Auditor acusa Estado de omitir "valores relativos a certificados de aforro e do tesouro vencidos e não pagos" e teme "impacto nas famílias". Prescrição de títulos ultrapassa os mil milhões de euros.
Há presos a mais e falta de lugar nas prisões. Biliões e biliões que vêm de Bruxelas e se somem pelo ralo dos ministérios enquanto todos os serviços públicos vêm sendo desfalcados desde há 15 anos. Mas não faz mal, agora, para compensar as desgraças, teremos mais uma classe de amigos do poder num edifício faraónico de centenas de milhões para alegrar a nossa vida.
Sete meses de greve no Linhó. “Sinto que nos querem mortos-vivos”
Guardas exigem que os reclusos inactivos fiquem fechados 22 horas por dia. Presidente do sindicato diz que “a cadeia tem de ser sentida”. Reclusos vivem um “inferno”.
Guardas exigem que os reclusos inactivos fiquem fechados 22 horas por dia. Presidente do sindicato diz que “a cadeia tem de ser sentida”. Reclusos vivem um “inferno”.Leia também: Guardas prisionais fizeram 220 greves em doze anos e meio
Já nem se sente bem um ser humano a cumprir pena no Estabelecimento Prisional do Linhó, em Cascais. “Sinto que nos querem mortos-vivos. Sinto que só temos direito de respirar.”
Os guardas entraram em greve no dia 6 de Dezembro. O Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP) tem renovado sucessivamente o protesto, fazendo um único intervalo entre 10 e 18 de Janeiro.
Para manter a forma, mas sobretudo para obter algum bem-estar, aquele recluso alonga pernas, tronco, pescoço, quadríceps, tríceps. “A minha sorte é a música, que me motiva a movimentar o corpo. Muitos não têm nada para passar o tempo.”
Os gritos chegam em cartas escritas à mão, com letra de imprensa ou cursiva, perfeita ou disforme, grande ou miudinha, mas decifrável. São ecos que saltam o muro de quatro metros e se propagam cá fora.
Já aguentaram Dezembro, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e metade de Julho. “A CP faz greve e isso está todos os dias na TV”, observa outro recluso. “No Linhó, há meses que fazem greve e ninguém quer saber.”
A segurança como razão
O que leva o SNCGP a convocar o oitavo mês de protesto sem anunciar um fim? O que leva os 133 elementos ali colocados a aderir mês após mês?
Os avisos referem duas razões um tanto difusas: “Falta de condições de segurança” e “não-resolução dos problemas elencados na última reunião entre representantes do SNCGP, da DGRSP [Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais] e do estabelecimento prisional”.
A Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho considera a violência como um dos principais factores de stress e coloca os guardas prisionais entre os mais expostos: trabalham por turnos, num universo fechado, sempre alerta, sujeitos a violência.
Este ano, a DGRSP registou uma agressão de reclusos a guardas do Linhó. No ano passado, 13. Há dois anos, três. Há três anos, sete. Mas a violência não será unidireccional. Na visita de 2024, a Provedoria de Justiça encontrou “relatos credíveis de agressões perpetradas por elementos de vigilância a reclusos”, “encobrimento de evidências de maus tratos” e “falta de informatização e tratamento de dados sobre alegações de maus tratos”.
“No Linhó, estão as gerações mais jovens de reclusos e guardas”, explica o presidente do SNCGP, Frederico Morais. “Quando os jovens guardas são colocados em Lisboa, costumam ficar ali. Há um conflito muito maior.”
São 475 reclusos, a maior parte com 21 a 30 anos. Agora, quase todo o dia fechados em celas rectangulares de cinco passos por três.
Mais de metade (254) não estuda nem trabalha. Há pouca variedade nas ofertas de ensino e formação. Não chega para todos o trabalho nas oficinas, na exploração agro-pecuária, na manutenção dos edifícios e jardins, nas cantinas/bares. Acaba por ser um privilégio que se atribui ou retira.
Os guardas exigem que estes reclusos, designados por inactivos, deixem de ter quatro horas de recreio a céu aberto (duas de manhã e duas de tarde). Exigem que tenham duas seguidas (de manhã ou de tarde), como em Monsanto, o único de segurança máxima.
O presidente do SNCGP não esconde a intenção: “Queremos transportar para fora da greve o modelo que se aplica na greve. A cadeia não é uma colónia de férias. A cadeia tem de ser sentida. Quem não tem actividade não tem de estar no recreio a apanhar banhos de Sol.”
É esse o braço-de-ferro. “A direcção já aceita reduzir para uma hora e meia de manhã e uma hora à tarde. Nós queremos duas de manhã ou de tarde. Não queremos tempos separados, porque isso vai obrigar a que haja reclusos inactivos e activos no mesmo recreio.”
O Linhó é um teste. Vincando que a falta de guardas não se resolverá de um momento para outro, Frederico Morais revela que gostaria de expandir o modelo defendido para ali. Reitera que é por segurança. “Se estão sem fazer nada, estão a inventar qualquer coisa.”
Teve uma alegria esta semana. A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, admitiu que, enquanto houver falta de guardas em Alcoentre, onde decorre uma greve ao trabalho suplementar e 30 guardas estão de baixa médica, os reclusos tenham menos uma hora de recreio.
Até 27 horas na cela
Que consequências tem esta greve para os guardas? “Por causa dos serviços mínimos, o número de guardas é o do costume”, responde o dirigente sindical. “Todos fazem parte dos mínimos.”
Que consequências tem para os reclusos? Não é só o recreio reduzido. Visitas, uma hora por semana, em vez de duas. Visitas íntimas, nenhuma. Videochamadas para quem não tem visitas presenciais, nenhumas até Maio. Correio, só uma vez por semana. Comida entregue pelas visitas, zero. Idas ao médico, só se forem urgentes. Idas ao tribunal, só se interferirem na liberdade. Ginásio, fechado. Biblioteca, fechada. Até 30 de Junho, não tinham assistência religiosa ou espiritual, actividades desportivas, socioculturais.
O recreio ora calha de manhã, ora calha à tarde. Diz um recluso: “Chegamos a ficar 27 horas trancados. Há pessoas que passam o tempo a olhar para as paredes ou a ler o mesmo livro três ou quatro vezes.”
O marido de Luana Nogueira é um dos que passam os dias “a dormir ou a olhar para as paredes”. Todos os pertences têm de estar identificados. Descolou-se do televisor o selo com o seu número. “Tiraram-lho em Abril e ainda não lho devolveram. Não entregam. Não deixam entregar livros, revistas. Nem um rádio. Eu levei um e não entregaram.”
Nas cartas aparecem casos desses embrulhados em desespero. “Fico fechado na cela 22 horas por dia sem televisão”, escreve um. Pedira ao advogado que lhe trouxesse um televisor. O homem anuíra, mas o aparelho ficara à porta. “Eu acho muito desumana essa situação.”
Não era por sua vontade que não estava a trabalhar. “Estou aqui há meses e ainda não me deram oportunidade de trabalho. Peço trabalho, os guardas não ajudam, a reinserção também não dá a mínima.”
Pelo menos um recluso conseguiu, graças à namorada. “É suposto só passarem quatro meses nos inactivos, mas ele ficou oito”, conta ela, de nome Mariana Ribeiro. “Transferiram-no depois de eu apresentar queixa na DGRSP.”
A solidão aperta, apesar do telefone na parede de cada cela. “Um telefone na cela, sem dinheiro, é um objecto sem valor algum”, enfatiza um. E as visitas passaram de duas por semana para uma sem que se tenha aumentado o número de visitantes. “Como eu sou pai de três e só pode haver três pessoas na visita, nunca consigo estar com os meus filhos na mesma semana”, conta outro.
O pior Natal
De 6 de Dezembro a 10 de Janeiro, ninguém conseguiu ir às aulas. Dada a proximidade das férias de Natal, não ficaram contempladas nos serviços mínimos. Só quem trabalha passava o dia fora da cela.
Apenas uma vez por semana, no tempo do recreio, podem fazer compras – tabaco, dentífrico e outros produtos de higiene, iogurtes e outros produtos alimentares. No princípio, o acesso não estava organizado. Era um ver se te avias. Na confusão, cotoveladas, empurrões, quedas.
Dizem que “foi o pior Natal de sempre”. Pouco antes, houve uma série de rupturas nas condutas que perturbaram o abastecimento de água durante seis dias. Não foi expedita a entrega de garrafa de água potável para beber e de baldes de água para uso sanitário.
Novas rupturas foram sendo detectadas e reparadas, afectando, sobretudo, a ala b (inactivos) e o pavilhão de segurança. Houve quem urinasse em garrafas ou defecasse em sacos de plástico e atirasse pela janela fora.
Não ficou tudo resolvido. Logo no dia 5 de Janeiro, falhou o abastecimento de energia eléctrica. Isso afectou o bombeamento de água, o que levou a instalar um gerador no estabelecimento prisional.
“Estamos a viver um inferno”, escreveu um naquela altura. “Estamos a tomar banho em água gelada quase todos os dias e esta greve prolonga-se. Estamos todos a ficar psicologicamente afectados.” Falhas na higiene
Têm sido meses tensos. Houve vários conflitos entre a directora do estabelecimento prisional, Ana Paula Pardal, e os guardas. Todos sobre os serviços mínimos. O Colégio Arbitral foi procurando um equilíbrio entre o direito à greve e os direitos fundamentais dos reclusos.
No dia 29 de Janeiro, o SNCGP fez uma participação à Procuradoria-Geral da República. Os guardas recusavam-se a entregar os sacos de roupa suja dos reclusos e a receber os sacos de roupa limpa trazidos pelas visitas e ela ameaçou-os com processos disciplinares.
Na decisão tomada pelo Colégio Arbitral no dia 25 de Fevereiro, a situação foi resolvida: a troca de roupas passou a constar de forma explícita nos serviços mínimos acordados. O sindicato recorreu à Relação.
Este mês, a entrada do saco da roupa não foi contemplada nos serviços mínimos. A direcção mandou instalar em cada ala tanques e estendais. E lançou um “processo para aquisição de máquinas de lavar e secar roupa para a lavagem do vestuário pessoal dos reclusos”.
Não foi a única interferência da greve no modo como os reclusos se apresentam. Até Abril, esteve interdito o acesso a máquinas/lâminas de barbear e corte de cabelo.
“O meu marido esteve uns dois meses sem receber roupa limpa, vinha à visita com a roupa suja, a cheirar mal”, relata Luana Nogueira. Ficou ainda mais tempo sem fazer a barba e sem cortar os cabelos. “Tinha a barba até ao peito.”
Está preocupada. “Tenho medo que lhe aconteça alguma coisa. Ele não é a mesma pessoa. Não está bem. Já não come. Está muito magro.” O jovem, de 25 anos, já nem vai ao pátio. “O barulho faz-lhe confusão.” Duas mortes
Nos primeiros sete meses, nenhum tipo de apoio religioso ou espiritual esteve contemplado.
“A greve dos guardas impedia a minha entrada”, diz, por exemplo, o diácono José Noronha. Só esta quinta-feira voltou a fazer acompanhamento pessoal e este sábado a celebrar a eucaristia.
“É um direito constitucional”, sublinha o capelão. “Várias vezes chamei a atenção das pessoas responsáveis pelo estabelecimento prisional, sempre com cópia para o comissário. Responderam-me sempre que não era possível.”
Nos primeiros quatro meses, o acompanhamento psicológico esteve limitado aos reclusos clinicamente considerados em situação de urgência. Os guardas recusaram-se a acompanhar outros reclusos a essas consultas.
O Colégio Arbitral deu razão à DGRSP, declarando “essencial manter a estabilidade e a saúde mental da população reclusa”. “A visão da SNCGP menoriza claramente a importância das consultas de psicologia e, com todo o respeito, enferma mesmo de um claro preconceito em relação ao apoio psicossocial”, lê-se na decisão de 20 de Março.
No dia 7 de Março, um jovem de nacionalidade brasileira enforcou-se. No 21 de Maio, um jovem de nacionalidade cabo-verdiana também apareceu morto. No dia 13 de Junho, um outro jovem pegou fogo ao colchão. Por ter inalado fumo, foi conduzido ao Hospital de Cascais. "No momento da alta, ainda nas instalações hospitalares, agrediu um dos elementos da vigilância", informou a DGRSP. Semanas antes, outro pegara fogo à roupa.
Um dos autores das cartas conhecia bem o primeiro a morrer. Tinha 28 anos e expiava uma pena por tráfico de droga. Preso desde 2023, não tivera acesso ao Programa Integrado de Prevenção de Suicídio.
“Ele tinha muitas dívidas”, revela. Pagava-as lavando a roupa e fazendo outros favores a reclusos. Com a greve, tinha menos tempo cá fora. As dívidas multiplicaram-se. “Fechou a cabeça. Já não saía da cela.”
A segunda morte levou Mamadou Ba, dirigente da associação SOS Racismo, a escrever um comentário no Facebook. “Tenho sempre muitas dificuldades em acreditar […] em ‘suicídios’ de pessoas negras nas prisões. A minha convicção é de que a probabilidade de serem mortas pela violência dos guardas prisionais é mais alta.”
O SNCGP processou-o por difamação. “Nós não temos nada a ver com essas mortes”, vinca Frederico Morais. “Essas pessoas que se suicidaram tinham problemas psiquiátricos. Deviam estar na ala psiquiátrica do hospital prisional ou na clínica de Santa Cruz do Bispo.”
A DGRSP não culpa os grevistas. “Atenta a complexidade que está subjacente ao acto de suicídio, é abusivo atribuir/associar estas duas situações à greve do corpo da guarda prisional e às dificuldades que esta acarreta.”
Retomar de actividades
No final de Junho, alguns reclusos pareciam ter atingido o limite. “A situação piora de dia para dia. Estamos a ser psicologicamente torturados.”
Este mês, além da assistência religiosa/espiritual, voltou a ser possível a quem não recebe visitas presenciais ter uma hora por mês de chamada por videoconferência. Pouco a pouco, estão agora a ser retomadas as actividades estruturadas de cariz desportivo e sociocultural, como as do cantor Dino Santiago, a Companhia Olga Roriz ou o Teatro Experimental de Cascais.
O SNCGP não queria. Entendeu o Colégio Arbitral que “às actividades socioculturais e desportivas deve aplicar-se o mesmo entendimento que ao acompanhamento psicológico”. “Restringir as actividades socioculturais e desportivas corresponde, na prática, a um aumentar das necessidades de apoio psicológico.”
“Não podemos estar a fazer actividades que são para entreter”, argumenta o presidente do sindicato, dando um exemplo concreto. “Nós estávamos a recusar as danças porque não achávamos que fossem úteis.”
Catarina Câmara, responsável pelo projecto Corpo em Cadeia, da Companhia Olga Roriz, já tinha notado a relutância de alguns guardas. Como se a ideia de reinserção não lhes fizesse sentido. “Como se nós ajudarmos aquelas pessoas a serem melhores os prejudicasse.”
A dança faz parte da reabilitação. “A agressividade é fruto de incompetência emocional”, esclarece Catarina Câmara. “A experiência artística permite experimentar novas formas de expressão, conexões físicas, psíquicas, emocionais e simbólicas. Ao se descobrirem no gesto poético e criativo, também descobrem o cuidado, a gentileza e um sentido de dignidade que não se confunde com orgulho.”
No entender do presidente do SNCGP, a guarda está para garantir a segurança, não para fazer reinserção social. “A reinserção social é trabalho dos técnicos. Isso é uma carreira diferente. Só pode haver reinserção se as cadeias forem seguras.”
Neste sábado, às 16h, há uma caminhada "pela dignidade dos presos" entre a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e o Palácio da Justiça, em Lisboa. O protesto é uma iniciativa de diversas organizações da sociedade civil e nele devem participar vários familiares de presos.
"Não há ninguém que não saiba que quando uma determinada actividade profissional entra em greve, o objectivo é, de algum modo, causar prejuízo à entidade patronal, de modo a fazer jus às suas reivindicações", diz Vítor Ilharco, secretário-geral da Associação de Apoio aos Reclusos. "O que é que acontece aqui é que a entidade patronal, que é o governo, está-se perfeitamente nas tintas. As únicas pessoas que ficam prejudicadas são os reclusos e as suas famílias."
Esta é uma historia de um rapaz que foi adoptado aos seis anos de idade por uma família de acolhimento, que tem um comportamento anti-social e foi diagnosticado como psicopata e que tem piorado à medida que avança na idade (roubos, agressões, violência contra animais, toxico-dependência, etc.), ao ponto da família de acolhimento estar desesperada e a pensar mudar de casa para fugir dele antes que enlouqueçam todos ou que ele faça mal ao filho mais novo -que ameaça amiúde- que já teve de ter acompanhamento psiquiátrico por causa dele. Toda a gente tem medo dele. Tem agora 21 anos e não adere a qualquer projecto de formação. Os médicos recomendam que ele seja internado e acompanhado numa instituição psiquiátrica - o caso dele é um dos que todos conhecem. O Estado não tem soluções: não há vagas em lado algum. O tribunal obrigou, primeiro o pai e agora a mãe a serem seus tutores e responsabilizarem-se por ele.
Esta é a história do nosso país: entre os que fogem ao fisco e os que usam o dinheiro dos contribuintes para empregar filhos, primos, amigos e amantes, não sobra dinheiro para as instituições públicas. Tanto dinheiro que entra nos cofres públicos via impostos, transferências de biliões da UE e via turismo e, no entanto, não é usado para melhorar a vida dos cidadãos. Some-se todo nos gabinetes do Estado.
Um professor lê esta história e reconhece-a nos alunos que andam pelo sistema de ensino com problemas psiquiátricos graves a representar um perigo para toda a comunidade escolar -agressões, violações, toxico-dependência, comportamento anti-social, etc.- e a quem o Estado volta as costas, deixando aos professores, que não são psiquiatras, a tarefa de lidar com eles e, ao mesmo tempo, zelar pela segurança e ambiente de aprendizagem dos outros todos.
O Estado prefere normalizar a violência e aceitar níveis de violência intoleráveis. ainda há pouco tempo soubemos daqueles alunos que se organizaram em gangue para violar colegas de 11 e 12 anos de idade com o conhecimento de adultos da escola. A legislação nem sequer obriga a que os EE informem a escola dos problemas psiquiátricos dos educandos, de maneira que muitas vezes descobrimo-los in loco.
Uma pessoa assim -com impulsos agressivos, por exemplo- pode estragar completamente uma turma inteira de alunos porque cria um clima de agressividade e conflito constantes que dificultam ou impedem a possibilidade de um clima propício à aprendizagem. E por vezes, não só lidamos com os alunos com estes problemas mas também com os seus EE que protegem os comportamentos dos filhos ou se desresponsabilizam deles porque não sabem como lidar com eles e o Estado não ajuda nem quer saber.
Alunos sociopatas e psicopatas com tendências agressivas são um perigo deixados livres no meio dos outros. Não são passíveis de inclusão social em ambientes escolares, não beneficiam nada da aprendizagem escolar e têm de ter tratamento e acompanhamento apropriado, em locais apropriados de contenção dos seus comportamentos predatórios, com pessoas especializadas.
Lemos este artigo e sentimos o inferno que é a vida desta família de acolhimento a quem o Estado delega responsabilidade e deveres e não reconhece nenhum direito, nem mesmo o direito à segurança de vida.
Família foge de casa para evitar filho. PGR diz que pais não podem escusar-se a serem tutores
Tribunal forçou pais a serem tutores de rapaz com défice cognitivo e psicopatia. Havendo conflitos familiares, “tem de se nomear uma terceira pessoa”, diz especialista.
A casa de acolhimento de crianças e jovens em risco atingiu o limite: expulsou o rapaz, que combina défice cognitivo com comportamento anti-social persistente. E a família tem tanto medo dele que fugiu de casa. “É demasiado angustiante”, diz a mãe.
Chamemos Gabriel a este rapaz, como noutro texto que o PÚBLICO lhe dedicou. E Paula e Dinarte ao casal que o adoptou aos seis anos. Aos 16, o comportamento agravou-se muito e o rapaz voltou ao sistema de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo.
Nunca houve lugar para Gabriel numa das seis casas especializadas em saúde mental do sistema de protecção de crianças e jovens. Nem quando a perícia médico-legal lhe diagnosticou um “transtorno da personalidade anti-social persistente” — um “grau moderado de psicopatia”.
“Assusta toda a gente”, diz Ana Moutinho, coordenadora das casas da Crescer Ser — Associação Portuguesa para os Direitos da Criança e da Família, entre as quais a Casa do Vale. “Pega num portátil de 500 euros e vai vender por 5 euros para comprar uma dose [de haxixe].”
Nas suas fugas, praticou vários furtos em supermercados e roubos “a velhinhas”. Chamada a polícia, esta levava-o para a urgência psiquiátrica do Hospital de São João, no Porto. Nunca os psiquiatras consideraram que reunia critérios para internamento involuntário. Iam dizendo que "precisa de acompanhamento terapêutico especializado e de um espaço mais contentor”.
Só no último trimestre de 2023, a psiquiatra sinalizou Gabriel para uma unidade de saúde mental de longa duração. Até agora, nenhuma vaga se abriu para si.
No filme "Um Ano Mais Violento", o diretor Jeffrey C. Chandor retrata uma sociedade americana mergulhada no caos, dilacerada por uma série de violências crescentes. As autoridades competentes já não conseguem manter a ordem; o Estado, a polícia e as leis estão sobrecarregados.
Mas o que aconteceria se o Estado simplesmente não existisse? Por é que os seres humanos precisam de uma tal instituição? Se os humanos fossem naturalmente bons, gentis e racionais, teoricamente seriam capazes de se autogovernar...
Essa não é a visão de Thomas Hobbes, que considera o Estado como absolutamente fundamental: sem ele, as coisas inevitavelmente se transformariam em caos.
¿Conhece as célebres máxima:
"O homem é um lobo para o homem."
"O homem é um deus para o homem."
"O homem é a medida de todas as coisas."
Se Hobbes procura estabelecer os fundamentos do Estado, é também porque escreve na Inglaterra do século XVII: está traumatizado pela guerra civil que ocorre naquele momento e, especialmente, pela execução do rei Charles I.
Não é que o homem seja fundamentalmente mau, mas representa sempre uma ameaça para seu semelhante.
- Hobbes
Inquérito - Acredita que o homem é naturalmente bom?
Sim, ele é bom: são as condições em que ele se desenvolve que o corrompem. 64% dos entrevistados escolheram essa resposta.
Não, ele é mau: é precisamente a função das sociedades reeducá-lo. 36% dos entrevistados escolheram essa resposta.
Para Hobbes, não há nada pessimista nessa antropologia. A sua abordagem é realista.
Inquérito - Você tranca a porta quando sai de casa?
- Sim 90% dos entrevistados escolheram essa resposta.
- Não 10% dos entrevistados escolheram essa resposta.
Ao destacar alguns de nossos comportamentos, Hobbes busca mostrar que, mesmo quando acreditamos que o homem possui uma bondade original, na realidade, agimos como se ele fosse mau.
Cada vez que trancamos uma porta, provamos que não confiamos na benevolência do homem, não excluímos a priori a possibilidade de alguém nos roubar, mesmo que participemos de festas políticas, sejamos generosos ao doar para instituições de caridade e tenhamos posteres de "Paz e Amor" em nossa sala.
Como é que isso esclarece a sua teoria política? Se Hobbes chega a essa conclusão, é porque busca delimitar a natureza humana, especialmente analisando suas paixões.
Para ele, isso permitirá entender por que o homem concordou em se submeter ao Estado. Daí um gesto filosófico poderoso... Para compreender melhor o que é o homem e, assim, construir a teoria política que busca saber por que e como governá-lo, Hobbes começa por analisar a "condição original da humanidade", ou seja, a condição em que o homem vivia antes de viver em sociedade: o estado de natureza.
Porém, "Nunca houve um tempo como esse", é apenas uma experiência mental. Para Hobbes, no estado de natureza, os homens são semelhantes. Não fisicamente, mas em termos de desejos: querem as mesmas coisas e têm as mesmas aspirações. Qual é a consequência dessa identidade de desejos? Se dois homens querem a mesma coisa, da qual não podem desfrutar juntos, tornam-se inimigos um do outro. Para alcançar seu objetivo, eles se esforçam para destruir ou subjugar um ao outro.
Thomas Hobbes Leviatã (1651)
No estado de natureza quem vence? Ou todos ganham?
Não, há sempre um vencedor, mas isso depende do contexto. Mesmo que alguns tenham uma força física maior, outros são mais astutos, de modo que cada um tem a sua força suficiente para neutralizar seu semelhante.
Portanto, não é a lei do músculo?
Ah, não! Os astutos têm outros truques na manga.
O mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, seja por meio de uma conspiração secreta, seja unindo-se a outros ameaçados pelo mesmo perigo que ele mesmo. Thomas Hobbes Leviatã (1651)
Para Hobbes, no estado de natureza, os homens são iguais! E isso não é uma coisa boa?
Não, porque a natureza, que "fez os homens iguais", levou-os a oporem-se precisamente por essa razão, devido a uma "igualdade de esperança de alcançar nossos fins". Nenhum deles está disposto a sacrificar seus desejos, a desistir deles.
O reconhecimento da igualdade estimula a competição e a rivalidade. Mas por que imaginar tal hostilidade entre os homens? Mesmo que os homens sejam dotados de razão, é principalmente o desejo que os move, e esse desejo é antes de tudo um desejo de poder - não no sentido de dominação, mas de poder agir, o desejo de "assegurar para sempre o caminho de seu desejo futuro".
Em suma: no estado de natureza, na ausência de um regulador das paixões, os desejos não se podem conciliar ou harmonizar. O facto é que os outros sempre podem ser um obstáculo para a sua realização, seja porque eles possuem algo que eu quero ou porque desejam a mesma coisa que eu, seja um bem, um abrigo ou qualquer outra coisa.
Portanto: A equação é a seguinte: DESEJOS SIMILARES + IGUALDADE = GUERRA DE TODOS CONTRA TODOS.
Nesse estado de "guerra de todos contra todos", "reina um medo constante, um perigo de morte violenta".
A vida humana é solitária, miserável, perigosa, animal e breve.
Leviatã
O homem está preso num medo constante mas Hobbes acredita que podemos aproveitar esse medo. No estado de natureza, o medo é difuso, paralisante, monstruoso... Somente um monstro pode combater outro monstro.
É nesse momento que Hobbes introduz o "Leviatã", que simboliza o poder do Estado. O Estado causa medo? Sim, os homens criaram o Estado para sair de seu estado de guerra através da própria paixão do medo.
Antes, eram todos os meus semelhantes que me inspiravam um verdadeiro medo; agora, será apenas uma única entidade: o próprio Estado.
Paradoxalmente, as mesmas razões que levaram ao estado de guerra (medo e cálculo) levam a sair do estado de natureza.
Como é que o Estado causa o medo?
O seu poder e eficácia baseiam-se na possibilidade que lhe é reconhecida (e negada a todos os outros) de exercer a violência.
O seu poder é imenso porque depende do poder próprio de todos aqueles que o abandonam.
Por que aceitamos essa violência?
É por meio de um contrato (chamado de contratualismo), um acto voluntário e jurídico, que os indivíduos renunciam à sua liberdade natural em favor de um soberano que estabelece a paz e as condições de uma ordem, de uma vida estável para seus súditos. O soberano está acima das leis e dos direitos, pois é ele próprio que os estabelece.
Certamente, o Estado conforme imaginado por Hobbes não é um Estado de direito, regido e regulado por outra instância que não ele mesmo. Não é como o nosso atual Estado que deve, por exemplo, respeitar uma Constituição.
A natureza absoluta do poder é concebida por Hobbes tanto como condição de sua estabilidade (as suas leis não seriam respeitadas se ele não fosse forte) quanto como garantia de sua legitimidade, uma vez que é exercido em nome de seus súditos, em que todos concordaram em confiar-lhe a sua soberania.
É aceite por todos?
É como se cada indivíduo devesse dizer a todo o indivíduo: autorizo esse homem ou essa assembleia de homens e renuncio ao meu direito de me governar, sob a condição de que você renuncie ao seu direito e autorize todas as suas ações da mesma forma.
Leviatã.
Hobbes, então, justifica a monarquia absoluta?
É um ponto complicado. É certo, no entanto, que ele não é um democrata e que um Estado forte lhe parece necessário.
No entanto, apesar de inclinar-se para um regime monárquico, mina os seus fundamentos divinos - portanto, não a monarquia absoluta de direito divino, como a de Luís XIV, porque a autoridade não vem de Deus, mas dos próprios homens.
Então, o Estado causa medo, mas para o bem dos cidadãos?
De facto, nos escritos de Hobbes, encontramos momentos de louvor ao Estado e, implicitamente, a ideia de que realmente passamos de uma situação muito precária para uma condição muito mais harmoniosa.
Nas suas próprias palavras:
Na ordem do governo, a razão exerce seu domínio, a paz retorna ao mundo, a segurança pública é estabelecida, as riquezas abundam, desfrutamos dos encantos da conversa, vemos a ressurreição das artes, o florescimento das ciências; a decência é restabelecida em todas as nossas ações e não vivemos mais ignorantes das leis da amizade.