Em contrapartida, se querias um líder bom traidor cobarde e desonesto, a Ucrânia há três anos que não existia.
Há quem diga que Zelensky devia ter ter estado calado e devia ter lisonjeado a vaidade de Trump e suportado o bullying do menor mental que é JD Vance e que Macron e Starmer foram melhores nisso. Não é verdade. Em primeiro lugar, Macron e Starmer não foram recebidos com hostilidade e não foram tratados como vassalos e Zelensky foi. Logo para começar a conversa um jornalista dirige-se a ele num tom de enorme falta de respeito e pergunta-lhe porque não traz um fato. Trump não o contraria o que anuncia o desrespeito que aí vem. Depois, Trump e Vance coagem-no como mafiosos a que ele peça desculpa (de quê...?) e diga obrigada e assuma ali que vai assinar o papel de acordo com os interesses russos.
Zelensky está ali como Presidente e representa o seu povo. O seu povo está numa guerra muito difícil, quase sozinhos há três anos e precisa desesperadamente que o Presidente inspire a sua força e coragem, sem as quais já tinham são dizimados. Não era possível que ele se humilhasse ali publicamente ou que ficasse calado a ouvir Trump, Vance e jornalistas sicofantas culparem-no de não estar morto, de não se ter rendido, de odiar Putin, de ter orgulho no seu povo, etc. Isso seria a completa vitória de Putin e uma traição ao seu povo que morre aos milhares numa guerra injustificada e bárbara.
E os que dizem que Churchill quando esteve na mesma posição soube lidar com o Presidente Roosevelt, não parecem perceber que Churchill não esteve nunca na posição de Zelensky. Primeiro porque a Inglaterra estava a ser bombardeada mas não invadida e ocupada pelo agressor, o que faz uma enorme diferença. Veja-se como a França e os outros países europeus se renderam logo aos nazis assim que estes os invadiram, com os governos a compactuarem com as forças ocupantes. Se não fosse a Inglaterra e depois os americanos, todos esses países europeus se tinham nazificado. Não houve ali nenhum Zelensky que lutasse ao lado do povo pela liberdade e impedisse os nazis de avançar. De Gaulle fazia discursos a incentivar o povo a resistir aos nazis, à distância, desde Inglaterra. E quando os aliados entraram na guerra, durante mais de dois anos bombardearam a Alemanha e Zelensky está proibido de atacar o seu agressor dentro do país agressor.
Depois Roosevelt não era um homem imoral como Trump é, que confundisse um democrata em luta pela liberdade com um fascista em luta pelo domínio do mundo. Não estava à procura de negociar acordos com Hitler a troco de dinheiro. Veja-se que muito inocentemente, Zelensky mostra uma fotografia de prisioneiros de guerra emaciados que fazem lembrar os dos campos nazis, para que Trump percebesse (porque ele de facto é burro) que Putin é um criminoso de guerra que não respeita a vida e odeia os ucranianos e Trump desvaloriza e diz que se ele odeia Putin não há acordo para ninguém. Alguma vez Roosevelt olharia para fotografias de judeus saídos dos campos e culparia os próprios judeus do ódio que os nazis lhe tinham ao ponto de quererem acabar com eles?
Portanto a situação não é em nada semelhante. Se Zelensky não fosse um líder corajoso e de carácter forte e honesto, a Ucrânia já não existia. Se queriam que ele fosse um líder traidor cobarde e desonesto capaz de se humilhar e torcer os factos para agradar a amigos do agressor, a Ucrânia também já não existia. Aliás, se o trocarem por um desses, a Ucrânia deixa de existir.
Portanto, não podes querer ao mesmo tempo um líder corajoso e de carácter forte e honesto, que defenda o país e depois esperar que ele seja um bom traidor, um verme rastejante, cobarde e desonesto.
O único erro dele que vejo na cena da Casa Banca foi o de confiar que ia falar com um aliado (quanto a mim Trump já fez negócio com os russos há algum tempo) e ter-se deixado rodear, absolutamente sozinho, de uma dezena de inimigos hostis que caíram em cima dele e o cercaram como abutres. Devia ter alguém dele, com ele, fosse um conselheiro, um tradutor, não sei. Alguém que estivesse do seu lado. Afinal, ele entra na Casa Branca depois de dias de inúmeras ofensas de Trump e Vance, desde chamarem-lhe estúpido a ditador.
Aliás ele começa a falar normalmente com Trump e Vance e a tentar explicar a realidade da guerra e de Putin (porque esses dois vermes conhecem a realidade da guerra dos livros de banda desenhada e Trump conhece Putin através de ofertas de centenas de milhões de oligarcas e de festas de prostitutas) e é imediatamente atacado por estes que começam a defender Putin e vemo-lo a cruzar os braços numa atitude instintiva e inconsciente de defesa e auto-proteção e a olhar em redor como quem percebe que foi encurralado com inimigos e procura uma saída.
Não tinha ninguém do seu lado. Estavam todos do lado de Putin. Até a agência de notícias russa lá estava, penso que para filmar a rendição humilhante dele e passá-la depois na Rússia para desmoralizar os ucranianos e lisonjear Putin. Ele não lhes deu esse prazer e se queriam um politico desonesto e capaz de se comportar como um verme, teriam que ter escolhido outra pessoa - um Trump. Porém, é certo que nesse caso, a Ucrânia há muito que teria deixado de existir.