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June 08, 2023

Mr. B

 

Este dueto é lindo. A Soprano é Luba Orgonášová  e o Tenor é Placido Domingo. Li há uns dias que Placido Domingo vem cá cantar, mas no Altice Arena, aquele estádio de futebol... já não vou a essas coisas assim. É claro que se fosse há vinte anos ou trinta já tinha o bilhete na mão. 
Hoje-em-dia, como não temos vozes assim, nem nos damos conta da ausência. Faz-me lembrar um colega de filosofia muito simpático que esteve lá na escola há uns anos e que não tem olfacto. Nunca teve. E um dia quando eu lamentava o facto, ele disse-me que não tinha nenhuma sensação de privação ou perda porque não conhecia a sensação do cheiro. Assim também é com as vozes. Quem não ouviu ao vivo certas vozes não tem sensação de perda. Mas eu tenho. Felizmente existem os discos e os vídeos. Mas não é a mesma coisa.

Há por aí muitas vozes de tenor muito bonitas, mas estamos à espera que apareçam vozes como estas. Vozes extraordinárias que causam um grande impacto na alma (seja lá isso o que for). Este indivíduo, há trinta ou quarenta anos tinha uma voz linda de morrer, uma voz enorme, de veludo cheia de uma riqueza emotiva, expressiva, lírica. Tremendamente excitante. Ouvi-o ao vivo meia dúzia de vezes (apenas) e é uma experiência que não se esquece. 
Uma dessas vezes estava em casa e li no jornal que ele ia cantar uma ópera em Espanha, nesse fim-de-semana. Larguei para Espanha porque nessa altura não havia telemóveis nem internet e tinha que se comprar os bilhetes na bilheteria e era preciso comprar com muita antecedência porque tudo o que ele cantava esgotava em um minuto. 
Tive sorte de ouvir algumas grandes vozes de tenor, que é uma voz pouco comum num homem: Pavarotti, Kraus, Bergonzi. Cada uma delas diferente mas todas vozes extraordinárias. Agora estamos à espera que apareça outro desses grandes. Compreensivelmente, dado que tem 80 anos, Plácido Domingo, que ainda tem uma voz muito bonita, já não tem a voz que tinha. Tem outra, mais de barítono. E ouvi-lo numa casa pequena como um teatro, por exemplo, ainda seria precioso, mas num estádio de futebol como é o Pavilhão Atlântico... não me quero arriscar porque gosto muito da voz dele e tenho-a intacta na memória. Ouvi-o uma vez no Estádio do Restelo mas isso foi em 199... e qualquer coisa. 


December 16, 2021

Hoje também é o aniversário de Mr. B

 


Beethoven

"Music is a higher revelation than all wisdom and philosophy."










 “He achieved unprecedented autonomy, refusing to abase himself before aristocratic patrons even as he took their money.” Alex Ross










casa de Beethoven em 1903

Num dia como o de hoje, em 1770, nasceu um homem que se enfureceu para nos dar a paz, que ficou surdo para nos fazer ouvir e que se isolou para que nos aproximássemnos de tantos. Um exemplo extremo de força, reinvenção e genialidade. Fazia música, chamava-se Ludwig e o seu apelido era Beethoven (Kleinburg)

Neste dia, em 1792, Beethoven teve a sua primeira lição com Haydn, pagando 8 groschen (o actual equivalente a cerca de $4,00). A sua relação foi dura desde o início; Haydn era um professor indiferente e Beethoven tratava o compositor mais velho com desrespeito.

Um esboço de Beethoven fumando um cachimbo e lendo um jornal num café de Viena. Feito por um estudante chamado Eduard Klosson em 1823, quando o compositor estava a escrever a sua 9ª Sinfonia.


Tocar uma nota errada é insignificante. Tocar sem paixão é indesculpável!
— Beethoven






O Concerto para Piano nº 5 de Beethoven pode ser considerado ou o último grande concerto no estilo clássico ou, devido aos seus gestos imensamente poderosos, o primeiro dos grandes concertos românticos do século XIX. Mais conhecido como «Concerto do Imperador», o concerto nº5 foi o seu último concerto para piano. Foi escrito entre 1809 e 1811 em Viena, e foi dedicado ao Arquiduque Rudolf, patrono de Beethoven. Daqui a um mês, mais ou menos, vou ouvi-lo, tocado por esta mesma pianista. Adoro este concerto duma ponta à outra.
Quem não gosta de Beethoven não é pessoa de confiança ou é louco. Just saying...




December 17, 2020

Beethoven e o sublime - a propósito do seu aniversário, ontem




Beethoven and Freedom

On the composer’s 250th birthday
By David P. Goldman


No dia de Natal de 1989, após a queda do Muro de Berlim, Leonard Bernstein regeu a Nona Sinfonia de Beethoven, com o cenário da Ode à Alegria de Friedrich Schiller: 

Alegria, incandescência imortal! Filha de Elysium! Bêbado com o fogo da tua presença Chegamos ao terreno do seu templo ... “Freude” —Joy — é o tema da ode de Schiller, mas Bernstein substituiu a palavra “Freiheit” —Liberdade — na sua versão festiva da obra. Isso encaixava-se na ocasião, mas também prestava homenagem ao próprio Beethoven, aclamado como o compositor da liberdade por escritores numerosos demais para serem mencionados. 

Existem raros momentos em que o triunfo do espírito humano nos eleva a um estado de ser superior. Olhamos para perfeitos estranhos e vemos os melhores anjos de nossa natureza, e livramos-nos da mesquinhez e petulância da vida diária. Sentimos o toque do infinito e sentimos a plenitude da nossa liberdade, porque o homem só é livre como agente moral. E nesses momentos damos ouvidos ao compositor da liberdade, cujo 250º aniversário cai neste dia 16 de dezembro. Pessoas de boa vontade em todos os lugares celebrarão este aniversário com gratidão.

Tenho uma dívida pessoal com Beethoven, o guia e consolo de minha juventude e em sua homenagem apresento um pensamento sobre sua música: não é apenas que Beethoven foi um apóstolo ou um exemplo de liberdade, mas que a sua música realmente nos convoca para a liberdade. 

 Acima do meu piano está pendurado um retrato a carvão do compositor, um presente de bar mitzvah do meu professor de infância, assinado por "Aluno de Beethoven, aluno do aluno". A influência pessoal de Beethoven irradia ao longo dos séculos 19 e 20 de forma tão ampla que é difícil de evitar. 
O aluno de Beethoven, Carl Czerny, ensinou Franz Liszt e também Theodor Leschetizky, o professor de piano mais prolífico do final do século 19 e início do século 20. Leschetizky por sua vez ensinou Mieczyslaw Horszowski, que acompanhou Pablo Casals quando ele tocou na Casa Branca de Kennedy. Horszowski - que ouvi em concerto quando ele tinha quase 100 anos - ensinou o pianista italiano Carlo Levi Minzi, que me ensinou. O principal professor de Levi Minzi foi o pianista suíço Paul Baumgartner, aluno de Walter Braunfels, mais um aluno de Leschetizky. Também estudei com Niels Ostbye, aluno de Edwin Fischer, por sua vez aluno do aluno de Liszt, Martin Krause. 

Não que eu seja digno de meus professores ou de meus yichus, mas com eles aprendi algo de Beethoven: podemos julgar o que é simplesmente belo, mas a arte sublime julga-nos, ou melhor, desafia-nos a julgar-nos a nós mesmos.

O envolvimento com a música sublime tem algo em comum com a oração judaica. Como o falecido Rabino Joseph Hertz escreveu na introdução de sua edição do siddur: "Se em grego a raiz do significado do verbo 'orar' significa 'desejar', e se em alemão significa 'implorar, 'em hebraico, a palavra principal para oração vem da raiz,' julgar ', e a forma reflexiva usual (hithpallel) significa literalmente' julgar-se a si mesmo '. A palavra tefillah,' oração ', foi, portanto, entendida como' auto-exame '- se somos dignos de nos dirigir ao Santo, que exige justiça e santidade de vida de Seus adoradores ”.

A beleza pode estar nos olhos de quem vê, mas o Sublime exige uma resposta altamente específica do público. 
Em 1790, Beethoven era um virtuoso de 20 anos da província alemã da Renânia, recém-chegado a Viena, a capital musical da Europa, quando o filósofo Immanuel Kant publicou a sua Crítica da Faculdade de Julgar. O termo “Belo” aplica-se a objetos finitos que cabem dentro do nosso entendimento: uma flor, uma árvore, uma melodia. Mas existem fenómenos naturais que nos confrontam com o infinito, que os nossos sentidos não podem captar e a nossa compreensão não pode apreender. 

O Sublime "expande a alma" e é "direcionado a dar supremacia sobre a sensibilidade ao lado intelectual da nossa natureza e às ideias da razão". 
(...)
Os grandes compositores criam um sentimento de infinito dentro da finitude da forma clássica, manipulando o tempo musical. Tanto a música tradicional como a popular funcionam dentro dos limites do tempo regular e da métrica fixa. O próprio tempo torna-se maleável na música clássica ocidental. 

Mozart brinca com o tempo como um deus menor; Beethoven desafia-o diretamente. Nas suas obras mais características, apresenta o material musical mais simples possível e submete-o a transformações métricas radicais. 
(...)
Tudo na linguagem harmónica de Beethoven já estava em Mozart, mas o compositor mais jovem faz uma afirmação musical diferente: tudo é mudança e tudo é transformação. A transformação contínua funciona tão bem precisamente porque está embutida na estrutura harmónica e na organização formal da sonata. 
Ele patina em gelo fino, mas o gelo está sempre abaixo dele. Wagner é algo como Beethoven, mas sem o gelo. Por mais que Beethoven desperte as nossas emoções, ele exige que pensemos sobre o que ouvimos. Wagner nos convida a nos afogar em um miasma emocional atemporal.

Este sacrifício da substância temática para a transformação do material musical faz sua primeira aparição na primeira obra publicada de Beethoven, de 25 anos, os trios de piano Op. 1, no terceiro do grupo. O seu professor Joseph Haydn aconselhou-o a não publicá-lo, não porque Haydn o considerasse mau, mas porque temia que o público não o entendesse. Mas a cautela do antigo compositor era escusada e a edição esgotou. O zeitgeist favoreceu a mudança - a Revolução Francesa estava então a meio do caminho - e o público de Beethoven respondeu às demandas do compositor.
(...)
Ao evocar o infinito a partir da temporalidade finita, Beethoven dá-nos, não apenas uma impressão, mas uma participação existencial na liberdade. O compositor confunde as nossas expectativas e brinca com a nossa percepção temporal, exigindo que o acompanhemos no tecer do continuum espaço-tempo. 

No Op. 111 ele mostra-nos que o homem mortal pode ter um pressentimento do infinito a partir de materiais finitos. Mas o Sublime também tem um lado negro. Nenhum pianista captou isso melhor do que a chinesa Yuja Wang, cuja leitura em 2016 da sua Sonata Op. “Hammerklavier”. 106 surpreendeu o mundo musical. Beethoven apresenta uma fuga no quarto movimento, mas uma fuga de um tipo que ninguém tinha ouvido antes ou depois, uma concatenação louca de voltas e mais voltas de extensão impossível (ouça a performance de Wang no YouTube às 33:53).

Beethoven permanece sublime mesmo em seus momentos mais sombrios. O sublime não é reconfortante, mas sim perturbador, como explicou Friedrich Schiller: “O sentimento do sublime é um sentimento misto. É ao mesmo tempo um estado doloroso, que em seu paroxismo se manifesta por uma espécie de estremecimento, e um estado de alegria, que pode chegar ao êxtase, e que, sem ser propriamente um prazer, é muito preferido a todo tipo de prazer por delicados almas."

(tradução minha de excertos)


December 06, 2020

January 04, 2020

250 de Beethoven










Ludwig van Beethoven, lithograph after an 1819 portrait by Ferdinand Schimon, c. 1870.
Library of Congress, Washington, D.C. (file no. LC-DIG-pga-02397)