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August 03, 2021

Acerca das polémicas à volta da figura de Otelo

 


Ontem acabei as leituras do Guerra e Paz de Tolstói, excepto a última, que está ainda por gravar. Nos últimos capítulos do Epílogo, Tolstói discute o que deve ser o objecto de estudo e método da História: se a História tem por objectivo perceber os povos ou as pessoas individuais, o que depende do que se pensa ser o poder (a relação de quem comanda com quem obedece) e da posição que se tem acerca do problema do livre arbítrio: são as nossas acções livres ou necessárias, determinadas pelas leis físicas que nos regem a um nível, 'subterrâneo', digamos assim.

Na discussão do assunto ele diz a certa altura que todos nós somos levados a julgar os outros como livres e, por isso, mais culpados, quando os acontecimentos são recentes e como produto das condições do seu meio e, por isso, menos livres e menos culpados, quando julgamos um acontecimento com muita distância.

A diferença, diz, é que, se lemos no jornal que um homem matou outro com muitas facadas, reparamos no horror do crime, no sofrimento da/s vítima/s e vemos o acto como da responsabilidade livre do homem; mas à medida que o tempo passa, vamos conhecendo o contexto em que o crime se passou e as forças deterministas em que o homem se encontrava: se vem de um meio violento, se vem de uma família destruturada, com casos de alcoolismo, de foi vítima de abusos, etc., cada uma destas informações serve para lhe atenuar a culpa e com o tempo, temos tendência a reparar mais no contexto e nas forças das épocas e menos na responsabilidade individual.

Não por acaso, muitas vezes as pessoas se insurgem contra as decisões judiciais porque leram ou viram o relato do crime mas não têm o conhecimento das circunstâncias, dos contextos e das determinações dos criminosos que são apreciadas nas salas de tribunal.

Àquilo que diz Tolstói podemos ainda acrescentar que as pessoas da chamada, esquerda, já têm a tendência, por formação, a desprezar o acto individual face à massa social e, por isso mesmo, são mais dadas a ver as determinações - não por acaso sacrificam sempre a pessoa individual pela ideologia das massas; já as pessoas da chamada, direita, têm a tendência diametralmente oposta, isto é, julgam o acto pela responsabilidade do indivíduo livre mais que pelos seus contextos. 

Isto explica, penso, em parte, porque é que a esquerda só vê em Otelo um herói (que ele tenha andado a roubar e a matar faz parte do contexto e era com intenção ideológica, logo as vítimas são erros do processo) e a direita só vê nele um criminoso, pois tanto faz que o homem tenha tido um papel positivo no 25A que nada apaga a sua responsabilidade individual nos crimes onde houve vítimas.

Também explica aqueles que já foram mais de direita e já viram Otelo como livre e responsável pelos seus actos e agora são mais de esquerda e já vêem estes acontecimentos à distância e como próprios de um certo tempo e das suas determinações.


July 02, 2020

Que chatice...



Levei muito tempo a acabar este artigo e agora perdi o acesso gratuito que era limitado. Paciência... embora, lembro-me da conclusão que era a indeterminação no comportamento. Mas queria a argumentação... culpo uma pessoa que me deprime durante dias a fio?  Claro que não. Que parvoíce. Quem se deixa afectar sou eu. Embora, quem é que, sendo humano, não se deixa afectar? Um sociopata, talvez.

Indeterminacy in Brain and Behavior

Paul W. Glimcher
Annual Review of Psychology
(tradução minha)




June 26, 2020

Determinismo-indeterminismo IV



Indeterminacy in Brain and Behavior

Paul W. Glimcher
Annual Review of Psychology
(tradução minha)

(continuação)

A Teoria dos Jogos desenvolvida por John VonNeumann, Oskar Morgenstern and John Nash aborda essa limitação da teoria clássica da utilidade, supondo que os dois jogadores estão cientes de que enfrentam um oponente inteligente que pode antecipar as suas ações e que ambos irão moldar o seu comportamento de maneira a minimizar perdas e maximizar ganhos. Para conseguir isso, os jogadores devem levar em consideração os possíveis ganhos associados a cada escolha, conforme especificado pela teoria clássica da utilidade, mas também devem considerar como as acções do seu oponente influenciarão esses ganhos. Considere-se novamente a situação no jogo, pedra-papel-tesoura. Ganhar com papel gera o dobro do dinheiro que ganhar com pedra ou tesoura, mas jogar deterministicamente o papel leva à derrota certa. O que VonNeumann & Morgenstern mostrou foi que, nessas condições, podemos prever que um jogador racional calcule o risco em relação ao ganho e jogue papel em dois terços do tempo, tesoura 1/6 do tempo e pedra 1/6 do tempo. Porém, criticamente, ele deve evitar fazer as suas selecções de dois terços, um sexto e um sexto de maneira determinada; por exemplo, numa versão repetida do jogo, jogando papel, depois tesoura, depois papel, depois pedra, depois papel e depois papel. Se o seu oponente adivinhasse a natureza determinada de tal estratégia (por meio da observação, por exemplo), a vitória seria novamente trivial para esse oponente. Ele teria apenas que jogar tesoura, depois pedra, tesoura, papel e tesoura para garantir uma vitória consistente. A única maneira de evitar essa armadilha é o jogador incorporar indeterminação aparente, diretamente no seu comportamento. Em suma, ele deve jogar uma moeda ponderada em cada rodada para escolher entre pedra, papel e tesoura. VonNeumann e Morgenstern estavam bem cientes das implicações dessa observação. Sugeriu que, sob algumas condições, o estudo da escolha económica teria que se tornar um processo probabilístico. Como eles dizem:

Considere agora um participante de uma economia de troca social. O seu problema tem, é claro, muitos elementos em comum com um problema máximo. [Um problema no qual um único actor económico procura maximizar o seu ganho por processos classicamente determinísticos.] Mas também contém alguns elementos de natureza totalmente diferente. Ele também tenta obter um resultado óptimo. Mas, para o conseguir isso, deve entrar em relações de troca com os outros. Se duas ou mais pessoas trocam bens entre si, então os resultados para cada um dependerão, em geral, não apenas das suas próprias acções, mas também das dos outros. Assim, cada participante tenta maximizar uma função (o seu “resultado” acima mencionado)) da qual ele não controla todas as variáveis. Certamente este não é um problema de maximização, mas uma mistura peculiar e desconcertante de vários problemas máximos conflituantes. Todo o participante é guiado por outro princípio e nem sequer determina todas as variáveis ​​que afectam o seu interesse.
Este tipo de problema não é tratado em nenhum lugar na matemática clássica…. Esperamos que o leitor seja convencido pelo exposto acima de que ele enfrenta uma dificuldade realmente conceptual - e não apenas técnica. A teoria dos "jogos de estratégia" é planeada, principalmente, para enfrentar esse problema. (VonNeumann e Morgenstern, 1944)

O insight crítico de VonNeumann & Morgenstern foi ver que, em condições desse tipo, os seleccionadores podem não ser capazes de identificar um único curso de acção que seja deterministicamente ideal. Em vez disso, eles podem ser forçados a seleccionar um curso de acção da maneira mais aleatória possível. É essa estratégia de selecção aleatória, agora conhecida como estratégia mista, que distingue a abordagem de VonNeumann & Morgenstern das abordagens determinísticas mais clássicas para o estudo do comportamento. Em suma, VonNeumann & Morgenstern argumentou que o comportamento humano, sob algumas condições, deve parecer indeterminado para ser eficiente. [itálico meu - isto é interessante] Eles enfatizaram esse ponto quando descreveram, na forma teórica do jogo, um conflito entre Sherlock Holmes e seu arqui-inimigo, o Professor Moriarity:


Sherlock Holmes deseja seguir de Londres para Dover e, consequentemente, para o continente, a fim de escapar ao professor Moriarity, que o persegue. Tendo embarcado no comboio, à medida que este se afasta, ele observa a aparência do professor Moriarity na plataforma. Sherlock Holmes toma como garantido - e assume-se que ele está totalmente justificado - que o seu adversário, que o viu, possa conseguir um comboio especial e ultrapassá-lo. Sherlock Holmes depara-se com a alternativa de ir a Dover ou sair em Canterbury, a única estação intermédia. O seu adversário - cuja inteligência é considerada adequada para visualizar essas possibilidades - tem a mesma escolha. Ambos os oponentes devem escolher o local de seu desembarque, ignorando a decisão correspondente do outro. Se, como resultado dessas medidas, eles se encontrarem na mesma plataforma, Sherlock Holmes pode, com certeza, esperar ser morto pelo Moriarity. Se Holmes chegar a Dover ileso, poderá escapar.
Quais são as boas estratégias, especialmente para Sherlock Holmes? [Define o valor] como Professor Moriarity [de] apanhar Sherlock Holmes [em], digamos 100. [Como alternativa, considere o que acontece se] Sherlock Holmes escapou com sucesso para Dover, enquanto Moriarity parou em Canterbury. Essa é a derrota de Moriarity no que diz respeito à presente acção e deve ser descrita por um grande valor negativo do elemento da matriz [para o Moriarity] - na ordem de magnitude, mas menor que o valor positivo mencionado acima - por exemplo, -50. [Finalmente, considere o que acontece se] Sherlock Holmes escapa de Moriarity na estação intermediária, mas falha em chegar ao Continente. É melhor visualizado como um empate e atribuído ao elemento 0 da matriz.

[A partir de uma análise matemática desses valores, pode-se concluir que] as boas estratégias (e para Moriarity, n para Sherlock Holmes) [são]:
Assim, o Moriarity deve ir para Dover com uma probabilidade de 60%, enquanto Sherlock Holmes deve parar na estação intermediária com uma probabilidade de 60%, ficando os 40% restantes em cada caso para a outra alternativa.

Obviamente, essa formulação teórica levanta questões críticas sobre a natureza científica da teoria dos jogos. Se a teoria dos jogos predisser que Holmes sairá do comboio em Canterbury com uma probabilidade de 60%, qualquer acção que Holmes execute é compatível com a teoria. VonNeumann & Morgenstern reconheceu isso, mas insistiu que essa era a única estratégia racional a ser adoptada por Holmes. Eles argumentaram que Holmes deve ser o mais indeterminado possível na escolha de um curso de acção. Em suma, ele deve parecer ter jogado uma moeda ponderada (ponderada em 60% para Canterbury e 40% para Dover) para maximizar sua chance de sobrevivência. Isso era verdade, sugeriu VonNeumann & Morgenstern, independentemente de a teoria dos jogos preservar a falsificabilidade popperiana.

[hã? tenho que ler outra vez aquele pedaço das 'boas estratégias']


June 21, 2020

Determinismo-indeterminismo III



Indeterminacy in Brain and Behavior

Paul W. Glimcher
Annual Review of Psychology
(tradução minha)

(continuação)

Pascal havia desenvolvido essa lógica básica no século XVII, argumentando que o "valor esperado" de uma ação era igual ao produto de qualquer ganho ou perda possível resultado dessa ação e a probabilidade de ganho ou perda. Bernoulli havia expandido essa noção com a observação de que os seres humanos parecem, a um nível empírico, mais avessos ao risco do que a formulação de Pascal previa. A conclusão de Bernoulli foi que os humanos tomam decisões com base no produto de uma estimativa subjetiva de custo ou benefício e na probabilidade desse ganho ou perda, em vez de com base em uma medida objetiva de ganhos ou perdas. Devido à forma precisa desta hipótese, Bernoulli foi capaz de mostrar que essa noção dava conta da aversão, empiricamente observada, dos seres humanos ao risco. Assim, a ideia crítica que a teoria da utilidade avançou foi a de que se poderia computar os resultados desejados relativos de todas as ações possíveis para um selector e, excepto no caso, presumivelmente raro, em que duas ações tenham resultados desejados subjetivos idênticos, era possível prever as ações de um seletor com precisão determinada. a partir dessa base, Adam Smith (1776) argumentou que todos os actores económicos poderiam ser vistos como efetivamente trocando custos e benefícios para maximizar ganhos num mercado complexo. Presume-se que os preços dos produtos, por exemplo, sejam definidos pelas interações determinadas das curvas de oferta e procura que representem os resultados desejados ​​subjectivos agregados e os custos dos produtos para consumidores e produtores. Era, portanto, uma tese central da teoria econômica dos séculos XVIII e XIX que o processo racional pelo qual a conveniência era avaliada poderia ser modelado com precisão e que esses modelos faziam previsões determinísticas sobre o comportamento humano.

É importante ressaltar que a incorporação de probabilidades na teoria da utilidade esperada permitiu que a abordagem fizesse predições determinadas mesmo quando o ambiente no qual decisores humanos operavam era imprevisível. Supunha-se que os decisores consideravam o risco quando determinavam a conveniência de uma ação e a teoria previa explícita e convincentemente que nenhuma característica dessa incerteza ambiental seria propagada para o comportamento dos decisores. O único momento em que a teoria da utilidade previu indeterminação no comportamento foi quando duas ou mais ações mutuamente exclusivas tinham exatamente as mesmas vantagens subjectivas e a importância dessa situação em particular parecia limitada aos economistas clássicos. 

[entrámos na economia e a conversa ficou logo desinteressante...]

Na primeira metade do século XX, a Teoria dos Jogos desenvolvida por John VonNeumann, Oskar Morgenstern e John Nash desafiou diretamente essa abordagem determinada (Nash 1950a, b, 1951; VonNeumann & Morgenstern 1944). A Teoria dos Jogos representou um desvio da tradição clássica especificamente porque propunha que, quando um selecionador racional enfrenta um oponente inteligente e interessado, em vez de um ambiente económico passivo, podem facilmente surgir situações em que os resultados desejados subjectivos de duas ou mais ações são direcionados para uma igualdade precisa. A teoria passou a fazer previsões surpreendentes e fundamentalmente indeterminadas sobre como os seres humanos racionais se comportariam sob muitas condições que poderiam ser bem descritas pela Teoria dos Jogos. 

[ a conversa voltou a ser interessante...]

Para entender esse insight teórico, considere-se dois oponentes repetidamente jogando o jogo infantil de pedra-papel-tesoura, no qual o perdedor paga ao vencedor US 2$ numa rodada ganha com papel e US 1$ em uma rodada ganha com tesoura ou pedra. Se o comportamento do oponente for imprevisível, qualquer resposta pode vencer, em princípio. O papel venceu a pedra por US 2$, a tesoura venceu o papel por US 1$, e a pedra venceu a tesoura, novamente por US $ 1. A teoria da utilidade clássica pressupõe que os seres humanos escolham entre as ações combinando multiplicativamente o valor subjectivo e a probabilidade de cada resultado e, em seguida, selecionando a ação com o resultado que produz a maior utilidade esperada. Supondo ingenuamente que o oponente tem a mesma probabilidade de jogar pedra, papel ou tesoura, o maior valor de ganhar com papel deve levar todos os jogadores a escolherem papel deterministicamente em cada rodada. O que VonNeumann reconheceu foi que essa suposição sobre o comportamento do oponente simplesmente não podia estar correta. Um competidor que apenas escolhesse tesoura poderia derrotar com segurança qualquer jogador que realmente se comportasse de acordo com essa estratégia.

June 16, 2020

Leituras pela madrugada - determinismo-indeterminismo



Indeterminacy in Brain and Behavior

Paul W. Glimcher
Annual Review of Psychology
(tradução minha)

Introdução
A nossa perspectiva moderna segundo a qual a função central da investigação científica é reduzir a incerteza emergiu cedo na revolução científica que constitui o Iluminismo; na altura da morte de Galileu era claro que, aumentar o rigor com o qual se podia prever futuros eventos como processos determinados, seria uma característica central do método científico, tanto no nível teórico como empírico das ciências físicas. No decorrer dos séculos XVIII e XIX, as primeiras ciências sociais imitaram esta tendência tentando desenvolver relações causais de um modo estável e determinado. No século XX, a noção de que a investigação científica reduziria o comportando animal à certeza determinista, tornou-se a noção dominante, também nos círculos da psicologia. Em nenhum outro sítio isto isto é tão claro como no trabalho de Pavlov. Como Pavlov escreve em, Reflexos Condicionados,

O fisiologista deve seguir o seu próprio caminho, onde uma trilha já lhe foi aberta. Há trezentos anos Descartes evoluiu a ideia de reflexo. Começando pela assunção de que os animais se comportavam simplesmente como máquinas, ele via cada actividade do organismo como uma reacção necessária a estímulos externos... Uma corajosa tentativa de aplicar a ideia de reflexos às actividades dos hemisférios [cerebrais] foi feita pelo fisiologista, I.M. Sechenov, tendo por base o conhecimento disponível no seu tempo acerca da fisiologia do sistema nervoso central. Num panfleto intitulado, "Reflexos do Cérebro", publicado na Rússia em 1863, fez uma tentativa de representar as actividades dos hemisférios cerebrais como reflexos - que é o mesmo que dizer, determinadas (Pavlov 1927).

No período que se seguiu, Skinner e os seus estudantes fortaleceram esta noção e os psicólogos como grupo, abraçaram a ideia de que uma teoria psicológica completa seria determinada. Ao estudar as relações causais entre o ambiente, o organismo e a resposta, estes cientistas iniciaram o processo de desenvolver uma teoria da psicologia testável e preditiva. O século XX testemunhou uma tendência similar na efectiva aplicação do método científico à compreensão das fontes biológicas do comportamento e, como resultado, viu o desenvolvimento de um poderoso programa deterministico da compreensão dos sistemas biológicos. Charles Sherrington, por exemplo, aplicou esta abordagem ao estudo psicológico dos reflexos, com grande efeito.

Determinismo e a Filosofia da Ciência

Em círculos filosóficos, o papel central da perspectiva determinista do mundo no método cientifico clássico, também se tornou, nesse período, um princípio formalizado. No princípio do século XX, o filósofo Karl Popper definiu explicitamente o objectivo da ciência moderna como sendo a falsificação de teorias existentes através da investigação experimental. Para Popper, as teorias nunca poderiam ser provadas na prática, apenas sujeitas a testes de falsificação.

Se a evidência experimental falsifica a teoria ela é descartada; se a evidência experimental corrobora a teoria, ela pode ser retida, tentativamente. O aspecto crítico nesta lógica é o que ela implica acerca da indeterminação. Considere-se a afirmação teórica de que, se atirar uma moeda ao ar existem 50% de chances que ela aterre de cara para cima. Como Popper fez notar, isto não apenas é inverificável do ponto de vista teórico, como também não é testável; a minha afirmação prediz todos os resultados empíricos possíveis e, por isso, não é passível de falsificação. Mais importante ainda, a minha afirmação teórica prediz como resultado experimental, todas as séries finitas possíveis de lançamentos de moedas que poderiam ser observadas. Se a moeda tem a mesma probabilidade de cair no lado cara e no lado coroa, então qualquer série específica de cara e de coroa é igualmente provável, sejam seis caras seguidas ou seis movimentos alternados entre cara e coroa. Nenhuma previsão formal de qualquer resultado específico é possível e, por essa razão, Popper argumentou que alegações probabilísticas sobre processos indeterminados são irremediavelmente problemáticas. Na verdade, nos seus primeiros escritos, Popper chegou a argumentar que a noção de um universo fundamentalmente indeterminado é, na base, uma proposição não científica.

Nas décadas de 1920 e 30, no entanto, a disciplina emergente da física quântica levantou um desafio importante a esta noção que evoluiu durante o Iluminismo e motivou grande parte do trabalho de Popper. Baseada inicialmente no trabalho de Heisenberg e seus colegas, surgiram fortes evidências de que alguns fenómenos que ocorrem a uma escala atómica e sub-atómica são, de facto, fundamentalmente indeterminados e, por isso, apenas podem ser descritos probabilisticamente. Este era um desafio crítico à filosofia da ciência existente expressa por Popper uma vez que a filosofia argumentava que uma teoria da física construída sobre a probabilidade não era falsificável e talvez não fosse, sequer, científica.
No entanto, as evidências empíricas reunidas durante esse período pareciam indicar inequivocamente que, numa escala suficientemente pequena de análise, ocorrem eventos que são fundamentalmente indeterminados. Isso indicava que a filosofia da ciência, e não a realidade do nosso universo físico, poderia ter que mudar.

Indeterminações no Mundo Físico São Importantes Para os Cientistas Behavioristas?

Quais são as implicações dessas questões, se as há,  para o estudo do comportamento? Mesmo que haja indeterminações fundamentais no mundo físico, isso importa para os cientistas behavioristas? Muitos estudiosos acreditam que o físico quântico Edwin Schrodinger forneceu uma resposta para essa pergunta no livro What Is Life (1944), onde argumentava que para qualquer organismo sobreviver, teria que operar, em princípio, num ambiente totalmente determinado. A indeterminação seria fatal para os sistemas vivos. O trabalho de Schrodinger demonstrou que nas escalas atómica e sub-atómica, a matéria pode ser descrita apenas em termos probabilísticos, mas também mostrou que grandes agregados dessas partículas elementares se comportam de maneira efetivamente determinada. Argumentava que as células vivas eram objetos grandes o suficiente para nunca interagirem com partículas atómicas ou sub-atómicas únicas, mas apenas com esses agregados determinados maiores. No fundo, ele argumentou que as células eram grandes o suficiente para que flutuações quânticas nas propriedades de átomos individuais não tivessem efeito sobre elas.

Argumentou que as células biológicas têm o tamanho que têm especificamente porque a indeterminação quântica as impede de sobreviver se elas se tornarem menores. Os biólogos, psicólogos e cientistas sociais, assegurou-nos, não precisam de se preocupar com a indeterminação fundamental do universo:

Se assim  não fosse, quer dizer, se fossemos organismos tão sensíveis que um único átomo, ou mesmo alguns átomos, pudessem causar uma impressão perceptível nos nossos sentidos - céus, como seria a vida! Para enfatizar um ponto: um organismo desse tipo certamente não seria capaz de desenvolver o tipo de pensamento ordenado que, depois de passar por uma longa sequência de estágios anteriores, acaba resultando na formação, entre muitas outras ideias, da ideia de um átomo.

Recentemente, no entanto, começaram a surgir evidências nos domínios social, psicológico e neurobiológico que sugerem que, em escalas de análise maiores do que a que Schrodinger examinou em What Is Life, os sistemas vivos exibem um comportamento aparentemente indeterminado.

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(uau! isto está a ficar entusiasmante! Uma espécie de caça ao tesouro. Amanhã há mais)