Showing posts with label sociedades. Show all posts
Showing posts with label sociedades. Show all posts

November 16, 2023

Levou-se muito tempo a chegar aqui

 


Este é um vídeo de um sábado à noite, em Setembro deste ano de 2023, em Manchester, UK. Vemos grupos de raparigas adolescentes, em preparos desadequados (como é muito comum entre as adolescentes), algumas quase sem roupa, algumas sozinhas, a andarem pelos sítios dos bares e clubes nocturnos ou sentadas no chão a comer e a fumar um cigarro, os telemóveis no chão... ninguém as incomoda, não há violência, nem sequer verbal. 

Levou-se muito tempo a chegar aqui e estas cenas seriam impensáveis na maioria das sociedades, com as islamitas à cabeça, mas não só. Muita gente lutou para que se chegasse a este tipo de sociedades em que se respeita o direito das raparigas a andarem no espaço público sem um código de vestuário e comportamento aprovado por homens ou por religiões. Não foi sem custos. 

Eu gosto de viver em sociedades onde as raparigas adolescentes têm o direito de ser desadequadas ou disparatadas ou afoitas e onde podem sair à noite sozinhas e andar no espaço público, sem que isso signifique que os homens entendam estar no seu direito agredi-las.


December 19, 2022

Desejos físicos e desejos metafísicos

 



Por que é que as universidades de elite injectam estudantes nas mesmas cinco indústrias: direito, medicina, tecnologia, investimento e consultoria de gestão?

Segundo o pensador René Girard a infância moderna está estruturada como um tapete rolante. Cada criança progride à mesma velocidade, independentemente do quanto aprenda. Suba para o tapete rolante e terá sucesso. O liceu leva à universidade, que leva à pós-graduação, que leva a uma carreira de prestígio.

Sempre que conheço um universitário, pergunto: "Preferes ter um C numa disciplina, mas na realidade aprender o material em estudo ou um A mas sem aprender nada"? A maioria obedece à lógica da correia transportadora e escolhe com relutância o A. Claro, alguns estudantes gostam do tapete rolante. Gostam de saber o que precisam de fazer e quando precisam de o fazer. Geralmente, estes conformistas estão mais interessados nas recompensas das boas notas do que nos frutos do conhecimento. São bons estudantes e bons empregados.

Outras pessoas, como eu, detestam o sistema de tapetes rolantes. Sentem que as recompensas não valem o esforço. Não querem seguir o programa na aula e certamente não querem que o seu manual de instruções para a vida venha de burocratas e professores da escola.

René Girard diz que há dois tipos de desejo: o desejo físico e o desejo metafísico. O desejo físico é querer um objecto pelas suas qualidades inerentes, como um copo de água porque se tem sede - ou aprender pelo desejo de saber. Isto é saudável.
O desejo metafísico é diferente. Adquirir o objecto só traz alegria porque é um meio de se tornar um certo tipo de pessoa. Só se preocupa com ele por causa do que ele diz sobre si - aprender apenas para obter boas notas ou um diploma é insalubre.

As pessoas movidas pelo desejo metafísico pensam que a sua realização lhes trará total satisfação. Pensam que as notas de 20 e um trabalho impressionante para os outros irão satisfazê-los. Mas independentemente do quanto progridam na esteira rolante, ainda se sentem vazias.

A esteira rolante funciona com o combustível do desejo metafísico. Copiamos os desejos de outras pessoas e confundimo-los com os nossos. Eventualmente, já não conseguimos ouvir os caprichos da nossa voz interior. Os nossos desejos minam-nos e vão contra os nossos melhores interesses. Demasiados estudantes ficam entorpecidos com as alegrias inerentes ao trabalho. "Aprender" é apenas um esforço digno quando os ajuda a avançar para a fase seguinte. As suas satisfações são passageiras e imediatamente seguidas de um vazio. Como uma miragem no deserto, nunca saciam a sua sede de realização.

Há uma escassez de desejo físico e um excesso de desejo metafísico. Mesmo após 16 anos na sala de aula, demasiados alunos desconhecem quem realmente são e que assuntos os interessa. Não têm qualquer sentido de curiosidade e não fazem ideia do que os interessa. Intuitivamente, sabem que algo está errado. São governados por um desejo metafísico. Como um estudante me disse recentemente: "Sinto que ninguém gosta da escola."

Quem segue o caminho do tapete rolante tem desejos espelhados, o que leva ao stress e à ansiedade. Todos os anos, cada vez mais alunos do ensino secundário sonham em entrar nas escolas da Ivy League que prometem a salvação da vida, mas limitam os seus números de aceitação como uma discoteca de Berlim.

Com a mentalidade de tapete rolante vem um medo de fracasso. Se cai, fica para trás... por isso não pode cometer nenhum erro. Um mau teste e o seu boletim de notas ficará para sempre manchado. Um semestre pobre, e as suas hipóteses de educação numa Ivy League desaparecem.

E uma vez que o seu avanço tem um limite máximo, porquê ser criativo?

Mas a vida real não funciona assim. Não há limite de velocidade. Uma vida interessante não tem um caminho concebido por outros em automatismo. A vida não acaba aos 30 anos. A aprendizagem é crucial, mas a perfeição não é o que está em jogo.

Se tivéssemos concebido explicitamente um ambiente para a competição mimética, construiríamos um sistema como o que temos hoje: competição insana por pontos limitados, a busca de recompensas sem sentido e estudantes indiferenciados que competem pelos mesmos escassos símbolos de estatuto.

Prémios sem sentido conduzem a rivalidades brutais. Reflectindo sobre o seu tempo nas universidades, Henry Kissinger disse uma vez: "A política académica é especialmente viciosa porque as apostas são muito pequenas".
A modernidade enganou-nos a pensar que os nossos desejos mais autênticos são os nossos desejos mais fortes. Mas isso é falso. Mesmo os nossos desejos mais fortes podem tornar-nos infelizes se os desejarmos não pela utilidade que nos proporcionam, mas pelo estatuto que supostamente nos trarão.

Porque é que a diferenciação é importante? Paz e estabilidade. As pessoas não invejam aqueles que são muito diferentes deles, razão pela qual as pessoas têm invejado historicamente os seus vizinhos e amigos mais que os bilionários. "Ama o teu próximo" é mais difícil do que amar alguém distante.

A pior luta acontece entre iguais. A primeira linha de Romeu e Julieta diz: "Duas casas, ambas iguais em dignidade". O ódio entre os Montéquios e os Capuletos é tão feroz porque são tão semelhantes.

Para Girard, a falta de diferenciação lança as sementes da violência. O arco da história está a conduzir a uma menor diferenciação. O núcleo comum tem todos os estudantes de escolas públicas na América seguindo o mesmo currículo. Os SATs têm-nos a estudar para os mesmos testes. O prestígio de um diploma da Ivy League leva-os a candidatarem-se às mesmas escolas. As empresas multinacionais têm-nos a competir pelos mesmos empregos. Quase todos os universitários querem trabalhar nas mesmas cinco indústrias: direito, tecnologia, medicina, investimento, e consultoria. Estão presos em bolhas claustrofóbicas e cegos às oportunidades.

Dizem aos miúdos que manterem-se no tapete rolante é a chave para o sucesso. Mas as escolas são máquinas de uniformidade esmagadoras. Os troféus são ocos. As notas são basicamente desprovidas de sentido. As suas recompensas trazem uma satisfação fugaz.

A alternativa é um sistema escolar que encoraje a diferenciação. Um sistema em que as crianças são encorajadas a explorar a sua curiosidade e a escapar à estreita e conformista esteira rolante. 

David Perell
-------------------

Este artigo é interessante e toca num ponto sensível, mas a sua conclusão não deriva logicamente das premissas. Se a sociedade incentiva as famílias a empurrarem os seus filhos para um sistema de aparências e recompensas, não é a escola que vai conseguir transformar a sociedade. Entre a escola e a sociedade há uma relação dialéctica, não unívoca.

Vejamos: as indústrias empurram as crianças e adolescentes para as mesmas redes sociais que existem no espaço da recompensa dos desejos metafísicos; os videojogos, diferentemente dos jogos antigos, incentivam a recompensa individualista; os jornais e os meios de comunicação social fazem publicidade aos alunos que têm notas de 20, que entram para os cursos onde se requer 20 valores de entrada como se isso fosse o ideal do estudante e do sentido da vida; só falam no sucesso, fazendo com que todos que não têm 20 se sintam um fracasso; as empresas publicitam que só vão buscar empregados a um número restrito de universidades; os políticos põem os filhos em certos colégios e universidades e depois atiram-nos com cunhas para assistentes de um ministro ou da presidência europeia; os ministros da educação discriminam professores não-uniformes e não-conformistas e premeiam os que aceitam as cangas do conformismo; punem o pensamento crítico e divergente; aliás, punem o pensamento e promovem a sua substituição pelo emocionalismo; promovem os testes 'de cruzinhas' classificados automaticamente por máquinas; o ensino é reduzido ao essencial (língua materna e matemática); os alunos passam todos indiferenciadamente, tenham ou não aprendido alguma coisa... é preciso dizer mais? Depois disto tudo ser pensado para esmagar professores e alunos com o cinto da uniformidade, pedem que a escola seja diferenciadora? Organizar a sociedade como um todo para a mesmidade e depois clamar que não há diferenciação? É completamente ilógico.

July 26, 2022

Entretanto, noutra parte do planeta

 


Vive-se em outro tempo histórico: os talibãs estão a banir as mulheres da vida pública. Outra vez!


June 24, 2022

Porque é que a beleza importa





Porque é que a beleza importa
(e como foi destruída pela "funcionalidade")


A beleza é aquela qualidade estética que eleva as coisas comuns a algo mais significativo.
É o que nos dá a nós humanos algo mais do que uma mera existência material, automatizada, semelhante a uma máquina.




Quero deixar claro que este texto não tem a ver com o regresso ao passado. É sobre o futuro, mas não devemos simplesmente aceitar as coisas porque "é assim que as coisas são". O passado ensina-nos que podemos fazer melhor.


Porque é que a beleza importa? Parece uma pergunta supérflua, mas no século XXI tornou-se uma pergunta vital. Perguntemos primeiro o que é a beleza? A beleza não é apenas ornamentar, acrescentar brilho. Isso é garridice. Luxo. Vaidade.

Isto aqui não é beleza:


Mas compare-se estas duas pontes, ambas objectos do quotidiano. Uma tem beleza, a outra não.

A beleza é aquela qualidade estética que eleva as coisas comuns a algo mais significativo.
É o que nos dá a nós humanos algo mais do que uma mera existência material, automatizada, semelhante a uma máquina.

Um grande exemplo é a casa de banho pública. Ostensivelmente um lugar de suprema utilidade e nada mais. Uma instalação de gestão de resíduos pessoais... a sério?



Ou algo tão simples como maçanetas de porta. Não precisam de estar a pingar com ouro. Mas mesmo o mais pequeno detalhe ou carácter pode fazer maravilhas.

Não existe um padrão de estética único universal. É por isso que há coisas bonitas em todos os países do mundo e é por isso que todas eles têm um aspecto diferente. E é assim que deve ser. Porque quereríamos que tudo parecesse igual?




Quando a beleza morre, tudo começa a parecer o mesmo. A funcionalidade não tem identidade. As cidades de todo o mundo já tiveram um aspecto totalmente diferente. Agora estão a tornar-se uniformes.


Porém, para onde vão os turistas? Roma, Paris, Veneza, Kyoto, Istambul... 
O que é que todas essas cidades têm em comum? Porque é que as pessoas casam em edifícios belos em vez de, digamos, em armazéns?
É uma questão séria.  Quer sejam igrejas, casas de campo, hotéis, ou câmaras municipais, as pessoas parecem preferir um - atrevo-me a dizê-lo - local belo.

E mesmo quando as pessoas se casam, de facto, em armazéns.... Escolhem belos armazéns com carácter estético!



Outra questão genuína: porque é que as pessoas decoram as suas casas? 

O desejo humano de beleza - não de luxo, mas de carácter estético - é inegável e universal.
Então, se é assim, porque é que as coisas se tornaram tão feias? Porque a utilidade ou funcionalidade tornou-se a prioridade suprema.

Um ponto de vital importância é que a beleza e a funcionalidade NÃO são mutuamente exclusivas.

O arquitecto romano Vitruvius acreditava que cada edifício deveria ter três qualidades:
-força
-funcionalidade
-beleza

Se isso era possível há 2000 anos, porque não o é agora?


As coisas deviam ser funcionais, mas não mais funcionais que bonitas. Nenhuma delas devia ter precedência à custa da outra. O elevador de cima tem ambas, já o debaixo, não...



Qual é o perigo de um mundo sem beleza?
Se tudo é simplesmente funcional, simplesmente útil, então a vida torna-se uma mera correia transportadora. Transforma os seres humanos em máquinas de consumo, trabalho, e reprodução. Não somos nós mais do que isso?

Esta é também uma conversa com as gerações futuras. Em todo o mundo, os nossos antepassados deixaram para trás obras de arte e arquitectura para nós apreciarmos, admirarmos e usarmos.
O que queremos deixar para as gerações vindouras? Edifícios que precisam de ser demolidos dentro de 50 anos? Ou queremos mais do que isso?



Alguns vão ojectar que a beleza custa dinheiro, mas na realidade é uma questão de prioridade, não de custo. Por isso, é sempre uma escolha - consciente ou inconsciente.

Este novo edifício em chapa na Universidade de Durham, Inglaterra, custou 40 milhões de libras esterlinas.

Tinha que ter este aspecto?
Ou poderia ser um belo edifício que inspirasse os estudantes? Isso não deveria ter ser tido em conta?

Se calhar teria de ser mais pequeno, mas essa seria uma concessão digna.

Mesmo quando a beleza pode fazer custar mais... que preço é demasiado elevado para que a arquitectura de uma sociedade não trate as pessoas como máquinas e não construa escolas que se assemelhem a prisões?! A redução dos custos é realmente o mais importante?

Areopagus
By Sheehan Quirke 

(dantes, nos tempos da Antiguidade clássica e até há relativamente pouco tempo, era obrigatório adornar edifícios e praças públicas com objectos e pormenores de beleza estética. Fazia parte da educação pública. Atrevo-me a dizer que a educação do gosto tem um aspecto de moralidade. Não é verdade que certos actos nos repugnam, em primeiro lugar, mesmo antes de os pensarmos, pela sua evidente ofensa estética?)

April 30, 2021

A minha pergunta é: não acabamos por normalizar a bandidagem?

 


Essa ideia de absorver - JMT chama normalizar - as franjas contestatárias é uma ideia velha da sociologia. O problema é correr-se o risco de também normalizar os inovadores, também eles, geralmente contestatários, muitas vezes tomados como extremistas. 

Depois acabamos com sociedades como as que temos de autênticos marasmos: toda a gente aburguesada, vendida por meia pataca, partidos políticos indistintos, a não ser num líder ou noutro mais idiossincrático. Uma paz sim, mas podre. Um simulacro. 

Não se pode querer ser (e ter) o que é diferente e ao mesmo tempo ser igual a toda a gente: ou bem que queremos uma sociedade viva e real com forças contrárias que fomentam o novo ou, se não queremos pagar o preço dessa diferença, temos uma sociedade de mesmidade normalizada. JMT defende uma mesmidade normalizada. Um simulacro: vamos fingir que há aqui vida a sério mas sabemos que é tudo um fingimento.

Vários FPs acabaram pacatamente no Bloco, diz ele, mas antes disso pertenciam a um bando que assaltava bancos e matava pessoas, digo eu. JMT defende que se normalizem os bandidos. A minha pergunta é: ao normalizar os bandidos não acabamos por normalizar a bandidagem?