Ontem acabei as leituras do Guerra e Paz de Tolstói, excepto a última, que está ainda por gravar. Nos últimos capítulos do Epílogo, Tolstói discute o que deve ser o objecto de estudo e método da História: se a História tem por objectivo perceber os povos ou as pessoas individuais, o que depende do que se pensa ser o poder (a relação de quem comanda com quem obedece) e da posição que se tem acerca do problema do livre arbítrio: são as nossas acções livres ou necessárias, determinadas pelas leis físicas que nos regem a um nível, 'subterrâneo', digamos assim.
Na discussão do assunto ele diz a certa altura que todos nós somos levados a julgar os outros como livres e, por isso, mais culpados, quando os acontecimentos são recentes e como produto das condições do seu meio e, por isso, menos livres e menos culpados, quando julgamos um acontecimento com muita distância.
A diferença, diz, é que, se lemos no jornal que um homem matou outro com muitas facadas, reparamos no horror do crime, no sofrimento da/s vítima/s e vemos o acto como da responsabilidade livre do homem; mas à medida que o tempo passa, vamos conhecendo o contexto em que o crime se passou e as forças deterministas em que o homem se encontrava: se vem de um meio violento, se vem de uma família destruturada, com casos de alcoolismo, de foi vítima de abusos, etc., cada uma destas informações serve para lhe atenuar a culpa e com o tempo, temos tendência a reparar mais no contexto e nas forças das épocas e menos na responsabilidade individual.
Não por acaso, muitas vezes as pessoas se insurgem contra as decisões judiciais porque leram ou viram o relato do crime mas não têm o conhecimento das circunstâncias, dos contextos e das determinações dos criminosos que são apreciadas nas salas de tribunal.
Àquilo que diz Tolstói podemos ainda acrescentar que as pessoas da chamada, esquerda, já têm a tendência, por formação, a desprezar o acto individual face à massa social e, por isso mesmo, são mais dadas a ver as determinações - não por acaso sacrificam sempre a pessoa individual pela ideologia das massas; já as pessoas da chamada, direita, têm a tendência diametralmente oposta, isto é, julgam o acto pela responsabilidade do indivíduo livre mais que pelos seus contextos.
Isto explica, penso, em parte, porque é que a esquerda só vê em Otelo um herói (que ele tenha andado a roubar e a matar faz parte do contexto e era com intenção ideológica, logo as vítimas são erros do processo) e a direita só vê nele um criminoso, pois tanto faz que o homem tenha tido um papel positivo no 25A que nada apaga a sua responsabilidade individual nos crimes onde houve vítimas.
Também explica aqueles que já foram mais de direita e já viram Otelo como livre e responsável pelos seus actos e agora são mais de esquerda e já vêem estes acontecimentos à distância e como próprios de um certo tempo e das suas determinações.
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