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November 12, 2025

«É deprimente ver como foi fácil retirar os direitos das mulheres como se não fossem nada»

 


«É deprimente ver como foi fácil retirar os direitos das mulheres como se não fossem nada — e como é difícil para nós recuperá-los» 
Tracy Edwards
 
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Para ser clara — não quero banir homens que se auto-identificam como mulheres-trans dos espaços femininos pela razão de fingirem ser mulheres, quero que sejam banidos porque são homens e, portanto, são uma ameaça em potencial. 

Os espaços femininos não são um luxo. Existem para a nossa segurança, porque é impossível saber se um determinado homem é uma ameaça apenas olhando para ele — mesmo que esteja a usar um vestido.

Um homem tem, quase sempre, maior densidade óssea, maior musculatura e mais força explosiva que uma mulher e pode facilmente matar uma criança, uma rapariga ou uma mulher adulta com um murro - ou deixá-la deficiente para o resto da vida ou subjugá-la com fins de predação sexual.

Não há uma única prova que sugira que os homens biológicos que se auto-identificam como mulheres sejam menos ameaçadores para a segurança das mulheres do que outros homens. 

Por outro lado, há todo um sistema penal cheio de provas que indicam exactamente o contrário: os reclusos homens biológicos que se identificam como mulheres-trans têm 5 vezes mais probabilidades de serem presos por crimes sexuais e 7 vezes mais probabilidades de terem sido agressores sexuais antes de transicionarem de género. E estou a subestimar os números porque nestas situações, muitos casos não são reportados — e não, não estou a falar de condenações por trabalho sexual. Esses crimes têm vítimas, e essas vítimas são predominantemente mulheres e crianças.

A conclusão aqui é que, quando os homens têm acesso a mulheres vulneráveis, os dados mostram que as mulheres são violadas e exploradas sexualmente. 

Mesmo que um determinado homem não seja activamente predatório, a sua presença em espaços femininos ajuda a normalizar a presença de homens que o são.

É errado — é moralmente repreensível — colocar outras pessoas em perigo para conseguir o que se quer. É moralmente repugnante colocar os outros em risco sem o seu consentimento para se senti protegido ou confortável — e, no entanto, é precisamente isso que a comunidade masculina que se identifica como mulheres-trans está a fazer. 

Não se engane: esses homens biológicos adultos estão — no mínimo — a pôr mulheres e meninas em maior risco de estupro, agressão sexual, exploração sexual e até mesmo morte, tudo em nome de sua própria segurança pessoal e conforto. 

E essa é a interpretação mais benevolente do comportamento deles.

Na realidade, a maior parte da sua intrusão nos nossos espaços e do roubo dos nossos direitos é motivada pelo seu desejo fetichista de serem vistos e tratados como mulheres, e grande parte do seu comportamento nos espaços femininos é sexual e inadequado.

Isso varia desde masturbação em cabines e áreas comuns, muitas vezes filmada, com mulheres inocentes e sem consentimento, ao fundo — com os rostos visíveis, é claro — até o roubo de resíduos menstruais usados de caixotes do lixo de casas de banho para fins masturbatórios, passando por agressões físicas e sexuais completas.

Meninas pequenas foram arrastadas para cabines e violadas à mão armada; mulheres foram brutalmente agredidas por dizerem aos homens para saírem das casas de banho femininas; e homens foram filmados calmamente na fila para uma cabine na casa de banho feminina com uma ereção visível sob as saias.

Isto é completamente e totalmente inaceitável.

As mulheres merecem algum espaço livre de perigo e de exploração sexual masculina.
 
Tudo o que queremos é poder usar a porra da casa de banho em paz e segurança. É pedir muito?

 Diana Alastair

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Obrigar as mulheres a incluirem homens biológicos nas casas-de-banho femininas é uma violência, mesmo que esses homens não tenham intenção predatória ou sexualmente inadequada.

O que os dados nos mostram é que, pelo menos, um terço das raparigas e mulheres já foi vítima de abusos, assédio ou violência sexual. Portanto, em todas as casas-de-banho femininas haverá mulheres e raparigas com esse trauma e obrigá-las a partilhar o seu espaço seguro com homens desconhecidos é aumentar o seu sentimento de insegurança, desprotecção e perigo.

Não cabe aos homens decidir se a segurança física, psicológica e emocional das mulheres deve ser sacrificada para seu conforto, segurança ou lealdade a ideologias.

Mais de 95% da violência contra mulheres -violações, agressões e homicídios- é feita por homens. Também a violência sobre os homens é da autoria de outros homens em percentagens também nessa ordem. A violência dos homens é um problema masculino que os homens têm de resolver e isso não se faz transferindo a responsabilidade da violência masculina para as meninas, adolescente e adultas femininas ou dizendo que nem todos os homens são assim.

Há pouco tempo li um director de uma escola dizer que sempre que um rapaz lhe diz não se sentir confortável na casa-de-banho dos rapazes manda-o para a das raparigas (não sei se também para os balneários) e que nunca houve problema. Em primeiro lugar, só porque as raparigas não se queixaram não significa que não tenha havido problemas porque o silêncio não significa ausência de problemas ou conflitos - pode significar medo. Em segundo lugar ele não sabe quantas raparigas na casa-de-banho têm traumas com pénis, seja porque têm abusadores em casa ou porque já foram vítimas de assaltos sexuais, de maneira que a mera presença de pénis nas suas casas-de-banho desencadeia reforço de trauma. Em terceiro lugar ele não tem o direito de impôr às raparigas a responsabilidade de fazerem os homens sentirem-se confortáveis. O nível de arrogância patriarcal, inconsciente do que é a vida das raparigas e mulheres neste mundo construído para homens, que este director homem demonstra só é ultrapassado pela falta de críticas que esta prática dele (não) gerou.

Há pouco ouvi o seguinte de uma mulher:

"De cada vez que digo a um homem todas as estratégias que implemento sempre que saio de casa [para evitar ser assaltada, violada ou morta por homens] eles olham para mim como se fosse doida; quando as digo a uma mulher, elas não só anotam as que nunca usaram como partilham comigo as suas."


O «Homem de Referência»

 


A verdade mortal de um mundo construído para homens – de coletes à prova de facadas até aos acidentes de carro

theguardian.com

Os manequins de teste de colisão baseados no homem «médio» são apenas um exemplo de design que esquece as mulheres – e põe as suas vidas em risco.

Quando a apresentadora Sandi Toksvig estudava antropologia na universidade, uma das suas professoras mostrou uma fotografia de um osso de chifre com 28 marcas. «Isto é, supostamente, a primeira tentativa do homem de criar um calendário». Toksvig e os seus colegas olharam para o osso com admiração. «Digam-me», continuou a professora, «para que é que o homem precisa de saber quando se passaram 28 dias? Suspeito que esta seja a primeira tentativa da mulher de criar um calendário.»

As mulheres sempre monitoraram os seus períodos. Quando se sangra até sete dias por mês, é útil saber mais ou menos quando vão ocorrer esses dias. Todas as mulheres sabem disso e a experiência de Toksvig é um exemplo claro da diferença que a perspectiva feminina pode fazer, mesmo em questões que parecem totalmente alheias ao género.

No entanto, durante a maior parte da história da humanidade, essa perspectiva não foi registada. Voltando à teoria do «Homem Caçador», as vidas dos homens têm sido consideradas representativas das vidas de todos os seres humanos em geral. 

Quando se trata da outra metade da humanidade, muitas vezes não há nada além do silêncio e esses silêncios estão por toda parte. Nos filmes, notícias, literatura, ciência, planeamento urbano e na economia, as histórias que contamos a nós mesmos sobre o nosso passado, presente e futuro, tudo isso é marcado — desfigurado — por uma «presença ausente» em forma de mulher. 

Essa é a lacuna de dados de género.

Esses silêncios, essas lacunas, têm consequências. Afectam a vida das mulheres, todos os dias. O impacto pode ser relativamente menor — lutar para alcançar uma prateleira alta ajustada à altura média dos homens, por exemplo. Irritante, certamente, mas não fatal. Não como bater com um carro cujos testes de segurança não levam em conta as medidas corporais das mulheres. Não como morrer de uma facada porque o colete à prova de balas da polícia não se ajusta correctamente ao corpo das mulheres. Para essas mulheres, as consequências de viver num mundo construído em torno de dados masculinos podem ser fatais.

A disparidade de dados de género é tanto uma causa como uma consequência do tipo de pensamento irreflectido que concebe a humanidade como quase exclusivamente masculina. 

No musical My Fair Lady, de 1956, o foneticista Henry Higgins fica perplexo quando, após meses de humilhações, a sua protegida e vítima Eliza Doolittle finalmente riposta e resmunga: «Porque é que uma mulher não pode ser mais parecida com um homem?»

Quando o «trabalho feminino» é mortal

A fórmula para determinar a temperatura padrão dos escritórios foi desenvolvida na década de 1960 com base na taxa metabólica de repouso do homem médio. Um estudo holandês recente descobriu que a taxa metabólica de mulheres adultas jovens que realizam trabalhos leves de escritório é significativamente inferior aos valores padrão para homens que realizam a mesma actividade. Na verdade, a fórmula pode sobrestimar a taxa metabólica feminina em até 35%, o que significa que os escritórios actuais são, em média, cinco graus mais frios do que o ideal para as mulheres. Isso leva à estranha cena de funcionárias de escritório enroladas em cobertores no verão, enquanto seus colegas homens andam por aí de bermuda.

Essa situação não é apenas injusta, mas também prejudicial aos negócios: uma força de trabalho desconfortável é uma força de trabalho improdutiva. As lacunas nos dados sobre o local de trabalho levam a algo muito pior do que simples desconforto e ineficiência. Nos últimos 100 anos, os locais de trabalho, em geral, tornaram-se consideravelmente mais seguros. No início do século XX no Reino Unido, todos os anos morriam cerca de 4.400 pessoas no trabalho. Em 2016, esse número caiu para 135. Porém, embora os acidentes graves no trabalho tenham diminuído para os homens, há evidências de que eles têm aumentado entre as mulheres. É novamente a questão da lacuna de dados de género, com pesquisas ocupacionais tradicionalmente focadas em indústrias dominadas por homens.

Todos os anos, 8.000 pessoas no Reino Unido morrem de cancros relacionados com o trabalho. E embora a maioria das pesquisas nessa área tenha sido feita com homens, não  claro que eles sejam os mais afectados. 

Nos últimos 50 anos, as taxas de cancro da mama no mundo industrializado aumentaram significativamente, mas a falta de pesquisas sobre o corpo feminino, as profissões e os ambientes de trabalho significa que não há dados precisos sobre o que está por trás desse aumento. 
«Sabemos tudo sobre a doença do pó nos mineiros», diz-me Rory O'Neill, professor de investigação em políticas ocupacionais e ambientais da Universidade de Stirling. «Não se pode dizer o mesmo sobre as exposições, físicas ou químicas, no “trabalho das mulheres”».
O cancro é uma doença de longa latência, diz O'Neill, por isso, mesmo que começássemos os estudos agora, levaria uma geração de trabalho antes de termos dados utilizáveis. Mas não estamos a iniciar os estudos agora. Em vez disso, continuamos a confiar nos dados de estudos realizados com homens, como se eles se aplicassem às mulheres. Especificamente, homens caucasianos com idades entre 25 e 30 anos, que pesam 70 kg. Este é o «Homem de Referência» e o seu super-poder é ser capaz de representar a humanidade como um todo. É claro que não o representa.

Homens e mulheres têm sistemas imunitários e hormonas diferentes, o que pode influenciar a forma como os produtos químicos são absorvidos. As mulheres tendem a ser mais pequenas do que os homens e têm uma pele mais fina, o que pode reduzir o nível de toxinas a que podem ser expostas com segurança. Este limiar de tolerância mais baixo é agravado pela maior percentagem de gordura corporal das mulheres, na qual alguns produtos químicos podem acumular-se. Os produtos químicos continuam a ser normalmente testados isoladamente e com base numa única exposição. Mas não é assim que as mulheres tendem a entrar em contacto com eles.

Nos salões de beleza, onde a força de trabalho é quase exclusivamente feminina (e muitas vezes migrante), as trabalhadoras são expostas diariamente a uma grande variedade de produtos químicos que são «rotineiramente encontrados nos esmaltes, removedores, géis, gomas, desinfetantes e adesivos que são essenciais para o seu trabalho», de acordo com a investigadora canadiana Anne Rochon Ford. 

Muitos destes produtos químicos têm sido associados a cancro, abortos espontâneos e doenças pulmonares. Alguns podem alterar as funções hormonais normais do corpo. Se estas mulheres depois vão para casa e começam um segundo turno não remunerado a limpar a sua casa, serão expostas a diferentes produtos químicos que são omnipresentes em produtos comuns. Os efeitos desta mistura são em grande parte desconhecidos.

A maior parte da investigação sobre produtos químicos tem-se centrado na sua absorção através da pele. Mas muitos dos produtos utilizados em salões de beleza são extremamente voláteis, o que significa que evaporam à temperatura ambiente e podem ser inalados – juntamente com as quantidades consideráveis de pó produzidas quando as unhas acrílicas são limadas. A investigação sobre como isto pode afectar as trabalhadoras é praticamente inexistente.

Parte da incapacidade de perceber os riscos em indústrias tradicionalmente dominadas por mulheres deve-se ao facto de, muitas vezes, esses trabalhos serem uma extensão do que as mulheres fazem em casa (embora em uma escala mais onerosa). Mas a falta de dados sobre as mulheres no local de trabalho não surge apenas em indústrias dominadas por mulheres.

Existem poucos dados sobre lesões em mulheres na construção civil, mas o Comité de Nova Iorque para a Segurança e Saúde Ocupacional (NYCOSH) aponta para um estudo norte-americano com carpinteiros sindicalizados que descobriu que as mulheres tinham taxas mais altas de entorses, distensões e problemas nervosos no pulso e antebraço do que os homens. Dada a falta de dados, é difícil ter a certeza do motivo exacto para isso acontecer, mas é seguro atribuir pelo menos parte da culpa ao equipamento «padrão» dos estaleiros de construção, que é projectado com base no corpo masculino.

Wendy Davis, ex-diretora do Women's Design Service no Reino Unido, questiona o tamanho padrão de um saco de cimento. É um peso confortável para um homem levantar, mas, diz ela, não precisa de ser desse tamanho. «Se fossem um pouco menores, as mulheres poderiam levantá-los.» 

Davis também questiona o tamanho padrão dos tijolos. «Tenho fotografias da minha filha [adulta] segurando um tijolo. Ela não consegue envolvê-lo com a mão. Mas a mão do [seu marido] Danny encaixa-se perfeitamente. Por que razão um tijolo precisa de ter esse tamanho?» 

Ela também observa que o portfólio típico de um arquiteto A1 cabe perfeitamente debaixo do braço da maioria dos homens, enquanto a maioria das mulheres não consegue envolvê-lo com os braços.

A NYCOSH observa de forma semelhante que «as ferramentas manuais padrão, como chaves inglesas, tendem a ser demasiado grandes para as mãos das mulheres segurarem com firmeza».

No Reino Unido, os empregadores são legalmente obrigados a fornecer equipamentos de proteção individual (EPI) bem conservados — desde óculos de proteção até fatos de corpo inteiro — aos trabalhadores que precisam deles, gratuitamente, mas a maioria dos EPI é baseada nos tamanhos e características da população masculina da Europa e dos EUA. O TUC descobriu que os empregadores muitas vezes pensam que, quando se trata de trabalhadoras, tudo o que precisam fazer para cumprir essa exigência legal é comprar tamanhos menores, mas as diferenças no peito, ancas e coxas podem afetar a forma como as correias se ajustam aos arneses de segurança. 

O uso de um formato de rosto masculino «padrão» dos EUA para máscaras contra poeira, perigos e proteção ocular significa que não se ajustam à maioria das mulheres (assim como a muitos homens negros e de minorias étnicas). 

Um relatório da TUC de 2017 descobriu que o problema com EPI mal ajustado era pior nos serviços de emergência, onde apenas 5% das mulheres afirmaram que o seu EPI nunca atrapalhava o seu trabalho, com coletes à prova de balas, coletes à prova de facadas, coletes e jaquetas de alta visibilidade todos destacados como inadequados.

Quando se trata de trabalhadores da linha de frente, EPI mal ajustado pode ser fatal. Em 1997, uma polícia britânica foi esfaqueada e morta enquanto usava um aríete hidráulico para entrar num apartamento. Ela havia removido o colete à prova de balas porque era extremamente difícil usar o aríete com o colete vestido. 

Dois anos depois, uma agente da polícia revelou que teve de fazer uma cirurgia de redução mamária devido aos efeitos na saúde causados pelo uso do colete à prova de balas. Depois de este caso ter sido relatado, outras 700 agentes da mesma força policial apresentaram queixas sobre o colete de proteção padrão.

Embora as reclamações tenham surgido regularmente nos últimos 20 anos, pouco parece ter sido feito. Polícias britânicas relatam ter ficado com hematomas devido aos cintos dos seus uniformes; várias tiveram de fazer fisioterapia devido à forma como os coletes à prova de facadas se ajustam ao seu corpo; muitas reclamam que não há espaço para os seus seios. Isso não é apenas desconfortável, mas também faz com que os coletes à prova de facadas fiquem curtos demais, deixando o corpo das mulheres desprotegido.

A tirania da fila para a casa-de-banho 

Em abril de 2017, a jornalista da BBC Samira Ahmed precisava de usar a casa-de-banho. Estava a  assistir à exibição do documentário I Am Not Your Negro, de James Baldwin, no centro de artes Barbican, em Londres, e era o intervalo. 

Qualquer mulher que já foi ao teatro sabe o que isso significa. Naquela noite, a fila estava pior do que o normal. Muito pior porque, numa demonstração quase cómica de não se ter pensado nas mulheres, o Barbican transformou as casas-de-banho masculinas e femininas em casas-de-banho neutras em termos de género, simplesmente substituindo as placas «homens» e «mulheres» por «neutro em termos de género com mictórios» e «neutro em termos de género com cubículos». 

O óbvio aconteceu. Apenas os homens estavam a usar o suposto «neutro em termos de género com mictórios» e as casas-de-banho «neutro em termos de género com cubículos» passaram a ser usadas por imensos homens que tornaram a situação das mulheres ainda pior porque o que fizeram foi aumentarem a oferta para os homens. 
“Ah, a ironia de ter que explicar a discriminação depois de ter acabado de assistir a I Am Not Your Negro NO SEU CINEMA”, tuitou Samira, sugerindo que tornar as casas-de-banho masculinas neutros em termos de género seria suficiente: “NUNCA há lá fila e você sabe isso perfeitamente.”
À primeira vista, pode parecer justo e equitativo atribuir o mesmo espaço aos sanitários públicos masculinos e femininos – e, historicamente, é assim que tem sido feito: a divisão 50/50 do espaço útil foi até formalizada nos códigos de canalização. 

Mas mesmo que as casas-de-banho masculinas e femininas tivessem o mesmo número de cubículos, a questão não seria resolvida, porque as mulheres levam até 2 ou 3 vezes mais tempo do que os homens para usá-las. 

As mulheres constituem a maioria dos idosos e deficientes, dois grupos que tendem a precisar de mais tempo na casa-de-banho. 

As mulheres também são mais propensas a estar acompanhadas por crianças, bem como por pessoas com deficiência e idosos. Além disso, há 20 a 25% das mulheres em idade fértil que podem estar menstruadas a qualquer momento e, portanto, precisam trocar tampões ou pensos higiénico.

As mulheres também podem precisar de ir mais vezes à casa de banho: a gravidez reduz significativamente a capacidade da bexiga e as mulheres são oito vezes mais propensas a sofrer de infecções do trato urinário. 

Diante de todas essas diferenças anatómicas, só mesmo um dogmático formal da igualdade continua a argumentar que o espaço igual entre homens e mulheres é justo.

Os dispositivos criados para um tamanho-único que na realidade só serve a homens

Em 1998, um pianista chamado Christopher Donison escreveu que «é possível dividir o mundo em duas categorias»: aqueles com mãos maiores e aqueles com mãos menores. Donison escreveu como pianista masculino que, devido às suas mãos menores que a média, lutou durante anos com teclados tradicionais, mas podia igualmente ter escrito enquanto mulher. 

Existem muitos dados que mostram que as mulheres têm, em média, mãos menores, mas continuamos a projectar equipamentos com base na mão masculina média, como se um tamanho único para homens fosse o mesmo que um tamanho único para todos os seres humanos.

O tamanho médio dos smartphones é agora de 5,5 polegadas. Enquanto o homem médio consegue usar o seu dispositivo com bastante conforto com uma só mão, a mão média da mulher não é muito maior do que o próprio aparelho. Isto é obviamente irritante — e insensato para uma empresa como a Apple, dado que estudos mostram que as mulheres são mais propensas a ter um iPhone do que os homens.

[nota pessoal: eu não sou capaz de tirar uma selfie se tiver de usar uma só mão. Pegar no telemóvel e, ao mesmo tempo, clicar no botão de disparo é uma impossibilidade física. Isto, apesar de comprar sempre telemóveis de ecrã pequeno para caberem dentro das minhas malas pequenininhas]

O jornalista e autor especializado em tecnologia James Ball tem uma teoria para explicar por que a fixação por ecrãs grandes persiste: porque a sabedoria popular diz que são os homens que impulsionam as compras de smartphones de última geração. 

Mas se as mulheres não estão a impulsionar as compras de smartphones topo de gama – pelo menos no que diz respeito a produtos que não sejam da Apple –, será por não estarem interessadas em smartphones? Ou será porque os smartphones são projectados sem ter as mulheres em mente? Pelo lado positivo, Ball garantiu-me que os ecrãs provavelmente não continuaram a aumentar porque “atingiram o limite do tamanho das mãos dos homens”.

Boas notícias para os homens, então. Mas azar para mulheres como a minha amiga Liz, que tem um Motorola Moto G de terceira geração. Em resposta a uma das minhas reclamações habituais sobre o tamanho dos telemóveis, ela respondeu que tinha acabado de «reclamar a um amigo sobre como era difícil fazer zoom na câmara do meu telemóvel. Ele disse que era fácil no dele. Acontece que temos o mesmo telemóvel. Perguntei-me se seria uma questão de tamanho das mãos».

Quando Zeynep Tufekci, investigadora da Universidade da Carolina do Norte, tentava documentar o uso de gás lacrimogéneo nos protestos do Parque Gezi, na Turquia, em 2013, o tamanho do seu Google Nexus atrapalhou. Era a noite de 9 de junho. O Parque Gezi estava sobrelotado. Os pais estavam lá com os seus filhos quando as bombas foram disparadas. 

Como as autoridades «frequentemente afirmavam que o gás lacrimogéneo era usado apenas contra vândalos e manifestantes violentos», Tufekci queria documentar o que estava a acontecer. Então, pegou no seu telemóvel. 
«E enquanto os meus pulmões, olhos e nariz ardiam com a dor do agente lacrimogéneo libertado de várias cápsulas que haviam caído ao meu redor, comecei a amaldiçoar.» 
O telemóvel era muito grande. Ela não conseguia tirar uma foto com uma mão só – «algo que eu tinha visto inúmeros homens com mãos maiores fazerem o tempo todo». Todas as fotos de Tufekci do evento ficaram inutilizáveis, «por uma razão simples: bons smartphones são projectados para mãos masculinas».

O reconhecimento de voz pode ser uma solução para um smartphone que não se adapta às suas mãos, mas o software de reconhecimento de voz costuma ser irremediavelmente tendencioso para os homens. 

Em 2016, Rachael Tatman, investigadora em linguística na Universidade de Washington, descobriu que o software de reconhecimento de voz do Google tinha 70% mais probabilidades de reconhecer com precisão a fala masculina.

É claramente injusto que as mulheres paguem o mesmo preço que os homens por produtos que oferecem um serviço inferior para elas. 

Mas também pode haver sérias implicações de segurança. O software de reconhecimento de voz em carros, por exemplo, tem como objecctivo diminuir as distrações e tornar a condução mais segura. Porém, pode ter o efeito oposto se não funcionar. Um artigo no site de automóveis Autoblog citou uma mulher que comprou um Ford Focus 2012, mas descobriu que o sistema de comando de voz só ouvia o seu marido, mesmo que ele estivesse no banco do passageiro. Outra mulher ligou para o fabricante pedindo ajuda quando o sistema de telefone activado por voz do seu Buick não a ouvia: “O rapaz disse-me sem rodeios que nunca iria funcionar para mim. Disseram-me para pedir a um homem para configurá-lo.»

Imediatamente após escrever isto, eu estava com a minha mãe no seu Volvo Cross Country, observando-a tentar, sem sucesso, fazer com que o sistema de reconhecimento de voz ligasse para a sua irmã. Após cinco tentativas frustradas, sugeri que ela tentasse baixar o tom de voz. Funcionou na primeira tentativa.

No mundo da tecnologia, a suposição implícita de que os homens são o padrão humano continua a prevalecer. 

Quando a Apple lançou o seu sistema de monitorização de saúde com grande alarde em 2014, gabou-se de ter um monitor de saúde «abrangente». Podia monitorizar a pressão arterial, os passos dados, o nível de álcool no sangue e até mesmo a ingestão de molibdénio e cobre mas, como muitas mulheres apontaram na época, esqueceram um detalhe crucial: um monitor de menstruação.

Quando a Apple lançou a sua IA, Siri, os utilizadores nos EUA descobriram que (ironicamente) conseguia encontrar prostitutas e fornecedores de Viagra, mas não prestadores de serviços de aborto. Siri podia ajudar se tivesse um ataque cardíaco, mas se lhe dissesse que tinha sido violada, ela respondia: «Não sei o que quer dizer com ‘fui violada’».

De smartwatches que são grandes demais para os pulsos das mulheres a aplicações de mapas que não levam em consideração as mulheres que podem querer saber as rotas «mais seguras», além das «mais rápidas»; a aplicações para «medir o quão bom você é no sexo» chamadas «iThrust» e «iBang», a indústria de tecnologia está repleta de outros exemplos. 

Embora haja um número crescente de empresas de tecnologia lideradas por mulheres que atendem às necessidades femininas, elas são vistas como uma preocupação de «nicho» e muitas vezes têm dificuldade em obter financiamento.

Um estudo com 12 dos monitores de fitness mais comuns descobriu que eles subestimavam os passos durante as tarefas domésticas em até 74% (esse era o Omron, que estava dentro de 1% para caminhada ou corrida normal) e subestimavam as calorias queimadas durante as tarefas domésticas em até 34%. 

Entretanto, os utilizadores do Fitbit queixaram-se de que o dispositivo não contabiliza o movimento durante uma actividade extremamente comum entre as mulheres, que é empurrar um carrinho de bebé (e, sim, os homens também empurram carrinhos de bebé, mas não com tanta frequência quanto as mulheres, que realizam 75% dos cuidados não remunerados no mundo).

Como as mulheres correm risco nas estradas

Os homens são mais propensos do que as mulheres a envolverem-se em acidentes de carro, o que significa que eles dominam os números de feridos graves nesses acidentes. No entanto, quando uma mulher se envolve num acidente de carro, tem 47% mais chances de sofrer ferimentos graves e 71% mais chances de sofrer ferimentos moderados, mesmo quando os pesquisadores controlam factores como altura, peso, uso do cinto de segurança e intensidade do acidente. Elas também têm 17% mais probabilidades de morrer. E tudo isso tem a ver com a forma como o carro é projectado — e para quem.

As mulheres, sendo em média mais pequenas, tendem a sentar-se mais à frente ao dirigir. As nossas pernas precisam estar mais próximas para alcançar os pedais e precisamos sentar-nos mais erectas para ver claramente por cima do painel. No entanto, essa não é a «posição padrão do assento», dizem os pesquisadores. As mulheres conduzem «fora de posição» e o nosso desvio deliberado da norma significa que corremos um risco maior de lesões internas em colisões frontais. O ângulo dos nossos joelhos e ancas, à medida que as nossas pernas mais curtas alcançam os pedais, também torna as nossas pernas mais vulneráveis.

As mulheres também correm maior risco em colisões traseiras. Temos menos músculos no pescoço e na parte superior do tronco, o que nos torna mais vulneráveis a lesões cervicais (até três vezes mais), e o design dos carros amplificou essa vulnerabilidade. 

Uma pesquisa sueca mostrou que os bancos modernos são muito rígidos para proteger as mulheres contra lesões cervicais: os bancos lançam as mulheres para a frente mais rapidamente do que os homens, porque a parte de trás do banco não cede para os corpos das mulheres, que são, em média, mais leves. A razão pela qual isso foi permitido é muito simples: os carros foram projetados usando manequins de teste de colisão baseados no homem «médio».

Os manequins de teste de colisão foram introduzidos pela primeira vez na década de 1950 e, durante décadas, foram baseados no homem do percentil 50. O manequim mais utilizado tem 1,77 m de altura e pesa 76 kg (significativamente mais alto e mais pesado do que uma mulher média); o manequim também tem proporções de massa muscular masculina e uma coluna vertebral masculina. 

No início da década de 1980, investigadores da Universidade de Michigan defenderam a inclusão de uma mulher do percentil 50 nos testes regulamentares, mas este conselho foi ignorado pelos fabricantes e reguladores. Foi somente em 2011 que os EUA começaram a usar um manequim feminino para testes de colisão – embora, como veremos, seja questionável o quão “femininos” esses manequins realmente são.

Em 2018, Astrid Linder, diretora de investigação de segurança rodoviária do Instituto Nacional Sueco de Investigação Rodoviária e de Transportes, apresentou um artigo na Conferência sobre Segurança Rodoviária nos Cinco Continentes, na Coreia do Sul, no qual abordou os requisitos regulamentares da UE em matéria de testes de colisão. Em nenhum teste é exigido um manequim feminino antropometricamente correcto para testes de colisão. 

O teste do cinto de segurança, um dos testes de colisão frontal e ambos os testes de colisão lateral especificam que deve ser utilizado um manequim masculino do percentil 50. Existe um teste regulamentar da UE que exige o que é chamado de manequim feminino do percentil 5, que se destina a representar a população feminina. Apenas 5% das mulheres terão uma altura inferior a este manequim. Mas existem várias lacunas nos dados. Para começar, este manequim só é testado no banco do passageiro, pelo que não temos quaisquer dados sobre como uma condutora seria afetada – algo que se poderia considerar um problema, dado o estilo de condução «fora de posição» das mulheres. Em segundo lugar, este manequim feminino não é realmente feminino. É apenas um manequim masculino em escala reduzida.

Os testes realizados pelos consumidores podem ser um pouco mais rigorosos do que os testes regulamentares. A introdução, em 2011, de manequins femininos para testes de colisão nos EUA fez com que as classificações por estrelas dos carros caíssem. 

Quando conversei com a EuroNCAP, uma organização europeia que fornece classificações de segurança de carros para consumidores, eles disseram que, desde 2015, usam manequins masculinos e femininos em ambos os testes de colisão frontal e que baseiam os manequins femininos em dados antropométricos femininos — com a ressalva de que isso se aplica «quando os dados estão disponíveis». 

A EuroNCAP reconheceu que «às vezes» usam apenas manequins masculinos em escala reduzida. Mas as mulheres não são homens pequeninos, em escala reduzida. As mulheres têm uma distribuição de massa muscular diferente. Uma densidade óssea menor. Existem diferenças no espaçamento das vértebras. Até mesmo o balanço do corpo é diferente. E todas essas diferenças são cruciais quando se trata de taxas de lesões em acidentes de carro.

A situação é ainda pior para as mulheres grávidas. Embora um manequim grávido para testes de colisão tenha sido criado em 1996, os testes com ele ainda não são exigidos pelo governo, nem nos EUA nem na UE. 

Na verdade, embora os acidentes de carro sejam a principal causa de morte fetal relacionada a traumas maternos, ainda não desenvolvemos um cinto de segurança que funcione para mulheres grávidas. Uma pesquisa de 2004 sugere que as mulheres grávidas devem usar o cinto de segurança padrão, mas 62% das mulheres grávidas no terceiro trimestre não se encaixam nesse design.

Linder tem trabalhado no que ela diz ser o primeiro manequim de teste de colisão a representar com precisão o corpo feminino. Actualmente, trata-se apenas de um protótipo, mas ela está a pedir à UE que torne os testes com esses manequins uma exigência legal. Na verdade, Linder argumenta que isso já é uma exigência legal, tecnicamente falando porque o artigo 8.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia estabelece que «em todas as suas atividades, a União tem por objetivo eliminar as desigualdades e promover a igualdade entre homens e mulheres». É evidente que o facto de as mulheres terem 47% mais probabilidades de sofrer ferimentos graves num acidente de carro é uma desigualdade que não pode ser ignorada.

Os designers podem acreditar que estão a criar produtos para todos, mas, na realidade, estão principalmente a criá-los para homens. É hora de começar a incluir as mulheres no design.

Este é um trecho editado de Invisible Women: Exposing Data Bias in a World Designed for Men, de Caroline Criado Perez (Chatto & Windus, £ 16,99).

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Penso que a esmagadora maioria dos homens não têm a mínima noção de como quase tudo no mundo foi, e é, construído para a sua segurança, o seu conforto, o seu sucesso, o seu prazer, a sua vantagem, o seu interesse, a sua dominação, etc. E é assim construído conscientemente para promover os homens e os seus interesses à custa da segurança, interesses, conforto, prazer, etc., das mulheres. Pense-se só no seguinte: uma mulher engravida, no máximo, uma vez por ano, mas um homem pode engravidar várias mulheres por dia. No entanto, a responsabilidade de evitar gravidezes é das mulheres e a indústria farmacêutica foca-se em medicamentos para os homens poderem prolongar a sua vida fértil, por prazer.

Conheço muitos homens (brancos) que dizem que hoje-em-dia se sentem vítimas porque também têm dificuldades e fala-se sempre como se tivessem vantagens e não estivessem em igualdade. Não têm a mínima noção.

De onde surgiu a expressão, «mansplaining»

 


Um homem passou vinte minutos explicar-lhe o seu próprio livro — e ela foi educada demais para interrompê-lo mas aquele momento mudou tudo.

O ano era 2008. Rebecca Solnit, já uma escritora e historiadora reconhecida, quando, numa festa em Aspen,  um homem rico e mais velho lhe perguntou em que estava trabalhar no momento. Ela respondeu que acabara de publicar um livro sobre o fotógrafo Eadweard Muybridge.

O rosto dele iluminou-se. «Já ouviu falar do livro muito importante sobre Muybridge que foi lançado este ano?»

Antes que ela pudesse responder, ele começou a explicar-lhe essa obra inovadora. Como era significativa e que ela deveria lê-la porque mudou completamente a compreensão de...

A amiga dela tentou interromper: «Esse livro é o dela. »Ele continuou a falar. «É o livro dela», disse a amiga novamente, em voz mais alta. Ele continuou a explicar, sem se deixar intimidar, certo da sua autoridade.

Foram necessárias três tentativas para que ele finalmente parasse. E mesmo assim, ele não pediu desculpa, apenas desanimou um pouco e mudou de assunto.

Rebecca foi para casa e escreveu um ensaio sobre o assunto. Chamou-lhe, «Os homens explicam-me as coisas».

E com esse ensaio, ela deu ao mundo uma palavra para algo que as mulheres sempre experimentaram, mas para o qual não tinham nome: mansplaining.

O padrão por trás da festa

O ensaio não era realmente sobre um homem pomposo numa festa, era sobre um padrão que Rebecca tinha notado ao longo de toda a sua vida: homens a explicar às mulheres coisas que elas já sabiam. Homens medíocres a falar para mulheres com uma autoridade vazia de mérito. Homens a assumir que o seu conhecimento é superior, mesmo quando confrontados com evidências em contrário.
«Os homens ainda me explicam coisas e nenhum homem jamais pediu desculpa por explicar, erroneamente, coisas que eu sei e eles não.»
Todas as mulheres reconheceram o sentido desta expressão.  

Em poucos anos, «mansplaining» entrou no Oxford English Dictionary — embora Rebecca nunca tenha usado exactamente essa palavra. Simplesmente descreveu o fenómeno com tanta clareza que outra pessoa nomeou-o com facilidade.

Mas o ensaio revelou algo mais profundo do que apenas um comportamento masculino irritante. Expôs um sistema de padrões que ninguém questionava. Revela a arquitetura da desigualdade.

No seu trabalho, ela escreve o que talvez seja a sua observação mais devastadora: 
“Os homens inventaram padrões que podiam cumprir e chamaram-lhes universais.”
Páre e pense nisso.

Os livros didácticos de história são chamados de «História», mas tratam principalmente de homens. Assim, a história das mulheres torna-se uma sub-categoria, um tópico de interesse especial, histórias, enquanto a história dos homens é 'A' história. O padrão. O universal.

As antologias literárias são chamadas de «Grande Literatura», mas estão repletas de autores homens. Assim, a escrita das mulheres torna-se «literatura feminina», um sub-conjunto, enquanto as perspectivas masculinas são apresentadas como 'A' experiência humana.

A filosofia é ensinada como raciocínio humano universal — mas foi desenvolvida quase inteiramente por homens. Assim, as formas de pensar das mulheres são descartadas como emocionais, subjectivas, irracionais.

A «experiência humana universal» era, na verdade, apenas a experiência masculina, vendida como verdade neutra.

Rebecca pergunta: e se deixássemos de aceitar isso? E se reconhecêssemos que a «objectividade» e os «padrões universais» eram, eles próprios, construções de género concebidas para excluir as mulheres?

Tudo muda.

De repente, as regras não são naturais ou inevitáveis. São apenas... escolhas. Escolhas feitas por pessoas com poder. E as escolhas podem ser contestadas.

Outro padrão que Rebecca desmonta: a ideia de que o silêncio significa paz.

Somos ensinados que mulheres que não reclamam estão satisfeitas. Que comunidades sem protestos são harmoniosas. Que a ausência de conflitos visíveis significa que tudo está bem.

Mas, como Rebecca aponta na sua coleção de ensaios “The Mother of All Questions” (A mãe de todas as perguntas), o silêncio muitas vezes significa apenas que a voz de alguém foi suprimida com sucesso.

Ela examina as perguntas que as mulheres ouvem constantemente: 
Por que não tem filhos? Por que não sorri mais? Por que está tão zangada?
Não são perguntas inocentes. São mecanismos de imposição — formas de policiar as escolhas, as suas emoções, a sua intervenção pública e a sua existência.

E quando as mulheres respondem honestamente, quando dizem «não quero filhos» ou «tenho todo o direito de estar zangada» ou«o que importa são as razões que me levaram a estar zangada», são tratadas como perturbadoras, perigosas. Como se estivessem a criar conflitos onde antes não existiam - mas a verdade é que o conflito sempre esteve lá, só que era apenas invisível porque um dos lados tinha sido silenciado pelo poder do outro lado.

Ela escreve: 
«A questão não é por que as mulheres estão zangadas, mas sim, por que não estamos muito mais zangadas?»
O que torna o trabalho de Rebecca tão poderoso é que ela se recusa a separar a sua experiência de vida da análise intelectual.

Nas suas memórias, «Recollections of My Nonexistence» (Memórias da minha inexistência), ela descreve como era caminhar por São Francisco quando era jovem, constantemente consciente da violência masculina. 

Assédios que pareciam ameaças. Homens estranhos a segui-la. A sensação persistente de ser perseguida em espaços públicos. Como era interrompida em conversas, menosprezada em espaços intelectuais, como os homens diziam que as suas ideias não estavam correctas e, minutos depois, repetiam essas mesmas ideias sob aplausos.

Estas não são apenas queixas pessoais, são dados concretos, comuns às outras mulheres. 

Dados que mostram que as mulheres navegam pelo mundo de forma diferente dos homens. 

Que o «espaço público» não é igualmente público para todos. 

Que a autoridade intelectual é influenciada pelo género. 

Que a violência masculina estrutura a existência diária das mulheres de formas que os homens nunca têm de considerar.

E aqui está a sua visão crucial: o homem que interrompe uma mulher numa reunião e o homem que comete violência contra as mulheres não são opostos. Fazem parte do mesmo sistema — um sistema que trata as vozes, os corpos e a autonomia das mulheres como menos importantes do que o conforto dos homens.

As pequenas rejeições e a grande violência existem num continuum. Estão ligadas.


Em «Hope in the Dark», ela escreve: 
«A esperança não é um bilhete de lotaria que se pode segurar sentada no sofá, sentindo-se com sorte. É um machado com o qual se derruba portas em caso de emergência.»
Ela documenta vitórias feministas — leis alteradas, atitudes mudadas, vozes amplificadas — para provar que a resistência funciona. 

Nomear a injustiça é o primeiro passo para a desmantelar.

Rebecca Solnit mostra que as regras «universais» podem ser contestadas. Que o que foi construído pode ser reconstruído de forma diferente.

A sua mensagem: o sistema não é natural. Foi construído. E a construção pode ser desfeita e refeita.

Rebecca Solnit deu-nos linguagem para experiências que não conseguíamos nomear. Sempre que alguém diz «páre de mansplaining», está a usar vocabulário que ela ajudou a criar. Sempre que alguém questiona se um padrão «universal» é realmente universal, está a aplicar a sua estrutura. Sempre que alguém se recusa a aceitar o silêncio como paz, está a mostrar a sua razão.

Ela provou que o pessoal é político — que as experiências individuais não são incidentes isolados, mas evidências de padrões estruturais e lembrou-nos que a esperança não é uma espera passiva. É um trabalho ativo — a prática diária de recusar aceitar que as coisas são como são porque têm de ser assim.

O homem naquela festa em Aspen não fazia ideia de que estava prestes a tornar-se famoso, pensava que estava apenas a partilhar informações importantes com uma mulher que claramente precisava da sua experiência. Em vez disso, tornou-se um exemplo. Uma ilustração perfeita de um padrão tão difundido que milhões de mulheres imediatamente o reconheceram.

As palavras, como ela provou, são onde a mudança começa. Quando se consegue nomear algo, passa-se a vê-lo em todo o lado e quando se vê em todo o lado, pode começar-se a desmantelá-lo.

Fonte: facts that will blow your mind

July 19, 2025

O golpe do baú

 

É o contrário do que é costume dizer-se. 

A maioria dos homens considera que, se uma mulher casa ou se junta a eles e eles têm muito mais dinheiro que ela ou se ela nem sequer trabalha, está a aproveitar-se deles que são as vítimas. Na verdade é o oposto. 

Sem terem que pagar salários, têm à sua disposição uma mulher de acordo com os seus gostos materialistas, emocionais e sexuais que os apoia, faz de psicóloga, de confidente e de repositório de frustrações, trata-lhes da casa, apoia a sua carreira, trata-lhes da comida, da roupa, dos filhos, dos melhoramentos da casa, das compras e de todas as milhares de preocupações diárias que a rotina doméstica implica. Isto tudo de borla. A quantas pessoas diferentes seria preciso pagar salário para fazer todas estas tarefas?

Alguns, apesar de ganharem 20 vezes mais que as suas mulheres e não contribuirem nada a não ser dinheiro para a família, ainda se queixam de elas não pagarem todas as contas a meias, como se tivessem a ser prejudicados, sabendo que elas desistiram da sua independência económca, da sua carreira e de tantas outras coisas, para se dedicarem a cuidar deles como filhos. Mas falam como se a única coisa importante fosse o dinheiro e consertar o candeeiro sem luz, não a família ou a vida comum. E perguntam o que é que elas trazem para a mesa. Elas são a mesa e tudo o que a mesa tem. 

Neste vídeo, o homem pergunta, qual é o mal de ter uma mulher em casa, "uma mulher feminina"... uma mulher que tenha uma profissão e não desista dela é, portanto, masculina. 

O que o frustra é que nesse caso, ela tirou-lhe o poder do dinheiro que é o poder do domínio, da objectificação do outro e da supressão da sua liberdade de escolher e de ser.