Showing posts with label experiência. Show all posts
Showing posts with label experiência. Show all posts

January 07, 2024

O passado no presente

 

O "agora" é um palimpsesto através do qual o passado obscurecido inesperadamente aparece e assim, a atenção cuidadosa ao presente, revela aquilo a que Anthony Domestico chama uma "plenitude em camadas"

Phil Klay in wwi-war-phil-klay-poetry

October 26, 2020

Deambulações - a (má) experiência é uma madrasta

 


Sem ofensa para as madrastas... o que quero dizer é que uma mãe ideal ensina fornecendo modelos positivos e uma madrasta tradicional (a dos contos) ensina pelo erro, por modelos negativos. A aprendizagem por modelos negativos é mais difícil, tem muitos custos que a outra não tem e é redutora. Uma madrasta valoriza os pontos negativos, uma mãe valoriza os aspectos positivos, porque um filho, pode até enveredar por caminhos que não víamos, mas se apenas vemos os nós e as dificuldades, nem sequer há caminho. Não se segue que não veja obstáculos, mas não se fixa neles, porque a pessoa é mais importante que as red flags que a rodeiam. Depois, a experiência põe-nos naquela situação de estarmos a ver os outros cometer erros que já cometemos em situações idênticas (been there, done that...) e não podermos dizer nada, como acontece com os alunos a quem vemos antecipadamente cometer erros e não podemos fazer nada pois estão fechados na sua perspectiva e acham que todas as perspectivas são equivalentes.

Também, na experiência de vida, aquilo que a maioria acha um erro, outros consideram um valor. Veja-se o exemplo de Sócrates que na visão de todos os seus conterrâneos cometeu um enorme erro que o levou à prisão e à morte, mas aquilo que a maioria valoriza, outros não valorizam e não são as coisas que querem. 

Se vejo, há muito tempo, a situação a que chegámos, foi porque alguém me abriu os olhos: Castoriadis. Um dos primeiros textos que escrevi aqui no blog (na outra casa - aliás, esse texto vinha do blog do  Mário onde escrevi 3 ou 4 textos que depois importei para o meu, quando o criei) foi acerca de um livro dele, chamado A Ascensão da Insignificância. É um livro com uma entrevista que deu, nos anos 80, onde descreve tal qual a situação em que estamos hoje (deixo aqui link) e que li por volta do ano 2000. Foi difícil ter passado estes anos todos a ver desenrolar-se em frente dos olhos todos os erros previstos, tal qual como ele os disse. Na escola, na educação, sobretudo, tem sido muito difícil ter que viver, no dia-a-dia, os estragos previstos. 

Podemos ter duas atitudes: uma, socrática, por assim dizer, que é a pedagógica, de denunciar, criticar e tentar abrir os olhos dos outros antes que seja tarde demais. Essa tem grandes custos pessoais, para além de que tem pouco efeito porque a visão é um orgão selectivo; ou, seguir o conselho de Castoriadis e encostarmo-nos a ver os caminhos fecharem-se e escrever sobre isso, com esperança que no futuro, alguém com uma visão inteligente não cometa os erros do vulgo. (visão inteligente no sentido socrático-platónico de considerar as coisas de um ponto de vista deslocalizado, não imediato, o que é diferente daqueles que se acham muito espertos e mais sabidos que os outros - os sofistas achavam que Sócrates era parvo porque podia, com o seu talento, ter ido mais longe que eles próprios e nunca perceberam que Sócrates sabia o que eles sabiam e também sabia como se fazia o que eles faziam, só que escolhia não o fazer) 

Mas, a minha questão é: como se está presente sem estar presente? Isso implica uma anulação da auto-consciência que já vi vezes demais acontecer. Não é bonito, porque no fundo, no fundo, as pessoas sabem que cravaram um punhal em si mesmas e na sua dignidade.

Aquela frase de Nietzsche, segundo a qual o que não nos mata torna-nos mais fortes e que a experiência negativa nos torna resistentes é uma grande treta: as más experiências endurecem as pessoas, tornam-nas impiedosas, fechadas à vida e cínicas. O ódio, o rancor, a mesquinhez, o cinismo, não ensinam nada. Afunilam a visão. Veja-se o caso de todos os extremistas que andam por aí a espalhar o ódio, convictos que o outro é o mal, cegos para todas as possibilidades positivas e de valorização do outro em si e não apenas como uma imagem de nós. Aprender e evoluir é ganhar outras visões. É expansão e não contracção. É por isso que lemos, viajamos e gostamos de conversar com pessoas interessantes que têm experiências diferentes das nossas. Para expandir e não para tomar posse e controlo. Na verdade, aprende-se infinitamente mais com uma experiência de amor que com todas as experiências negativas que nos pseudo-ensinam (se tivesse vontade punha aqui o Banquete de Platão como estou a fazer com o Fédon, que é imensamente rico acerca disso). Uma experiência de amor altera completamente a nossa visão do mundo, abre um mundo completamente novo, positivo e essa visão, uma vez vista, não mais ser 'des-vê', uma vez vivida, não pode mais ser 'des-vivida''. Sim, continuamos a ver os obstáculos do mundo e os que agem pelo controlo, pelo poder e pelo cinismo -em suma, o mundo em que vivemos- mas já não nos deixamos infectar por ele. 

Por conseguinte, Sócrates é um grande exemplo positivo e a (má) experiência é uma madrasta.


November 11, 2019

A experiência subjectiva do tempo




O tempo passa devagar para as crianças e os jovens porque para eles tudo é novo e em cada instante da vida, em cada experiência, há muitos estímulos para assimilar, muitos processos internos para modificar  até acomodar o estranho e torná-lo familiar. Também, quando somos mais novos, uma ano de vida é uma grande percentagem da totalidade da vida.
Quando ficamos mais velhos a maior parte das experiências e do próprio mundo já se tornou familiar e já só reparamos nos padrões que assimilamos rapidamente em esquemas há muito construídos.
No entanto, quando temos que lidar com situações novas, como viajar para um país novo, mudar de residência, de trabalho, etc., porque há uma necessária re-socialização, somos obrigados a atentar nos estímulos do novo ambiente e a modificar, ainda que ligeiramente, os esquemas interiores e isso faz retardar o tempo. É por isso que o tempo de férias passado em locais não familiares parece mais alongado do que se o passarmos no local onde habitamos.
Então, uma maneira de prolongar o tempo quando somos mais velhos é pormo-nos em situações novas ou aprender novas habilidades, enfim, desafiarmo-nos, para nos obrigarmos a retardar o processo cognitivo da assimilação/acomodação com novas conexões e a encher a memória de experiências novas.
Em certas situações a experiência interior é tão intensa e vívida que o tempo exterior não corresponde ao tempo interior, sendo este infinito em profundidade em comparação com o outro, infinito em extensão.