September 02, 2024

O Estado não tem soluções e não quer saber

 


Esta é uma historia de um rapaz que foi adoptado aos seis anos de idade por uma família de acolhimento, que tem um comportamento anti-social e foi diagnosticado como psicopata e que tem piorado à medida que avança na idade (roubos, agressões, violência contra animais, toxico-dependência, etc.), ao ponto da família de acolhimento estar desesperada e a pensar mudar de casa para fugir dele antes que enlouqueçam todos ou que ele faça mal ao filho mais novo -que ameaça amiúde- que já teve de ter acompanhamento psiquiátrico por causa dele. Toda a gente tem medo dele. Tem agora 21 anos e não adere a qualquer projecto de formação. Os médicos recomendam que ele seja internado e acompanhado numa instituição psiquiátrica - o caso dele é um dos que todos conhecem. O Estado não tem soluções: não há vagas em lado algum. O tribunal obrigou, primeiro o pai e agora a mãe a serem seus tutores e responsabilizarem-se por ele.

Esta é a história do nosso país: entre os que fogem ao fisco e os que usam o dinheiro dos contribuintes para empregar filhos, primos, amigos e amantes, não sobra dinheiro para as instituições públicas. Tanto dinheiro que entra nos cofres públicos via impostos, transferências de biliões da UE e via turismo e, no entanto, não é usado para melhorar a vida dos cidadãos. Some-se todo nos gabinetes do Estado.

Um professor lê esta história e reconhece-a nos alunos que andam pelo sistema de ensino com problemas psiquiátricos graves a representar um perigo para toda a comunidade escolar -agressões, violações, toxico-dependência, comportamento anti-social, etc.- e a quem o Estado volta as costas, deixando aos professores, que não são psiquiatras, a tarefa de lidar com eles e, ao mesmo tempo, zelar pela segurança e ambiente de aprendizagem dos outros todos. 

O Estado prefere normalizar a violência e aceitar níveis de violência intoleráveis. ainda há pouco tempo soubemos daqueles alunos que se organizaram em gangue para violar colegas de 11 e 12 anos de idade com o conhecimento de adultos da escola. A legislação nem sequer obriga a que os EE informem a escola dos problemas psiquiátricos dos educandos, de maneira que muitas vezes descobrimo-los in loco

Uma pessoa assim -com impulsos agressivos, por exemplo- pode estragar completamente uma turma inteira de alunos porque cria um clima de agressividade e conflito constantes que dificultam ou impedem a possibilidade de um clima propício à aprendizagem. E por vezes, não só lidamos com os alunos com estes problemas mas também com os seus EE que protegem os comportamentos dos filhos ou se desresponsabilizam deles porque não sabem como lidar com eles e o Estado não ajuda nem quer saber. 

Alunos sociopatas e psicopatas com tendências agressivas são um perigo deixados livres no meio dos outros. Não são passíveis de inclusão social em ambientes escolares, não beneficiam nada da aprendizagem escolar e têm de ter tratamento e acompanhamento apropriado, em locais apropriados de contenção dos seus comportamentos predatórios, com pessoas especializadas.

Lemos este artigo e sentimos o inferno que é a vida desta família de acolhimento a quem o Estado delega responsabilidade e deveres e não reconhece nenhum direito, nem mesmo o direito à segurança de vida.


Família foge de casa para evitar filho. PGR diz que pais não podem escusar-se a serem tutores

Tribunal forçou pais a serem tutores de rapaz com défice cognitivo e psicopatia. Havendo conflitos familiares, “tem de se nomear uma terceira pessoa”, diz especialista.



A casa de acolhimento de crianças e jovens em risco atingiu o limite: expulsou o rapaz, que combina défice cognitivo com comportamento anti-social persistente. E a família tem tanto medo dele que fugiu de casa. “É demasiado angustiante”, diz a mãe.

Chamemos Gabriel a este rapaz, como noutro texto que o PÚBLICO lhe dedicou. E Paula e Dinarte ao casal que o adoptou aos seis anos. Aos 16, o comportamento agravou-se muito e o rapaz voltou ao sistema de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo.

Nunca houve lugar para Gabriel numa das seis casas especializadas em saúde mental do sistema de protecção de crianças e jovens. Nem quando a perícia médico-legal lhe diagnosticou um “transtorno da personalidade anti-social persistente” — um “grau moderado de psicopatia”.

“Assusta toda a gente”, diz Ana Moutinho, coordenadora das casas da Crescer Ser — Associação Portuguesa para os Direitos da Criança e da Família, entre as quais a Casa do Vale. “Pega num portátil de 500 euros e vai vender por 5 euros para comprar uma dose [de haxixe].”

Nas suas fugas, praticou vários furtos em supermercados e roubos “a velhinhas”. Chamada a polícia, esta levava-o para a urgência psiquiátrica do Hospital de São João, no Porto. Nunca os psiquiatras consideraram que reunia critérios para internamento involuntário. Iam dizendo que "precisa de acompanhamento terapêutico especializado e de um espaço mais contentor”.

Só no último trimestre de 2023, a psiquiatra sinalizou Gabriel para uma unidade de saúde mental de longa duração. Até agora, nenhuma vaga se abriu para si.

(excertos - fonte: público)


2 comments:

  1. Sempre fui a favor da adopção e cheguei a propô-la à família próxima, que a recusou. Mas suponho que procedia como a família citada. E o Estado português sacode a água do capote e deixa o núcleo familiar, legalmente, a braços com um problema que não sabe, nem tem ferramentas para resolver. Como seria essa criança na escola. E como é que se sobrevive em casa a um tornado de tal dimensão.

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    1. Há 15 anos que esta família lida com este problema sem ajuda. Houve uma altura -dado que o meu filho é adulto e auto-sufuciente- em que pensei que podia oferecer-me para receber crianças pequenas (entre os 0 e os 5 anos) orfãs ou abandonadas ou retiradas aos pais, até lhes encontrarem pais adoptivos. Acho que podia fazer uma diferença positiva. Mas depois leio estas experiências e digo, 'não'. Não só não receberia ajuda nenhuma como se acontecesse alguma coisa ainda me responsabilizavam, como penso que acontecerá aos pais deste indivíduo, no dia em que ferir ou matar alguém - se é que não os fere a eles.

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