campo da arte holandesa da Idade de Ouro. Matthew Teitelbaum, o director do Museu de Belas Artes de Boston, diz que o novo Centro de Arte Neerlandês, que a sua instituição está a desenvolver, tem como objectivo contrariar esta tendência, mas  reconhece o desafio: "Neste momento, este é um campo a estreitar-se, onde os programas universitários estão em declínio e os lugares para o ensino ficam vagos". 
Quanto aos concessionários dedicados aos antigos mestres, Duparc observou que enquanto há algumas décadas atrás existiam dezenas de concessionários independentes, agora existem apenas uns poucos. A maior parte do comércio foi ocupada pelas grandes casas de leilões, a Sotheby's e a Christie's.

Apesar desta paisagem inóspita, Jan Six decidiu, em 2009, estabelecer-se como comerciante independente em velhos mestres holandeses, com uma especialidade particular em retratos. Diz ter ficado desconfiado da mentalidade empresarial que encontrou na Sotheby's, que olhou para o património artístico mundial como uma mercadoria de luxo. "A maioria dos comerciantes são apenas comerciantes", disse ele. "Podiam ser vendedores de automóveis ou comerciantes em Wall Street. Acho que não estão envolvidos na alta estética". Six encontrou um elegante espaço de estúdio/biblioteca/escritório em Amesterdão, a poucos quarteirões dos seus pais e da colecção da família, e montou uma loja.

Six floresceu como negociante de arte. Passou os anos seguintes num vaivém entre Nova Iorque, Londres, Paris e Amesterdão, comprando e vendendo, desenvolvendo confiança e um olhar sempre mais atento. O seu nome deu-lhe acesso imediato aos melhores coleccionadores e aos directores dos principais museus de arte do mundo. Tornou-se versado nos métodos de alta tecnologia de análise de pinturas, que podem dar detalhes sobre a tela, a madeira e o pigmento e que podem oferecer uma visão sobre uma obra e o seu criador. 

Portou-se bem como negociante mas que lhe interessava era Rembrandt. Six trabalhou obstinadamente para se tornar um perito no mestre. Começou uma peregrinação a cada um dos 341 quadros do mestre listados no "Corpus", espalhados de Omaha, Neb., a São Petersburgo, Rússia (até hoje, viu 80% deles), e reuniu um arquivo de dezenas de milhares de documentos e imagens relacionadas com o artista. Não é demais dizer que Rembrandt é, para ele, um assunto pessoal. 

Quando falámos pela primeira vez sobre o retrato que descobriu, Six deixou claro o que significava para si encontrá-lo. "Isto nada tem a ver com a minha família", afirmou, sabendo que isso era tanto verdadeiro como falso. "Quero que compreendam que esta descoberta não é sobre o meu pai nem sobre a Colecção Six. É pura catarse. Pela primeira vez na minha vida, sou só eu e Rembrandt".

'A Ronda da Noite' de Rembrandt - Credit...PHAS/UIG, via Getty Images

Depois de estudar o Retrato do Jovem Cavalheiro no salão da Christie's em Londres, Six voou de volta a Amesterdão e mostrou as fotografias que tinha tirado ao quadro a Ernst van de Wetering, o especialista de Rembrandt, a quem tinha mostrado a imagem do catálogo. 
Van de Wetering ficou ainda mais intrigado, mas não quis falar sem ver a coisa em si. Isso era suficiente para Six: estava pronto a licitar. 
A estimativa do leilão era de $19.000 a $25.000: trocos, se o quadro fosse o que pensava. Mas se alguém mais suspeitasse ser um Rembrandt, o preço dispararia. Rembrandts vendem-se a dezenas ou centenas de milhões. 
Em 2015, o Rijksmuseum, o grande repositório de arte e história holandesa e a casa do "Night Watch" de Rembrandt, em parceria com o Louvre, comprou um par de retratos de um casal, em tamanho real, de Rembrandt, datados de 1634, precisamente do período do quadro que Jan Six acabava de descobrir. (Cada figura usa a mesma renda de bilros do Jovem Cavalheiro.) Os museus pagaram 174 milhões de dólares pelo par.

Six ligou a um investidor com quem tinha trabalhado no passado (não me disse quem) e conseguiu uma autorização para licitar. O investidor estava disposto a ir até aos quatro milhões de libras ($5 milhões), o que, mesmo assim, seria uma pechincha para um Rembrandt. No final, a proposta vencedora de Six foi de 137.000 libras ($173.000) que era o preço certo para um quadro do "círculo de...".

Six mandou limpar, restaurar e analisar cientificamente o quadro. Recorreu à equipa de topo do país para uma análise da arte com alta tecnologia. Petria Noble, chefe de conservação de pinturas no Rijksmuseum, disse-me que o seu laboratório fez um scan de fluorescência de raios X macro da pintura - uma tecnologia que penetra camadas de tinta e permite uma análise sofisticada de uma obra e portanto do processo do artista - e também estudou amostras de tinta. Dado que o Rijksmuseum tinha adquirido recentemente, com o Louvre, o par de retratos do casal de Rembrandt, houve uma oportunidade de comparar de perto 
Jovem Cavalheiro de Six, especialmente com o retrato do noivo, Marten Soolmans.

Estes testes mostraram, como afirmou Six num livro de 2018 sobre a pintura, que as duas pinturas comparadas "foram feitas exactamente com os mesmos materiais, seguem a mesma acumulação de camadas de tinta, seguem o mesmo método de trabalho de pintura de trás para a frente e, mais importante, ambas têm o método único do preto sobre branco que foi utilizado para pintar os colarinhos de renda". Por outras palavras, a sua pintura, tal como aquela que custou dezenas de milhões de dólares aos museus, era um Rembrandt.

Os museus, contudo, tentam evitar ser utilizados pelos comerciantes como ferramentas de marketing, e a Noble não estava disposta a ser tão declarativa. "Tivemos de ser muito cuidadosos para chegar a uma conclusão", disse ela. "Há muitas semelhanças e ainda muitas questões que requerem mais investigação".

Seis estudiosos proeminentes apoiaram a atribuição do quadro a Rembrandt. Vale a pena notar que alguns não estavam dispostos a fazê-lo - não porque não o acreditassem, mas como parte de uma mudança no sentido de reconhecer as áreas cinzentas da história da arte. Para uma tal pintura, que aparentemente surgiu do nada, não há forma de se conseguir uma certeza absoluta sobre a sua proveniência. "Quando Jan veio ter comigo com a sua pintura, tive de admitir que não podia contestar os seus argumentos", disse Gary Schwartz, um biógrafo americano de Rembrandt e uma autoridade sobre a arte holandesa do século XVII. "Disse-lhe que não levantaria dúvidas sobre a autoria de Rembrandt, mas que não me faz feliz ser tão definitivo." 
Prosseguiu com a elaboração das dificuldades particulares que Rembrandt coloca aos autenticadores: a variedade de estilos em que pintou, os seus muitos alunos, a probabilidade de no seu estúdio mais do que uma pessoa ter trabalhado numa determinada pintura. Uma pintura que está determinada a ser, digamos, pelo "estúdio de Rembrandt", e não pelo próprio Rembrandt, seria de menor valor. Schwartz é um dos vários historiadores de arte que, quando se trata de questões de autenticidade de obras de pintores famosos, gostaria que as pessoas se concentrassem menos no artista e no valor monetário da pintura do que na obra em si. 
Ele usa o termo Rembrandtness e defende a atribuição de tonalidades de probabilidade de uma pintura ser do próprio artista. Relativamente à Rembrandtness deste retrato em particular, disse: "A atribuição a Rembrandt é a hipótese mais provável, mas não é imbatível".

Jan Six’s gallery in Amsterdam, including (clockwise from left) ‘‘Portrait of a Young Gentleman’’ and paintings by Gerrit van Honthorst and Jan Lievens.
Credit...Hellen van Meene for The New York Times


Os museus tentam respeitar a Rembrandtness. A National Gallery of Art em Londres, por exemplo, rotula An Old Man in an Armchair como "provavelmente por Rembrandt", e o museu Mauritshuis anunciou recentemente que está a montar um estudo exaustivo de dois dos seus supostos Rembrandts para tentar determinar a probabilidade de serem do mestre. "Penso que Rembrandtness é uma expressão inteligente", disse Ronni Baer, curador sénior de pinturas europeias no Museum of Fine Arts em Boston. "Mas as pessoas não se vão contentar com isso porque há muito dinheiro envolvido na atribuição".

A opinião mais importante sobre se a pintura era ou não de Rembrandt foi a de van de Wetering. O estudioso de Rembrandt manteve o silêncio enquanto o quadro esteve a ser analisado. "À medida que a restauração foi sendo feita, estava cada vez mais convencido", disse-me van de Wetering. "Pensei que Jan Six estava certo na sua avaliação".

Agora ele acredita que a pintura de Jan Six fazia originalmente parte de uma obra maior. Um indício é o facto de o rosto estar ligeiramente desfocado. Rembrandt faz isto em retratos de grupo, disse-me, a fim de orientar o olhar para a figura central na composição. A outra figura deve ter estado ligeiramente em primeiro plano, acrescentou. Pode ter sido uma figura feminina e a pintura original era possivelmente um retrato de casamento que mais tarde foi cortado. Numa entrevista posterior com um jornal holandês, van de Wetering afirmou que se for assim como ele pensa, "um fragmento de uma obra muito maior", isso diminui a sua importância.

No dia seguinte a Jan Six encontrar o retrato do Jovem Cavalheiro no catálogo da Christie's, em 2016, conheceu uma mulher chamada Ronit Palache. Estava a sair de um divórcio difícil; os dois deram-se bem quase imediatamente. "Uma das primeiras coisas que ele me disse foi: 'acho que descobri um Rembrandt'", disse-me Palache, em Julho passado. "Quando começámos a namorar, ele estava sempre a falar sobre isso".

Palache era editora e publicista de uma editora holandesa. Six disse-lhe que estava a planear escrever um tratado académico para acompanhar a revelação e quando olhou para as suas notas as achou "aborrecidas". Ela começou a desenhar ideia. Aqui estava o herdeiro de uma família famosa na Holanda pela sua ligação à grande arte e a Rembrandt em particular e agora tinha descoberto um Rembrandt por conta própria. Como publicitária, "olhei para isto de uma forma comercial", disse ela.

A sua ideia era revelar o quadro da mesma forma que seria apresentado um livro de sucesso de bilheteira, com um blitz completo dos media. No início Six resistiu porque "não há um grande público para isto. Os velhos mestres são para cidadãos idosos que têm tempo livre". Palache insistiu e Six acabou convencido. "Estava constantemente a convencer Jan de quão grande esta história ia ser", disse ela.


Em Maio de 2018, quase um ano e meio depois de Six ter visto a fotografia pela primeira vez em Londres, apareceu ao vivo em "Pauw", um dos talk shows mais populares nos Países Baixos. Após uma breve introdução, o apresentador, juntamente com Six, descobriu a tela para a audiência. A aparição na televisão foi a peça central da campanha mediática, que também incluiu uma história exclusiva de primeira página no principal jornal do país, NRC Handelsblad e um livro, Rembrandt's Portrait of a Young Gentleman, que Six escreveu sobre o quadro. Durante os dias seguintes, a notícia ecoou em todo o mundo. O livro tornou-se um best-seller instantâneo em holandês, inglês e francês.

Os holandeses gostam de salientar que são um povo igualitário e simples. Têm vários provérbios sobre o perigo da arrogância: «A árvore mais alta leva com o vento mais forte»; «se pões a cabeça demasiado para fora acabas com ela cortada». O mundo dos velhos mestres também tende a preferir a discrição - se não a modéstia - à exposição. A flamboyance com que Six anunciou a sua descoberta desafiou ambas as culturas. No entanto, os guardiões da arte tradicional ficaram inicialmente impressionados com a atenção extra que o campo estava a receber. Wim Pijbes, antigo director do Rijksmuseum, caracterizou-me a revelação da televisão como "um empreendimento muito bem lançado, e bastante surpreendente".

À medida que a onda de entusiasmo popular passava sobre Six, perguntei-lhe porque é que, tendo saído da Sotheby's desagradado com a mercantilização da arte, estava agora a participar nela. Encolheu ombros e deu um mea culpa de uma linha: "Eu sou um homem de negócios!" Mais tarde deu-me uma resposta mais introspectiva: "Durante anos, tenho lutado na minha mente para provar que sei algo sobre pinturas por direito próprio. Estou feliz porque o que todos escrevem em todos os artigos até agora, da América à China, é sobre mim como comerciante de arte e não como um membro da família Six".

Em Setembro de 2018, quatro meses após Six ter feito o seu splash televisivo e quase dois anos após a venda da Christie's, um negociante de arte holandês chamado Sander Bijl de Alkmaar, uma cidade a norte de Amesterdão, falou com um repórter do NRC Handelsblad e afirmou que, de facto, também ele tinha reconhecido a imagem do catálogo como sendo muito provavelmente um Rembrandt. 
Bijl prosseguiu afirmando que se tinha aproximado de Six para comprar o quadro em conjunto, que Six concordou e que os dois homens se comprometeram a limitar a sua oferta conjunta a pouco mais de 100.000 euros, o que era o máximo que Bijl conseguia obter. Quando o quadro foi vendido por 153.000 euros, disse Bijl, nunca lhe ocorreu que o licitante vencedor fosse Six. 
Bijl acusava Six de ter feito um acordo com ele, e depois, em separado, ter apresentado uma outra proposta própria, mais elevada, através de um intermediário concorrente que viu o verdadeiro valor da obra. Como me disse outro comerciante de velhos mestres: "Isso não se faz no nosso ramo".

A entrevista de Bijl no jornal afirmando que Jan Six era um trapaceiro reverberou na comunidade artística internacional. Bijl disse-me mais tarde que não teve outra escolha senão apresentar-se publicamente para proteger a sua própria reputação - sentiu que se reflectia mal nele, entre os negociantes e especialistas, se acreditassem que ele tinha perdido um Rembrandt. 
Ficou furioso que durante a revelação televisiva do retrato e nas aparições subsequentes nos meios de comunicação social, Six tivesse descrito o processo de o encontrar, pesquisar e comprar, como uma empresa estritamente a solo, na qual foi ajudado apenas pela perícia de van de Wetering e pelos fundos do seu financiador anónimo. 
"Jan Six andava por aí com a sua descoberta como se todos os outros no negócio fossem estúpidos e ele o único esperto'. 
Ele sabia muito bem que ambos o tínhamos visto". Bijl enviou-me as mensagens de WhatsApp que tinha enviado a Six antes da venda da Christie's, que incluía instantâneos de partes da tela, detalhando o seu próprio estudo da mesma. Pareciam provar que Bijl tinha visto a pintura pessoalmente antes de Six ter chegado ao salão da Christie's.

Six disse-me em Setembro passado que nunca concordou em comprar o retrato com Bijl. No entanto, pareceu sugerir que tinha induzido em erro o outro negociante. "Tive muito medo que Sander alertasse a casa de leilões de que tinham algo especial e que a Christie's tirasse o retrato da venda, o que já me tinha acontecido antes". Disse-lhe: "O que queres fazer? e Bijl tomou a pergunta como um acordo de que trabalhariam juntos no quadro." Six disse ao jornal De Volkskrant em Outubro passado: "Dei espaço a Sander para acreditar na sua própria história".

Os holandeses acharam o desenvolvimento da história especialmente estimulante, devido aos paralelos entre os dois negociantes de arte. Têm aproximadamente a mesma idade. O pai de Bijl, Martin Bijl, é um dos principais restauradores de arte na Holanda, cujo currículo de remodelação de pinturas inclui muitos Rembrandts. Tal como Six, Sander Bijl cresceu rodeado de arte holandesa antiga. Mas havia uma diferença de estatuto entre os dois homens. "Sou o tipo de negociante que tem um stand em todas as feiras de arte", disse-me Bijl. "Jan Six não se preocupa com isso. Eu sou o pequeno Sander Bijl de Alkmaar; ele é o aristocrático Jan Six de Amesterdão".

Na sequência da acusação de Bijl, Six revelou-me outra informação que me pareceu diminuir a discussão entre os negociantes de arte. Há pouco, perguntei-lhe sobre um rumor que circulava acerca dele ter descoberto um segundo Rembrandt. Negou. Mas agora disse que era verdade. Six disse que tinha encontrado este outro Rembrandt dois anos antes de ter visto o retrato na Christie's, mas que tinha concordado em não tornar pública a descoberta até ao final de 2019, quando seria uma peça central da reabertura do Museu Lakenhal em Leiden, a cidade natal 
de Rembrandt, em conjunto com o 350º aniversário da morte do artista. 
Porém, a acusação de Sander Bijl mudou a intenção. A fim de explicar o que aconteceu entre ele próprio e Bijl precisava de ir a público com a notícia de que tinha encontrado um segundo Rembrandt. Fê-lo em 14 de Setembro, com mais uma revelação teatral na TV.

‘‘Let the Children Come to Me,’’ the first likely Rembrandt discovered by Jan Six XI, photographed midrestoration.
Credit...René Gerritsen/Jan Six Fine Art

Six disse-me que reparou pela primeira vez neste quadro, uma cena bíblica representando Jesus rodeado de crianças e espectadores, no catálogo online de uma casa de leilões alemã em 2014. 
Todos aqueles anos a olhar para Rembrandts, de repente pareciam dar fruto. 
O que chamou a sua atenção foi o que parecia ser um auto-retrato de um Rembrandt muito jovem, numa das figuras menores. O detalhe entusiasmou Six, não só porque se assemelhava tanto a outros auto-retratos do artista, mas também porque se enquadrava na tendência inicial de Rembrandt de trabalhar a sua própria semelhança nas suas pinturas. 
A pintura tinha uma estimativa de $20.000 a $27.000 em leilão, mas o comerciante Otto Naumann também a tinha visto como um provável Rembrandt e estava determinado a comprá-la. Como resultado, Six, juntamente com o seu investidor anónimo, acabaram por pagar $2 milhões. Pensa-se que tenha sido pintado muito cedo na carreira de Rembrandt, possivelmente quando ele tinha apenas 19 anos e que fosse a sua primeira pintura em tela, conhecida.



Um auto-retrato primitivo de Rembrandt.
Credit...Fine Art Images/Heritage Images, via Getty Images
Um pormenor de ''Deixem as crianças vir até mim''. Jan Six reconheceu que o quadro poderia ser um Rembrandt quando viu, perto do topo, o que parecia ser um auto-retrato do artista na sua juventude. 
Crédito...René Gerritsen/Jan Six Fine Art


A pintura foi largamente retocada por um artista posterior - túnicas refeitas em cores diferentes, um rapaz nu foi coberto. Para tentar devolvê-lo a algo como o estado que o mestre pretendia, Six decidiu retirar as camadas de pintura por cima da obra original. Mais uma vez, consultou van de Wetering que insistiu que mandasse Martin Bijl fazer a restauração. "Eu não o queria fazer, mas Ernst foi inflexível", disse-me ele, parecendo implicar que se queria a bênção do estudioso de Rembrandt, tinha de trabalhar com o pai de Sander Bijl. 
Six disse que fez um acordo com Martin Bijl para restaurar o quadro e que foi enquanto se fazia esse trabalho meticuloso que viu o retrato no catálogo da Christie's e o mostrou a van de Wetering.

Pouco tempo depois, Sander Bijl, o filho do restaurador, enviou a Six uma mensagem WhatsApp: "Jan, julgo saber que falaste com Martin e Ernst sobre o retrato que está prestes a ser leiloado". Mas Six não tinha falado com Martin Bijl sobre o retrato e disse que a partir desta mensagem ficou claro para ele que van de Wetering tinha violado a sua confiança ao informar Martin Bijl que ele estava à caça de outro Rembrandt, e que o pai tinha informado o seu filho. 
Six repetiu esta afirmação no talk show televisivo, em Setembro de 2018, bem como a afirmação de que van de Wetering o tinha forçado a utilizar Martin Bijl. "De repente Sander estava a tentar tornar-se meu amigo e a fazer avanços sobre os dois comprarmos o retrato juntos". Entretanto, disse ele, Martin Bijl exigia mais dinheiro para completar a restauração do primeiro quadro - não apenas uma taxa horária, conforme o acordo original, mas uma percentagem dos lucros da venda do quadro. "Era uma forma de chantagem", disse Six.

Enviei um e-mail a Martin Bijl a pedir resposta a esta acusação. Não respondeu, mas o seu filho respondeu, dizendo que o seu pai pediu mais dinheiro depois de Six ter exigido que acelerasse o seu trabalho de restauro, o que lhe teria exigido que recusasse outros clientes. Ele enviou-me uma cadeia de mensagens de WhatsApp entre Six e o Bijl mais velho, que sugeria uma relação cordial.

Sander Bijl não negou ter tomado conhecimento do interesse de Six pela pintura através do seu pai, que de facto ouviu falar dela por van de Wetering, mas disse que tais interacções são normais e inevitáveis dentro do pequeno mundo dos velhos mestres holandeses. 
Mas ele diz que quando o seu pai lhe falou do interesse de Six pelo retrato, já tinha percebido que Christie's estava a vender um possível retrato de Rembrandt como a obra de um pintor menor. Ele encaminhou-me um e-mail que enviou à Christie's em Novembro de 2016 solicitando uma fotografia de alta resolução do quadro, que foi datada dias antes do própria Six me ter dito que o tinha visto pela primeira vez - indicando, por outras palavras, que tinha tomado nota do retrato por si próprio. Disse que ele e Six tinham feito negócios juntos na ocasião - ele comprou algumas pequenas obras da Six no início do ano passado e por isso era normal qu se aproximasse da Six com a ideia de comprarem o quadro juntos.

Quando falei com Sander Bijl por telefone em Dezembro passado, depois da sua disputa com Six ter sido discutida nos media holandeses durante alguns meses, ele sugeriu que o esforço de Six para apagar o envolvimento de Bijl na compra do quadro surgiu da luta de Six com os seus demónios interiores: "Ele tem um problema com o fardo do nome Six e sente que precisa de provar o seu valor próprio. Agora, eu tenho de pagar pelos seus problemas familiares pessoais? Não. Ele enganou-me".

Juntamente com manchetes do género, "Descobridor de Rembrandt, Jan Six, Acusado de Engano" veio outra surpresa desagradável para Six. Van de Wetering, a quem Six tinha passado a sua vida profissional a admirar, deu uma resposta pública contundente às afirmações de Six de que o tinha forçado a usar Martin Bijl e de que tinha violado a sua confiança. 
Enquanto que apenas semanas antes van de Wetering me tinha dito que ele e Six tinham "um grande parentesco", na sequência da acusação de Six, ele disse ao NRC Handelsblad: "Six mostrou a sua verdadeira natureza. Agora sei que ele pode mentir". Declarou o fim da amizade. No entanto, na mesma entrevista, van de Wetering fez uma avaliação brilhante da outra descoberta de Six. A pintura bíblica, disse ele, foi "uma grande descoberta que mostra uma fase, no desenvolvimento do jovem Rembrandt".

Quando eu e Six nos reencontrámos em Outubro, ele estava de mau humor. Insistiu que Sander Bijl estava apenas a tentar ganhar dinheiro à sua custa. "Quando Dan Brown escreveu 'O Código Da Vinci', teve todo o tipo de processos judiciais", disse ele. "Francamente, acho que tenho sorte de só ter um tipo a vir atrás de mim". 
Descartou a minha sugestão de que a sua fixação em Rembrandt tinha toldado o seu juízo profissional. Nem sequer quis dar crédito às provas de que Bijl também tinha visto o retrato como um provável Rembrandt. E exprimiu amargura pelo facto de uma conspiração de outros, motivada, segundo ele, pelo ciúme e pela ganância, ter manchado o que viria a ser a sua descoberta pessoal e profissional e obscurecido um feito sem precedentes: "Na história da humanidade, nunca ninguém antes descobriu dois Rembrandts".

Apesar do seu declínio no mercado e nos programas universitários, a arte dos antigos mestres holandeses continua a ter um grande apelo popular. O sucesso ao longo dos anos do livro e filme "Rapariga com um Brinco de Pérola" e o romance de Donna Tartt "The Goldfinch" que tem no seu centro uma pintura da artista holandesa Carel Fabritius do século XVII, são espelhados na presença de visitantes nas exposições do museu. Desde que o Rijksmuseum e o Mauritshuis reabriram após renovações há alguns anos, cada instituição viu o número de visitantes aproximadamente duplicar. "Dentro dos antigos mestres, penso que a arte holandesa é muito mais acessível do que, digamos, a arte religiosa italiana ou o barroco exagerado", disse Ronni Baer, curador do Museu de Belas Artes, a fim de explicar a sua popularidade. "Todos podem compreender uma natureza morta ou um interior".

Se no mundo dos velhos mestres holandeses, que sabem como a arte é popular entre as pessoas comuns e esperam inverter o seu declínio na academia e no mercado, muitos aplaudiram Jan Six quando ele fez as suas descobertas, foi certamente porque o viram como um jovem campeão atraente da causa. Ele tem o pedigree, é claro. Mas para além disso, ele compreende muito bem o que torna esta arte especial. 
Afastando-se de temas estritamente religiosos e destacando o mundo à sua volta - naturezas mortas, paisagens, retratos - os pintores da época criaram obras de arte que são janelas para aquilo que nós somos. 
As pessoas que dedicam as suas vidas ao campo fazem-no por um sentido de dedicação e tratam-no como uma causa. "Temos de lutar pela importância da arte holandesa", disse Emilie Gordenker, directora dos Mauritshuis, a casa tanto da "Menina com um Brinco de Pérola" de Vermeer como do "The Goldfinch" de Fabritius. "Temos de nos certificar que as histórias destas pinturas ainda importam".

Alguns dos maiores especialistas do campo - directores de museus, curadores, académicos - expressaram desapontamento em Six após o seu desastre, embora ninguém quisesse dar o nome. "Isto é uma coisa muito triste, porque as pessoas já suspeitam que os negociantes de arte são trapaceiro", disse um deles que não quis ser identificado. "Posso dizer-vos que algumas pessoas falam Jan Six como de um Icarus".

Um negociante disse-me que Six tinha cometido o erro de um jovem ao lidar com a controvérsia: "Ele devia ter agido imediatamente para resolver o assunto calmamente". Mesmo que sentisse que tinha razão, sugeriu o negociante, a atitude prudente teria sido chegar a um acordo em nome da preservação da sua reputação. "Este negócio é inteiramente baseado na confiança", prosseguiu o negociante. "As pessoas têm de confiar em si - e na sua pintura". Para sublinhar o ponto, o concessionário disse-me que ele próprio tinha perguntado a um comprador proeminente se queria que ele conseguisse um preço sobre um dos dois quadros qu Six tinha desenterrado, mas que o comprador tinha respondido: "Não com essa controvérsia em torno dele".

No mundo em geral, no entanto, as controvérsias desvanecem-se. A última vez que falei com Jan Six, em Fevereiro, ele estava com um humor completamente diferente. Para comemorar o 350º aniversário da morte de Rembrandt este ano, a emissora holandesa NPO pediu-lhe que gravasse uma série televisiva em cinco partes na qual Six vagueia pelas ruas onde o pintor vivia, onde frequentou a escola, em Leiden e passa por várias obras-primas. 
É Six a fazer o que faz melhor: comunicar a sua paixão, desta vez a um público muito vasto, o que é uma novidade para si. "Há centenas de milhares de pessoas a verem-me na televisão e a apreciarem", disse. "De repente, todos os tipos de pessoas me contactam. Algumas têm um quadro antigo para o qual querem que eu olhe. Uma mulher acabou de me telefonar. Disse que vai fazer 75 anos e a sua irmã gémea é louca por Rembrandt. Perguntou-me se havia alguma forma de eu dar um salto ao almoço de aniversário delas e falar sobre Rembrandt durante uns minutos. Tão querida - claro que vou! Isto deu-me um grande impulso".

Também lhe deu alguma distância da "bolha", como ele se referiu à elite do mundo da arte e permitiu-lhe começar a sair do seu ano excitante mas excruciante. "Foi épico e fantástico e depois tudo mudou. Percebi que estar tão obcecado por um pintor não é necessariamente uma coisa boa. Mas é claro que ainda o sou".

Se andar a passear no centro de Amesterdão, só há um sítio onde possível fazer contacto visual com Jan Six - o Jan Six original, quero dizer. O seu retrato está situado na mansão Six, de uma maneira que, com um pequeno guindaste, é visível da calçada em frente. Está numa posição de cima, olhando para baixo, na sua direcção. 
Jan XI gosta de falar da maneira como Rembrandt apanhava os olhares. Este, do seu antepassado e homónimo, parece apanhado por um turbilhão de melancolia, uma consciência, consciente e cansada das frustrações e limitações da vida humana.

Essa foi a epifania que Jan Six XI teve quando adolescente, olhando para o retrato do seu antepassado e que o fez partir em busca da sua própria identidade, distinta da dos seus antepassados: que alguém de há três séculos e meio pudesse, com tinta sobre tela, transmitir a essência humana de uma forma ainda totalmente inteligível, nos dias de hoje. Que, portanto, talvez a identidade, com todas as suas falhas e inseguranças, os seus dotes de perspicácia e as suas reservas de empatia, sendo individual, seja ao mesmo tempo universal.

Russell Shorto para a https://www.nytimes

November 07, 2022

Lendas medievais



Porque chamavam a Ricardo I, "O Coração de Leão"? 


Segundo um romance do século XIII, quando Ricardo I foi preso pelo Rei Modrad de Almain no seu regresso da Cruzada, a filha do seu captor, Margery, apaixonou-se por ele.
Margery subornou os guardas para a deixarem ver Ricardo I. Quando Modred descobriu o que se passava, quis matar Ricardo I imediatamente, mas os seus conselheiros convenceram-no a fazer com que parecesse um acidente. Então, planearam deixar o leão da corte à fome durante alguns dias e depois fazer de maneira a que ele "acidentalmente" entrasse na cela de Ricardo I.
Quando a princesa soube dos planos do seu pai, contou a Ricardo I e implorou-lhe que fugisse. Mas ele não quis ouvir falar disso. Em vez disso, pediu-lhe quarenta lenços de seda, que atou à volta do braço direito.
Quando o leão entrou na cela e o atacou, Ricardo I lançou o seu braço protegido à goela do leão e arrancou-lhe o coração.
É claro que deu graças a Deus por tê-lo protegido na luta. Depois, marchou para o refeitório do Rei.
Diante dos olhos da corte, Ricardo I atirou o coração para a mesa, agarrou num punhado de sal, temperou-o e depois procedeu a comê-lo cru!
Foi assim que se ganhou a maior alcunha da história. Acredite na lenda.

Se é um fanático do "rigor histórico", pode pôr as coisas desta maneira: Ricardo I tornou-se um homem tão famoso pelas proezas e coragem no campo de batalha que contavam esse tipo de histórias sobre ele e achavam-nas adequadas.

July 24, 2022

Uma pequena e singela história para começar bem o dia



Rebecca Rideal

@RebeccaRideal

Uma pequena história: Um dia, quando eu tinha onze anos e ainda estava na Escola Primária, a minha mãe foi à cabine telefónica nas traseiras da nossa casa (não tínhamos um telefone de casa).
Caso esteja a imaginar as caixas de pilares vermelhas, não era uma delas. Era 1994 / 1995 e era uma das 'modernas' com o logótipo BT ao lado; as chamadas eram de 20p cada vez.

De qualquer modo, eu e os meus três irmãos mais novos esperámos nervosamente em casa com o nosso pai. Vivíamos os seis numa casa de dois quartos, que era propriedade da Grosvenor Housing - habitação social.

Éramos pobres e tínhamo-lo sido toda a nossa vida. "Pobres em dinheiro, mas ricos em amor", como diriam os meus pais. Tínhamos frequentemente comida do Exército de Salvação e presentes de Natal da igreja local.

O nosso pai tinha tido um esgotamento nervoso alguns anos antes e estava incapaz de trabalhar. A nossa mãe fazia serviço de mesa a tempo parcial, em festas, sempre que podia, mas nos últimos dois anos estava a estudar na faculdade. Duro.

Era disto que se tratava a chamada. Tinha-se qualificado recentemente como assistente de sala de aula (como lhes chamavam então) e tinha ido a uma entrevista alguns dias antes. O telefonema era para ver se ela tinha o emprego.

Parecia que ela tinha desaparecido para sempre. Eu sabia que a minha mãe era encantadora e que seria maravilhosa com outras crianças, mas eles tinham entrevistado muitas pessoas. Nós esperámos. Depois ela regressou. O seu rosto era ilegível, mas havia um brilho nos seus olhos.

'Consegui!', disse. Gritámos todos de alegria. Não podíamos acreditar. Um trabalho a sério, regular e seguro. Eu estava tão orgulhosa dela e à minha maneira infantil, orgulhosa de ser filha de alguém com um trabalho tão impressionante. O salário seria de cerca de 11.000 por ano, mas isso iria mudar as nossas vidas.

Havia lágrimas. Muitas e muitas lágrimas ao imaginarmos todas as formas em como as nossas iriam mudar. Ela começou a trabalhar na escola em Setembro. Era uma escola com Crianças com necessidades educativas especiais e deficientes e ela começou com uma criança adorável que tinha tido meningite quando era bebé. A minha mãe adorava-o. 
Adorava todas as centenas de crianças pequenas que passavam pelos seus cuidados, e ao longo dos anos acrescentou às suas qualificações: linguagem gestual, primeiros socorros, aprender muito e dar ainda mais. Já se passaram 27 anos e hoje é o seu dia de reforma.

Só queria dizer o quanto estou orgulhoso dela. Mudou as nossas vidas e escolheu uma carreira onde fez uma enorme diferença na vida de alguns dos mais vulneráveis da nossa sociedade. É brilhante, a minha mãe. À Julie!
🥂

(estes professores de educação especial fazem muita falta nas escolas)