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September 04, 2022

O caso do pacifismo em tempo de guerra contra fascistas, ser pró-fascista

 


Um texto de Orwell acerca de como o pacifismo, tomado como resposta ao fascismo, autoriza-o, o que assenta como uma luva aos dias de hoje. Não por acaso. Foi escrito em plena época de fascismo nazi, em 1942.

https://orwell.ru/library/articles/pacifism


Traduzi uns excertos porque o texto é grande e faz referências a pessoas e acusações da época saídas em jornais que não nos interessam aqui para a questão do pacifismo em tempo de guerra, em minha opinião:

O Pacifismo é objectivamente pró-fascista. Isto é elementar. Se se dificulta o esforço de guerra de um lado, ajuda-se automaticamente o do outro. Também não existe nenhuma forma real de permanecer fora de uma guerra como a actual [Segunda Grande Guerra]. Na prática, "aquele que não está comigo está contra mim". A ideia de que se pode permanecer de alguma forma distante e superior à luta, enquanto se vive da comida que os marinheiros britânicos trazem arriscando a vida, é uma ilusão burguesa criada pelo dinheiro epela segurança. 

O Sr. Savage diz que "de acordo com este tipo de raciocínio, um pacifista alemão ou japonês seria "objectivamente pró-britânico". Mas é claro que seria! É por isso que as actividades pacifistas não são permitidas nesses países (em ambos a pena é, ou pode ser, a decapitação) enquanto tanto os alemães como os japoneses fazem tudo o que podem para encorajar a propagação do pacifismo em territórios britânicos e americanos.
Os alemães dirigem mesmo uma espúria estação de "liberdade" que serve uma propaganda pacifista. Se pudessem, estimulariam o pacifismo na Rússia. Na medida em que produz efeito, a propaganda pacifista só pode ser eficaz contra os países onde ainda é permitida uma certa liberdade de expressão; por outras palavras, é útil ao totalitarismo.

Não estou interessado no pacifismo como um "fenómeno moral". Se o Sr. Savage e outros imaginam que se pode de alguma forma 'superar' o exército alemão deitando-se de costas, que continuem a imaginá-lo, mas já agora, perguntem-se se isto não é uma ilusão devido à segurança, demasiado dinheiro e uma simples ignorância sobre a forma como as coisas realmente acontecem. 

Governos despóticos podem resistir à "força moral" até as vacas regressarem a casa; o que eles temem é a força física. Mas embora não esteja muito interessado na 'teoria' do pacifismo, estou interessado nos processos psicológicos através dos quais os pacifistas que começaram com um alegado horror à violência  acabam por ficar com uma marcada tendência para ficarem fascinados com o sucesso e o poder do nazismo. 

Na carta que me enviou, o Sr. Comfort considera que um artista em território ocupado deveria "protestar contra os males que vê", mas considera que a melhor forma de o fazer é "aceitar temporariamente o status quo". há algumas semanas atrás ele esperava uma vitória nazi devido ao efeito estimulante que teria sobre as artes.

Aquilo a que me oponho é à cobardia intelectual de pessoas que são objectiva e até certo ponto emocionalmente pró-fascistas e refugiam-se atrás da fórmula "Sou tão anti-fascista como qualquer outra pessoa, mas...". O resultado disto é que a chamada propaganda de paz, em tempo de guerra, é tão desonesta e intelectualmente repugnante como a propaganda de guerra. Tal como a propaganda de guerra, ela concentra-se em apresentar um 'caso', obscurecendo o ponto de vista do adversário e evitando questões incómodas. A linha normalmente seguida é 'Aqueles que lutam contra o fascismo vão eles próprios para o fascismo'. 
A fim de evitar as objecções bastante óbvias que podem ser levantadas a isto, são utilizados os seguintes obstáculos de propaganda:
- Os processos fascização que ocorrem na Grã-Bretanha como resultado da guerra são sistematicamente exagerados.
- O registo real do fascismo, especialmente a sua história anterior à guerra, é ignorado ou tido como 'propaganda'. A
- discussão sobre como seria realmente o mundo se o Eixo o dominasse é evitada.
- Aqueles que querem lutar contra o Fascismo são acusados de serem defensores incondicionais da "democracia" capitalista. 
- O facto de os ricos em todo o lado tenderem a ser pró-fascistas e de a classe trabalhadora ser quase sempre anti-fascista é abafado.
- É tacitamente fingido que a guerra é apenas entre a Grã-Bretanha e a Alemanha. Evita-se a menção à Rússia e à China.

"O Sr. Orwell está de novo a atacar intelectuais" (Mr. Comfort). Nunca ataquei 'os intelectuais' ou 'a intelligentsia' em bloco. Utilizei muita tinta e fiz muito mal a mim próprio ao atacar os sucessivos grupos literários que infestaram este país, não porque fossem intelectuais, mas precisamente porque não eram com verdadeiros intelectuais. 
A vida de um grupo é de cerca de cinco anos e já escrevo há tempo suficiente para ver três deles chegar e dois partir - o gang católico, o gang estalinista e o actual pacifista ou, como por vezes são apelidados, o gang Fascifista. 
O meu caso contra todos eles é que escrevem propaganda desonesta e degradam a crítica literária ao lambedor de rabos mútuo. 

George Orwell: ‘Pacifism and the War’
First published: Partisan Review. — GB, London. — August-September 1942.

Reprinted:
— ‘The Collected Essays, Journalism and Letters of George Orwell’. — 1968.