Estava aqui a ler isto:
Emmanuel Macron : le triomphe du centrisme autoritaire
... e lembrei-me da conserva, outro dia, com o André. Concordámos que o problema de fazer parte do sistema político é esse mesmo, o de entrar no jogo.
Fiquei a pensar nisso. Este é um problema complicado porque para interferir no jogo, é preciso jogar. No entanto, todos aqueles que, na História, entraram em sistemas em avançada fase de decadência ou já putrefacção com o argumento, esperança ou ideia de o mudar por dentro acabaram, ou trucidados pela máquina ou integrados nela como peças da engrenagem. Veja-se o caso da Alemanha no período nazi.
De modo que o problema é complicado. Neste momento, parece-me que, dada a progressiva tendência para o autoritarismo e menorização dos processos democráticos e, ainda, a indiferença de práticas entre partidos da direita e da esquerda que já quase nada têm de defesa ideológica, pode-se escolher três caminhos:
1. O primeiro é clássico - deixar que o sistema se degrade a um ponto de ruptura a partir do qual se consiga reconstruir outras regras de jogo. Isso aconteceu por uns tempos a seguir ao 25 de Abril. Houve uma preocupação real, com consequências positivas, com os direitos civis e políticos das pessoas. Aconteceu a seguir à Segunda Grande Guerra onde houve uma consciencialização dos direitos humanos, políticos e sociais que gerou grandes mudanças positivas. O problema é que as revoluções são como as guerras: demasiado destrutivas, com um grande período de caos e violência e uma incógnita pois nunca se sabe onde aquilo vai acabar. Veja-se a URSS.
2. O segundo é capturar um partido político e reorientá-lo para cativar franjas de população descontentes com o status quo. Isso é o que está a ser feito com o Chega com muito sucesso, infelizmente. É o que faz também a Maçonaria que captura cargos estratégicos e espalha uma teia de influências em lugares-chave que mudam, de facto, os pressupostos do sistema. Minam.
Estes dois primeiros modos têm ambos o defeito de não serem democráticos. São movimentações de grupos com interesses particulares.
Parece-me que estamos num momento particular da História que não se repetirá nos tempos mais próximos se não for agora aproveitado. É um momento em que a geração que está no poder e a outra que constitui a força de trabalho, não só em Portugal como numa significativa parte do mundo, é ainda a geração herdeira das mudanças do pós-guerra e do Maio de 68: são as gerações da educação universal, dos sistemas de educação e saúde universais, do direito ao trabalho, dos direitos das mulheres, da ideia de mérito, etc. que construíram a sociedade democrática que está agora em perigo.
São esses que não aceitam o autoritarismo e a decadência da vida política, foram eles que ocuparam as ruas por esse mundo fora em protesto pelas desigualdades gritantes (o occupy movement), são eles que se manifestam pela educação no Chile, na Argentina, em França, nos EUA, em Portugal, em França; são eles que vão para a rua em França pelas reformas.
A geração mais nova, que anda pelos vinte anos e isso ou menos, bate-se pelo ambiente e outras causas, de mérito, mas não por estas causas tradicionais políticas. Nem sequer têm educação política como nós tivemos, que aos 13 anos discutíamos as notícias políticas e as mudanças políticas do país e estávamos a par dos pressupostos ideológicos das várias forças em jogo. Em grande parte porque o sindicalismo se comprometeu com o poder e perdeu a sua força de intervenção e em outra parte devido à decadência geral das políticas educativas desastrosas para a emancipação e autonomia das pessoas, a res política é hoje um campo de batalha de cargos e dinheiros.
De modo que, se não são estas gerações herdeiras do pós-guerra a forçar a mudança das práticas autoritárias dos governos que se estão a espalhar-se, não será a geração seguinte, a dos instagrams, a fazer isso.
E, da maneira como a educação está a retornar ao ponto em que estava há 70 anos, onde quem tinha dinheiro tinha futuro e os outros tinham restolho, um pouco pelo mundo fora, daqui a uns anos este assunto, quer dizer, o da possibilidade de reconstruir a democracia como um sistema do povo, para o povo, estará morto e enterrado.
(continua)
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