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February 04, 2022

A dimensão do «ethos» na argumentação

 


Esta conversa é fascinante. O porta-voz da Casa Branca diz que tem informações de que os russos estão a iniciar acções para lançar um (falso) ataque às tropas russas na Ucrânia e o repórter pergunta-lhe se têm evidências disso e o porta-voz responde que acabou de dizer que têm um relatório que informa dessa intenção. O repórter responde que isso é uma alegação e se não têm provas de suporte não passa de uma alegação. O porta-voz insiste que a alegação é a evidência. 

Desde que a administração Busch veio dizer que tinham provas de armas de destruição massiva no Iraque, sendo tudo fabricação e mentira, passámos à situação de, no lado do poder, tudo se dizer e fazer sem evidências, e do lado da imprensa ninguém já acreditar em nada do que dizem. Total ausência de credibilidade (tenho que levar este exemplo para as aulas quando falar na dimensão do ethos na argumentação). O governo americano perdeu o ethos, aquela dimensão ética  de respeito que era reconhecida pelo povo e lhes dava crédito de honra e valor de verdade no discurso. Não foi só o americano, os governos estão tão embrulhados em mentiras e corrupção que ninguém já tem aquele respeito que se tinha pela palavra de um governo.

O que uns governos destroem, os seguintes não conseguem recuperar.


November 14, 2020

Custa? Paciência...

 


Num outro tempo não muito longínquo, um Presidente americano, mesmo que se sentisse assim, por dentro, por ter de largar o poder, teria pudor, para não dizer mesmo, vergonha, em mostrar publicamente esta ganância de poder com total ausência de auto-controlo, mas nos dias que correm isto não choca ninguém e só dá origem a memes e piadolas. Isto deve-se, penso, à desvalorização da verdade objectiva e do reconhecimento dos factos que foram substituídos por 'narrativas'. Voltamos ao problema do Fédon e da verdade enquanto um continuo movimento relativo e contraditório. Há um equilíbrio entre as duas posições, no respeitante à vida e aos assuntos da vida, que está a perder-se à medida que se perde o respeito pela objectividade dos factos. É a pós-verdade.

Entretanto, o senador republicano Tuberville, referindo-se ao pai num discurso, disse que ele tomou parte na libertação de Paris, na segunda guerra mundial, para livrar Paris do socialismo e do comunismo...
 



imagem da net


October 23, 2020

Problemas

 


Acerca da filosofia e da verdade - 

É possível ser um filósofo e não preocupar-se com a verdade? Quer dizer, ser academicamente bom mas depois, na sua vida pessoal ser tudo um embuste, uma falsidade e só preocupar-se com a verdade entre as 9h e as 5h da tarde e depois dar-lhe descanso e voltar à sua vida de engano? Não. Penso que não. Aquilo que mais importa ao filósofo é a verdade, mesmo se é um céptico ou se vive nesta época de 'pós-verdade' - tanto num caso como noutro é sempre a verdade que está em questão e preocupar-se com a verdade apenas para ter um salário ao fim do mês é uma falsa pretensão de filosofia.

Como Platão põe Sócrates, no Fédon, a falar da coragem e da falsa coragem, onde esta última existe em função de ganhos: tomamos coragem porque sabemos que vamos ter benefícios em troca, de modo que não há ali nenhum verdadeiro risco (logo, não há coragem) e a verdadeira coragem em que expomos ali o coração (coragem vem de cuore) porque pensamos ou sentimos que é o que temos que fazer. 

Mesmo um professor de filosofia (que não é um filósofo a não ser raras vezes -e muitos nem sequer pensadores são, apenas repetem coisas que leram em livros para ganhar salário e fazer carreira- porque um filósofo é alguém que construiu uma filosofia e atirou-a para o mundo para ser posta à prova, o que é diferente de, por exemplo, escrever um artigo sobre o conceito de espírito em Hegel, o que pode muito positivo e útil, se o que pensou é bem pensado mas não é uma filosofia), se for uma pessoa que não tenha a verdade como uma prioridade, não será nunca um bom professor. Apenas um papagueador. Um embusteiro. E parece-me que essa característica (essa preocupação com a verdade) é muito mais importante num professor de filosofia que num professor de matemática ou de biologia (que ensinam, sobretudo técnicas), porque a filosofia deve ser um treino de abrir os olhos e dar instrumentos para uma vida autêntica e consciente, logo verdadeira.

Daí que possa não ser-se filósofo e ter-se, no entanto, uma atitude filosófica perante a vida: ser-se um pesquisador da verdade, ter uma atitude de interrogação, dúvida e crítica face aos problemas e a si mesmo. Por isso Sócrates continua a ser o protótipo do filósofo: viveu pela verdade e morreu pela verdade e a sua coragem era verdadeira.