Annual Review of Psychology
(tradução minha)
Introdução
A nossa perspectiva moderna segundo a qual a função central da investigação científica é reduzir a incerteza emergiu cedo na revolução científica que constitui o Iluminismo; na altura da morte de Galileu era claro que, aumentar o rigor com o qual se podia prever futuros eventos como processos determinados, seria uma característica central do método científico, tanto no nível teórico como empírico das ciências físicas. No decorrer dos séculos XVIII e XIX, as primeiras ciências sociais imitaram esta tendência tentando desenvolver relações causais de um modo estável e determinado. No século XX, a noção de que a investigação científica reduziria o comportando animal à certeza determinista, tornou-se a noção dominante, também nos círculos da psicologia. Em nenhum outro sítio isto isto é tão claro como no trabalho de Pavlov. Como Pavlov escreve em, Reflexos Condicionados,
O fisiologista deve seguir o seu próprio caminho, onde uma trilha já lhe foi aberta. Há trezentos anos Descartes evoluiu a ideia de reflexo. Começando pela assunção de que os animais se comportavam simplesmente como máquinas, ele via cada actividade do organismo como uma reacção necessária a estímulos externos... Uma corajosa tentativa de aplicar a ideia de reflexos às actividades dos hemisférios [cerebrais] foi feita pelo fisiologista, I.M. Sechenov, tendo por base o conhecimento disponível no seu tempo acerca da fisiologia do sistema nervoso central. Num panfleto intitulado, "Reflexos do Cérebro", publicado na Rússia em 1863, fez uma tentativa de representar as actividades dos hemisférios cerebrais como reflexos - que é o mesmo que dizer, determinadas (Pavlov 1927).
No período que se seguiu, Skinner e os seus estudantes fortaleceram esta noção e os psicólogos como grupo, abraçaram a ideia de que uma teoria psicológica completa seria determinada. Ao estudar as relações causais entre o ambiente, o organismo e a resposta, estes cientistas iniciaram o processo de desenvolver uma teoria da psicologia testável e preditiva. O século XX testemunhou uma tendência similar na efectiva aplicação do método científico à compreensão das fontes biológicas do comportamento e, como resultado, viu o desenvolvimento de um poderoso programa deterministico da compreensão dos sistemas biológicos. Charles Sherrington, por exemplo, aplicou esta abordagem ao estudo psicológico dos reflexos, com grande efeito.
Determinismo e a Filosofia da Ciência
Em círculos filosóficos, o papel central da perspectiva determinista do mundo no método cientifico clássico, também se tornou, nesse período, um princípio formalizado. No princípio do século XX, o filósofo Karl Popper definiu explicitamente o objectivo da ciência moderna como sendo a falsificação de teorias existentes através da investigação experimental. Para Popper, as teorias nunca poderiam ser provadas na prática, apenas sujeitas a testes de falsificação.
Se a evidência experimental falsifica a teoria ela é descartada; se a evidência experimental corrobora a teoria, ela pode ser retida, tentativamente. O aspecto crítico nesta lógica é o que ela implica acerca da indeterminação. Considere-se a afirmação teórica de que, se atirar uma moeda ao ar existem 50% de chances que ela aterre de cara para cima. Como Popper fez notar, isto não apenas é inverificável do ponto de vista teórico, como também não é testável; a minha afirmação prediz todos os resultados empíricos possíveis e, por isso, não é passível de falsificação. Mais importante ainda, a minha afirmação teórica prediz como resultado experimental, todas as séries finitas possíveis de lançamentos de moedas que poderiam ser observadas. Se a moeda tem a mesma probabilidade de cair no lado cara e no lado coroa, então qualquer série específica de cara e de coroa é igualmente provável, sejam seis caras seguidas ou seis movimentos alternados entre cara e coroa. Nenhuma previsão formal de qualquer resultado específico é possível e, por essa razão, Popper argumentou que alegações probabilísticas sobre processos indeterminados são irremediavelmente problemáticas. Na verdade, nos seus primeiros escritos, Popper chegou a argumentar que a noção de um universo fundamentalmente indeterminado é, na base, uma proposição não científica.
Nas décadas de 1920 e 30, no entanto, a disciplina emergente da física quântica levantou um desafio importante a esta noção que evoluiu durante o Iluminismo e motivou grande parte do trabalho de Popper. Baseada inicialmente no trabalho de Heisenberg e seus colegas, surgiram fortes evidências de que alguns fenómenos que ocorrem a uma escala atómica e sub-atómica são, de facto, fundamentalmente indeterminados e, por isso, apenas podem ser descritos probabilisticamente. Este era um desafio crítico à filosofia da ciência existente expressa por Popper uma vez que a filosofia argumentava que uma teoria da física construída sobre a probabilidade não era falsificável e talvez não fosse, sequer, científica.
No entanto, as evidências empíricas reunidas durante esse período pareciam indicar inequivocamente que, numa escala suficientemente pequena de análise, ocorrem eventos que são fundamentalmente indeterminados. Isso indicava que a filosofia da ciência, e não a realidade do nosso universo físico, poderia ter que mudar.
Indeterminações no Mundo Físico São Importantes Para os Cientistas Behavioristas?
Quais são as implicações dessas questões, se as há, para o estudo do comportamento? Mesmo que haja indeterminações fundamentais no mundo físico, isso importa para os cientistas behavioristas? Muitos estudiosos acreditam que o físico quântico Edwin Schrodinger forneceu uma resposta para essa pergunta no livro
What Is Life (1944), onde argumentava que para qualquer organismo sobreviver, teria que operar, em princípio, num ambiente totalmente determinado. A indeterminação seria fatal para os sistemas vivos. O trabalho de Schrodinger demonstrou que nas escalas atómica e sub-atómica, a matéria pode ser descrita apenas em termos probabilísticos, mas também mostrou que grandes agregados dessas partículas elementares se comportam de maneira efetivamente determinada. Argumentava que as células vivas eram objetos grandes o suficiente para nunca interagirem com partículas atómicas ou sub-atómicas únicas, mas apenas com esses agregados determinados maiores. No fundo, ele argumentou que as células eram grandes o suficiente para que flutuações quânticas nas propriedades de átomos individuais não tivessem efeito sobre elas.
Argumentou que as células biológicas têm o tamanho que têm especificamente porque a indeterminação quântica as impede de sobreviver se elas se tornarem menores. Os biólogos, psicólogos e cientistas sociais, assegurou-nos, não precisam de se preocupar com a indeterminação fundamental do universo:
Se assim não fosse, quer dizer, se fossemos organismos tão sensíveis que um único átomo, ou mesmo alguns átomos, pudessem causar uma impressão perceptível nos nossos sentidos - céus, como seria a vida! Para enfatizar um ponto: um organismo desse tipo certamente não seria capaz de desenvolver o tipo de pensamento ordenado que, depois de passar por uma longa sequência de estágios anteriores, acaba resultando na formação, entre muitas outras ideias, da ideia de um átomo.
Recentemente, no entanto, começaram a surgir evidências nos domínios social, psicológico e neurobiológico que sugerem que, em escalas de análise maiores do que a que Schrodinger examinou em
What Is Life, os sistemas vivos exibem um comportamento aparentemente indeterminado.
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(uau! isto está a ficar entusiasmante! Uma espécie de caça ao tesouro. Amanhã há mais)