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February 27, 2025

"I think America is in a lot of trouble."

 


E o mundo também.


January 25, 2025

A nova masculinidade americana

 

🎯 "A psyché protofascista exprime-se através das fantasmagorias machistas"



As fantasias masculinas fascistas



A psyché protofascista exprime-se através das fantasmagorias machistas.

António Guerreiro


Numa entrevista a um podcaster há cerca de duas semanas, Mark Zuckerberg, o patrão do Facebook, Instagram e WhatsApp, justificando a sua decisão de alterar o sistema de fact-checking e moderação dessas plataformas, falou da necessidade de reintroduzir “energia masculina” nas redes sociais, de modo a salvá-las da ameaça da “castração”. Quase simultaneamente, foi conhecida a fotografia oficial do Presidente Donald Trump, um rosto que é uma couraça viril de guerreiro ameaçador e pronto para o combate. Zuckerberg já tinha começado há algum tempo a modelar o seu corpo, convertendo-se ao desporto dos vencedores, o MMA (Mixed Martial Arts).

A energia masculina, a força viril, o corpo do macho modelado como corpo guerreiro e toda a gestualidade que lhe corresponde: é a partir deste imaginário, preenchido com as fantasias da dominação masculina, que temos de compreender como a nova modalidade de poder político-financeiro inscreve a sua violência nos corpos e nos afectos e como ela se transmite e se perpetua.

Na sua forma paroxística, essa modalidade chegou agora ao trono, nos Estados Unidos, mas já se tinha instalado noutras latitudes em versão mais soft. Recordemos o aspecto das hordas que invadiram o Capitólio há quatro anos: toda aquela gente tresandava, nas suas couraças corporais, a violência máscula, tal como a encontramos em bandos paramilitares.

Um estudo avançado de iconologia política teria aqui muita matéria para analisar e interpretar. Ocorre então perguntar: não há também uma violência feminina? Claro que há, mas ela não segue os mesmos modelos, não manifesta o mesmo tipo de relação com o corpo. Uma iconologia dessa violência feminina encontraria “fórmulas de pathos” completamente diferentes.

Devemos a um sociólogo, ensaísta e escritor alemão chamado Klaus Theweleit uma obra monumental, de mais de mil páginas, sobre a psyché protofascista que se exprime através das fantasmagorias machistas. Foi publicado no final dos anos 70 do século passado, com o título Männerphantasien (existe tradução em inglês, intitulada Male Fantasies).

O autor examina aí um vasto conjunto de escritos — diários íntimos, livros, opúsculos, papéis vários — dos membros dos Freikorps (“corpos francos”), todos homens, e dos sobreviventes da Primeira Guerra. Os Freikorps são grupos paramilitares que quiseram instaurar um regime de terror e, entre muita violência cometida para reprimir as insurreições comunistas, assassinaram Rosa Luxemburgo. Esses homens aderiram ao nacional-socialismo, foram “os futuros soldados do III Reich”, diz Theweleit, na sua análise da relação entre o corpo, os afectos e o fascismo.

Há um sex appeal do nazismo e dos fascismos em geral a que se chega quando se escava a masculinidade e a sua construção, sobretudo em locais de guerra ou de conflito político. O fenómeno fascista, como mostra Klaus Theweleit com abundância de argumentos, de análise de documentos e de imagens, é fruto de uma produção de realidade ligada a formas particulares de corporeidade, isto é, fórmulas convencionais que se exprimem numa iconografia que a memória social transmite

Com as devidas distâncias, e tomando todas as cautelas para não fazer corresponder ponto por ponto o imaginário masculino do nazismo e o do trumpismo, uma comparação entre ambos não deixa de ser produtiva. Zuckerberg, ElonMusk e outros alistaram-se como soldados — ou generais? — e, tal como o general da Casa Branca, avançam com o seu corpo militarizado, moldado pelo corpo guerreiro. Daí que Zuckerberg tenha reagido contra o fantasma da castração. A sua rede social, disse ele, deve ser movida por toda a “energia masculina”. Subentende-se assim que o valor é o macho. Daí que se tenha empenhado em reforçar tanto a sua couraça corporal como a da sua rede social, sem se aperceber de que está a repetir uma fórmula sinistra e de má memória, muito mais antiga do que ele, atribuível às derivas da sexualidade que Theweleit encontrou também na origem do fascismo

A “energia masculina” e a pose ameaçadora da foto oficial de Trump são hinos à Ordem e aos corpos físicos e sociais bem sólidos, que prometem não se dissolver na fluidez líquida feminina. “Grab ‘em by the pussy” é a frase de Trump que ficou para a posteridade e que nem ouso traduzir. Na esteira de Foucault, que no prefácio à edição americana do Anti-Édipo (o livro de Deleuze e Guattari) escreveu que ele podia ser lido como uma “introdução à vida não-fascista”, Theweleit acaba por nos mostrar a possibilidade de uma vida “não-fascista”.

É altura de perceber que a possibilidade do “não-fascismo”, tal como o defendeu Theweleit mais recentemente, é de facto muito mais interessante e eficaz como resistência do que o antifascismo.

Público