A Divina Comédia
Poema épico de Dante Alighieri
A Divina Comédia é a obra prima de Dante Alighieri, iniciada por volta de 1307 e concluída pouco antes de sua morte (1321). Escrita em italiano, a obra é um poema narrativo rigorosamente simétrico e planeado que narra uma viagem através do Inferno, do Purgatório e do Paraíso, descrevendo com muito pormenor, cada etapa da viagem. Dante, o personagem da história, é guiado, no inferno e purgatório pelo poeta romano Virgílio, e no Paraíso, por Beatriz, a sua musa em várias de suas obras.
Dante e Beatriz - do artista Henry Holiday (1883)
[Beatrice (Bice) Folco Portinari, filha de um banqueiro rico, foi musa de Dante mesmo após a morte com 24 anos. Dante tê-la-ia visto pela 1ª vez aos 9 anos de idade dela, 8 dele e terá ficado enamorado para sempre. Pelo menos, é o que ele diz.]
O poema possui uma impressionante simetria matemática baseada no número três. É escrito utilizando uma técnica original conhecida como terza rima, onde as estrofes de dez sílabas, com três linhas cada, rimam da forma ABA, BCB, CDC, DED, EFE, etc. Ou seja, a linha central de cada terceto controla as duas linhas marginais do terceto seguinte. Veja um exemplo (primeiras estrofes do Inferno):
1 Nel mezzo del cammin di nostra vita A
2 mi ritrovai per una selva oscura B
3 ché la diritta via era smarrita. A
4 Ahi quanto a dir qual era è cosa dura B
5 esta selva selvaggia e aspra e forte C
6 che nel pensier rinova la paura! B
7 Tant'è amara che poco è più morte; C
8 ma per trattar del ben ch'i' vi trovai, D
9 dirò de l'altre cose ch'i' v'ho scorte. C
10 Io non so ben ridir com'i' v'intrai, D
11 tant'era pien di sonno a quel punto E
12 che la verace via abbandonai. D
Ao fazer com que cada terceto antecipe o som que irá ecoar duas vezes no terceto seguinte, a terza rima dá uma impressão de movimento ao poema. É como se ele iniciasse um processo que não poderia mais parar.
Os três livros que formam a Divina Comédia são divididos em 33 cantos cada, com aproximadamente 40 a 50 tercetos, que terminam com um verso isolado no final. O Inferno possui um canto a mais que serve de introdução a todo o poema. No total são 100 cantos. Os lugares descritos por cada livro (o inferno, o purgatório e o paraíso) são divididos em nove círculos cada, formando no total 27 (3 vezes 3 vezes 3) níveis. Os três livros rimam no último verso, pois terminam com a mesma palavra: stelle, que significa 'estrelas'.
Dante chamou a sua obra de Comédia. O adjetivo "Divina" foi acrescentado pela primeira vez numa edição de 1555.
A Divina Comédia excerceu grande influência em poetas, músicos, pintores, cineastas e outros artistas nos últimos 600 anos. Desenhistas e pintores como Gustave Doré, Sandro Botticelli, Salvador Dali, Michelangelo e William Blake estão entre os ilustradores de sua obra.
Os compositores Robert Schumann e Gioacchino Rossini traduziram partes de seu poema em música e o compositor húngaro Franz Liszt usou a Comédia como tema de um de seus poemas sinfônicos.
O escultor Auguste Rodin usou a Comédia como inspiração para as suas principais obras, entre elas, O Pensador, que representa o próprio Dante, O Beijo, inspirada no drama de Paolo e Francesca (Inferno, Canto V) e Ugolino e seus filhos, que retrata a tragédia do Conde Ugolino narrada no Canto XXXIII. Todas compõem sua obra-prima Porta do Inferno que representa nada menos que o Inferno de Dante.
Dante e Virgílio no Inferno, por W. Bouguereau
A meio da vida, Dante vê-se perdido e sem rumo certo no meio de numa floresta escura. Ao tentar escapar encontra uma montanha que pensa poder ser a sua salvação, mas é impedido de subir por três feras: um leopardo, um leão e uma loba. Prestes a desistir, Dante é surpreendido pelo espírito de Virgílio - poeta que muito admira - disposto a guiá-lo por um caminho alternativo.
Virgílio foi chamado por Beatriz que o viu em apuros e quis ajudá-lo. Ela desceu do céu e foi buscar Virgílio ao Limbo para que o guiasse. O caminho proposto por Virgílio consiste em fazer uma viagem pelo centro da terra.
Começando pelo inferno, atravessariam o mundo subterrâneo até chegar aos pés do monte do purgatório. Dali, Virgílio guiaria Dante até as portas do céu. Dante decide seguir Virgílio, que o guia e protege por toda a longa jornada através dos nove círculos do inferno, mostrando-lhe onde são expurgados os diferentes pecados, o sofrimento dos condenados, os rios infernais, as cidades, monstros e demónios, até chegar ao centro da terra, onde vive Lúcifer. Passando por Lúcifer, conseguem escapar do inferno por um caminho subterrâneo que leva ao outro lado da terra, e assim voltar a ver o céu e as estrelas.
Purgatório canto XIX - Os avarentos. Dante conversa com o papa Adriano V, por Gustave Doré (1832-1883)
Purgatório
Saindo do inferno, Dante e Virgílio vêem-se diante da altíssima montanha do Purgatório. A montanha é tão alta que ultrapassa a esfera do ar e penetra na esfera do fogo chegando a alcançar o céu. Na base da montanha encontram o ante-purgatório, onde aqueles que se arrependeram tardiamente dos seus pecados aguardam a oportunidade para entrar no purgatório propriamente dito. Depois de passar pelos dois níveis do ante-purgatório, os poetas atravessam um portal e iniciam a sua nova jornada, subindo cada vez mais. Passam por sete terraços, cada um mais alto que o outro, onde são expurgados cada um dos sete pecados capitais. No último círculo do purgatório, Dante despede-se de Virgílio e segue acompanhado por um anjo que o leva através de um fogo que separa o purgatório do paraíso terrestre. Finalmente, nas margens do rio Letes, Dante encontra Beatriz e purifica-se, banhando-se nas águas do rio para que possa prosseguir viagem e subir às estrelas.
Gustave Doré (1832–1883), Paradiso Canto 20 - Beatrice, Dante (c 1867)
Paraíso
O Paraíso de Dante é dividido em duas partes: uma material e uma espiritual. A parte material segue o modelo cosmológico de Ptolomeu e consiste em nove círculos formados pelos sete planetas (Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno), o céu das estrelas fixas e o Primum Mobile - o céu cristalino e último círculo da matéria.
Ainda no paraíso terrestre, Beatriz olha fixamente para o sol e Dante acompanha-a até que ambos começam a elevar-se, "transfigurando-se". Guiado por Beatriz, passa pelos vários céus do paraíso e encontra personagens como São Tomás de Aquino e o imperador Justiniano. Encontram Peter Damien que tinha sido beneditino e condena a gula e a promiscuidade em que caiu o clero.
Chegando ao céu de estrelas fixas, é interrogado pelos santos sobre as suas posições filosóficas e religiosas. Depois do interrogatório, recebe permissão para prosseguir. No céu cristalino Dante adquire uma nova capacidade visual e passa a ter visão para compreender o mundo espiritual, onde encontra nove círculos angélicos, concêntricos, que giram em volta de Deus. Lá, ao receber a visão da Rosa Mística, separa-se de Beatriz e tem a oportunidade de sentir o amor divino que emana diretamente de Deus, "o amor que move o Sol e as outras estrelas".
(Helder da Rocha - [adaptado])
(Helder da Rocha - [adaptado])
- Doré, Gustave, c.1868
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