Acerca da filosofia e da verdade -
É possível ser um filósofo e não preocupar-se com a verdade? Quer dizer, ser academicamente bom mas depois, na sua vida pessoal ser tudo um embuste, uma falsidade e só preocupar-se com a verdade entre as 9h e as 5h da tarde e depois dar-lhe descanso e voltar à sua vida de engano? Não. Penso que não. Aquilo que mais importa ao filósofo é a verdade, mesmo se é um céptico ou se vive nesta época de 'pós-verdade' - tanto num caso como noutro é sempre a verdade que está em questão e preocupar-se com a verdade apenas para ter um salário ao fim do mês é uma falsa pretensão de filosofia.
Como Platão põe Sócrates, no Fédon, a falar da coragem e da falsa coragem, onde esta última existe em função de ganhos: tomamos coragem porque sabemos que vamos ter benefícios em troca, de modo que não há ali nenhum verdadeiro risco (logo, não há coragem) e a verdadeira coragem em que expomos ali o coração (coragem vem de cuore) porque pensamos ou sentimos que é o que temos que fazer.
Mesmo um professor de filosofia (que não é um filósofo a não ser raras vezes -e muitos nem sequer pensadores são, apenas repetem coisas que leram em livros para ganhar salário e fazer carreira- porque um filósofo é alguém que construiu uma filosofia e atirou-a para o mundo para ser posta à prova, o que é diferente de, por exemplo, escrever um artigo sobre o conceito de espírito em Hegel, o que pode muito positivo e útil, se o que pensou é bem pensado mas não é uma filosofia), se for uma pessoa que não tenha a verdade como uma prioridade, não será nunca um bom professor. Apenas um papagueador. Um embusteiro. E parece-me que essa característica (essa preocupação com a verdade) é muito mais importante num professor de filosofia que num professor de matemática ou de biologia (que ensinam, sobretudo técnicas), porque a filosofia deve ser um treino de abrir os olhos e dar instrumentos para uma vida autêntica e consciente, logo verdadeira.
Daí que possa não ser-se filósofo e ter-se, no entanto, uma atitude filosófica perante a vida: ser-se um pesquisador da verdade, ter uma atitude de interrogação, dúvida e crítica face aos problemas e a si mesmo. Por isso Sócrates continua a ser o protótipo do filósofo: viveu pela verdade e morreu pela verdade e a sua coragem era verdadeira.
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