Em seguida fala de 'cultura de cancelamento' dando o exemplo da carta assinada pelos 153 intelectuais americanos que terá sido motivada, em sua opinião, pela polémica à volta dos tuítes de J.K. Rowling sobre a expressão, 'pessoas que menstruam' no âmbito de uma campanha de produtos higiénicos (tradicionalmente chamados femininos). Esse é o segundo equívoco de FC porque J.K. Rowling, ao falar acerca do assunto, está a dar voz às pessoas que critica e não a silenciá-las. Ora, a cultura de cancelamento é justamente o oposto: trata-se de silenciar pessoas não lhes dando voz, tirando-lhes a voz ou ignorando-as como se não existissem.
Não estou aqui a concordar ou a discordar da opinião de J.K. Rowling, estou a fazer notar que criticar (entenda-se criticar como um processo analítico) e argumentar são modos de dar aos outros um estatuto de igualdade e por isso a crítica e a argumentação estão presentes em democracia e não em ditaduras.
Cultura de cancelamento era -e ainda é- o que se fazia aos negros e às mulheres e não só, que eram ostracizados e ignorados, quer dizer, nem sequer se lhes reconhecia voz. Como se faz em muitas culturas de modo generalizado.
Ora, J.K. Rowling dá voz aos seus opositores a partir do momento em que os reconhece como interlocutores, mesmo que seja para criticá-los. A reacção dos opositores que se sentiram atingidos não foi a de argumentar e criticar mas de chamar-lhe nomes e peticionar para que fosse ostracizada. Imediatamente apareceram pessoas a dizer que se recusavam a trabalhar com ela ou a participar na edição dos seus livros. Nem um argumento contra, apenas castigo.
Cá em Portugal também se escreveu uma carta aberta a pedir que calassem o André Ventura por ser fascista. Não me lembro de ver FC criticar essa carta como critica esta. Será porque está de acordo com o conteúdo da carta? Esse é o equívoco e a contradição: sermos a favor de cartas abertas que mandam calar alguém de que não gostamos e contra cartas abertas que pedem para que se possa falar do que não gostamos.
Como a FC muito bem sabe, hoje-em-dia o twitter tornou-se uma guilhotina e nos EUA, sobretudo, um professor universitário, um dirigente de uma empresa, um autor, etc, ser acusado de racismo ou homofobia ou machismo, sem um único argumento que seja, dá origem a despedimentos sem apelo nem agravo, porque, felizmente, os que não tinham voz, agora têm, mas, infelizmente, às vezes usam-na exactamente da mesma maneira que os antigos opressores usavam: mandam calar e castigar. Tem havido casos escandalosos. Não me parece que isso seja um benefício social, que melhore o racismo, a homofobia, a transfobia, o machismo ou outro 'ismo' qualquer.
Finalmente, FC admira-se que pessoas que são feministas possam assinar uma carta contra 'oprimidos', em seu entender. De facto, muita gente, e a FC é uma dessas pessoas, pelo que lemos nas suas crónicas de jornal, abstêm-se de criticar as mulheres, sendo mulheres, os gays, sendo gays, os negros, sendo negro, os políticos de esquerda, sendo de esquerda, os partidos de direita, sendo de direita, etc. Para essas pessoas, eu estar aqui a criticar a FC, uma feminista, é um erro. Como nunca devia ter criticado a Lurdes Rodrigues ou esta Ministra da Saúde ou outra qualquer mulher, porque na opinião dessas pessoas, se critico mulheres estou a dar armas ao inimigo, por assim dizer. Só que a mim parecem-me esses serem são maus princípios para se construir uma sociedade mais justa e igualitária e não critico ou elogio pessoas na base do sexo, cor, credo, orientação política, etc.
Liberdade de expressão e de crítica, que estão na base de uma cultura de 'não cancelamento' e não opressão, só se preservam e fortalecem se defendermos regimes políticos que as valorizem, desde logo dando voz às pessoas, dando instrumentos de controlo à oposição, valorizando vozes críticas, dando força à imprensa livre. Não me lembro de uma única vez, sequer, ter lido crónicas de FC a criticar governos que se destacaram na censura de opositores, na tentativa de controlo dos meios de comunicação social, nem sequer me lembro de ler críticas a indivíduos extremamente machistas da esquerda, ou mulheres ministras que usavam do cancelamento para calar tudo e todos. Dir-me-à que nas suas crónicas fala do que quer. Pois, é exactamente isso a liberdade expressão. Não estou de acordo com ela neste aspecto (embora concorde com muitas das suas crónicas) mas defendo o seu direito a falar do que quer, como quer.
No que me diz respeito sou a favor de argumentar e criticar e não de mandar calar. Já me tentaram calar muitas vezes à força, com bullying, com calúnias vergonhosas. Continuei a falar. Nunca na minha vida colaborei para que alguém deixasse de ter voz. De vez em quando tenho alunos muito racistas e machistas. Podia, pura e simplesmente, mandá-los calar e não lhes dar voz, como vejo outros fazerem. Não deixo que ofendam ninguém, mas não os mando calar. Argumento e obrigo-os a argumentar até que não tenham argumentos. E faço isto uma e outra vez com muita paciência e sem me irritar até que são os próprios a reconhecer que não têm razão. Alguns são teimosos e nunca dão o braço a torcer mesmo não tendo argumentos. Não fico a embirrar com eles por causa disso. São fruto de uma educação e sei muito bem não consigo chegar a todos e há quem não goste mim... A diferença entre mim e a FC é que, muito provavelmente, a FC entende que a mera opinião racista ou machista deles já é, por si, ofensiva para essas minorias, e que isso é razão suficiente para os mandar calar. Não é a minha maneira de pensar.
Lembro-me de um deputado do Parlamento Europeu, há pouco tempo, ter defendido no plenário que as mulheres deviam ganhar sempre menos que os homens pela razão de os homens, serem, obviamente, mais inteligentes que as mulheres. Houve logo petições para o destituir, como castigo de ser tão machista e de o PE não querer que se pense que ele é representativo da casa. A questão é que ele é mesmo representativo pois representa todos os que votaram nele. O que é preciso mudar é a mentalidade das pessoas que votam em homens como ele e não cancelá-lo.
Estou convicta que para se mudar as mentalidades de maneira sólida e não provisória, é preciso persistência e resistência, argumentos convincentes, firmeza e coerência, coragem. Acredito na educação como modo de melhorar as sociedades, mas não à força. Pela palavra. É preciso atitude filosófica de distanciamento e paciência para perceber que a sua luta de hoje vai ser aproveitada, não por si, mas pelos que vieram depois. E que até podem deitar tudo a perder.
Fernanda Câncio
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Há muito me confunde o tipo de raciocínio que combina uma defesa maximalista da liberdade de expressão com a aflição face às reações - também discursivas - de desagrado que certas expressões de liberdade ocasionam. E mais me confunde ainda que quem repita "palavras são só palavras, não são ações", se transtorne com tempestades tuiterianas (a última vez que vi, o Twitter é feito de palavras), protestos vocais ou mesmo apelos a boicote. Raios, isso não é tudo palavras? Tão palavras como dizer que uma mulher trans não é uma mulher, ou que só as mulheres menstruam, e que se menstrua é mulher - o que é afinal uma forma não particularmente subtil de boicotar vários grupos de pessoas, recusando-lhes o direito a definir a sua identidade e, decorrentemente, a, como a minha amiga, entrar numa casa de banho identificada com o género com que se identificam.
Assim, o que Rowling fez, do seu considerável lugar de poder, foi participar no "cancelamento" daqueles grupos de pessoas - grupos de pessoas historicamente perseguidas, anuladas, obliteradas, assassinadas. E o que esta carta faz, ao afirmar que há menos liberdade discursiva e de debate hoje, é fazer de conta que antes não havia grupos inteiros de pessoas "canceladas", sem direito a voz ou a sequer se autonomearem, e que esse cancelamento, derivado de estruturas relacionais de poder que se perpetuam, não continua a subsistir.
Que haja feministas a assinar uma carta na qual se certifica existir menor liberdade de debate porque os historicamente oprimidos e silenciados agora falam, se irritam e contra-atacam, disputando o poder, é mesmo muito deprimente.
Quando a Beatriz argumenta com os alunos até estes ficarem sem argumentos, está a usar um poder que eles não possuem: desde logo, o facto de ser a mestra e eles meros aprendizes; depois, o facto de ter uma experiência de vida, uma cultura e um conhecimento que eles nem «cheiram».
ReplyDeleteA sociedade necessita de ser diversa, com pensamentos e posturas diferentes. Caso contrário, quem decide a homogeneização social? Quem define o que todos devemos pensar? O que fazer? Como fazer? O que dizer? Como dizer?
Eu defendo que a Rosa Grilo, se for culpada, deveria ficar presa, no mínimo, 50 anos. A minha vizinha considera que 10 são suficientes, se ela se regenerar.
Quanto à liberdade de expressão, é impossível estabelecer-lhe limites e, se alguém o fizesse (e bem que tentam!), estaríamos perante um retrocesso civilizacional. É curioso que eu posso ler alegremente 'A Minha Luta', do Hitler, mas não posso ler o Twain no original, porque andaram a substituir determinadas palavras da sua obra por outras.
Fernanda Câncio é um exemplo negativo do dito feminismo, pelo que apontou e não só, e de muita outra coisa, incluindo o facto de ter dormido com um sujeito dezenas de anos, aceitado prendas caríssimas, entre outras benesses, e nunca ter desconfiado do sujeito em si e da sua ação. É detentora de um pensamento de esquerda, seguido por figuras execráveis como o presidente da AR, que consideram que os seus princípios e ideias são os ÚNICOS corretos e que todos deveríamos seguir.
André Ventura já foi objeto de várias tentativas de censura e de ser calado (Ricardo Araújo Pereira é um dos que o fez), no entanto o PAN tem toda a abertura e cobertura possíveis e imaginárias. Se alguém fosse ler e comparar o projeto político do Chega e do PAN, chegaria ao fim arrepiado com qualquer um deles, sem saber qual deles o mais radical e perigoso.
Quando argumento os argumentos dos alunos estou a pô-los no mesmo plano que eu. É uma maneira de eles perceberem que, apesar de não estarem no mesmo nível de conhecimentos ou argumentação que o professor, isso não dispensa o professor de argumentar a sua posição e que a autoridade não é um argumento, mas força. Da mesma maneira, quando ficam sem argumentos, percebem porque é que as suas 'opiniões' não têm valor se não forem acompanhadas de conhecimentos que as fundamentem e esse é o meu objectivo pedagógico.
ReplyDeleteDe resto, estou completamente de acordo que a sociedade precisa de ser diversa e que essa diversidade deve estar o mais possível representada nas instituições.
Não sei se é possível estabelecer limites à liberdade de expressão mas penso que tem de haver alguns limites: defender-se o assassinato de pessoas e outros incentivos à violência, levantar calúnias sobre os outros. Afirmar que roubaram, por exemplo, sabendo que é falso. E outros casos assim, mas é muito difícil traçar essa linha.
A questão de andarem a modificar os textos dos autores clássicos para não se perceber que eram racistas ou outra coisa qualquer por questões de poupar a sensibilidade dos ofendidos é um erro de juízo que mascara as questões em vez de as clarificar e resolver. É um passo atrás.
Não ponho o Ricardo Araújo Pereira no mesmo plano que o Ferro Rodrigues, por exemplo. Ele é um humorista e goza com toda a gente mas o seu humor não dita leis, como acontece aos que estão nos governos e na AR. quando os humoristas fazem programas políticos de opinião suicidam-se enquanto humoristas.
Quanto à FC ter sido namorada do Sócrates e nunca ter 'percebido' nada das bandidagens que o homem fazia com o nosso dinheiro, isso é coisa que não lhe fica bem e lhe retira credibilidade, afecta o 'ethos' do seu discurso, quer ela goste quer não, mas eu prefiro discutir os argumentos dela que a vida amorosa dela.