Sem ofensa para as madrastas... o que quero dizer é que uma mãe ideal ensina fornecendo modelos positivos e uma madrasta tradicional (a dos contos) ensina pelo erro, por modelos negativos. A aprendizagem por modelos negativos é mais difícil, tem muitos custos que a outra não tem e é redutora. Uma madrasta valoriza os pontos negativos, uma mãe valoriza os aspectos positivos, porque um filho, pode até enveredar por caminhos que não víamos, mas se apenas vemos os nós e as dificuldades, nem sequer há caminho. Não se segue que não veja obstáculos, mas não se fixa neles, porque a pessoa é mais importante que as red flags que a rodeiam. Depois, a experiência põe-nos naquela situação de estarmos a ver os outros cometer erros que já cometemos em situações idênticas (been there, done that...) e não podermos dizer nada, como acontece com os alunos a quem vemos antecipadamente cometer erros e não podemos fazer nada pois estão fechados na sua perspectiva e acham que todas as perspectivas são equivalentes.
Também, na experiência de vida, aquilo que a maioria acha um erro, outros consideram um valor. Veja-se o exemplo de Sócrates que na visão de todos os seus conterrâneos cometeu um enorme erro que o levou à prisão e à morte, mas aquilo que a maioria valoriza, outros não valorizam e não são as coisas que querem.
Se vejo, há muito tempo, a situação a que chegámos, foi porque alguém me abriu os olhos: Castoriadis. Um dos primeiros textos que escrevi aqui no blog (na outra casa - aliás, esse texto vinha do blog do Mário onde escrevi 3 ou 4 textos que depois importei para o meu, quando o criei) foi acerca de um livro dele, chamado A Ascensão da Insignificância. É um livro com uma entrevista que deu, nos anos 80, onde descreve tal qual a situação em que estamos hoje (deixo aqui link) e que li por volta do ano 2000. Foi difícil ter passado estes anos todos a ver desenrolar-se em frente dos olhos todos os erros previstos, tal qual como ele os disse. Na escola, na educação, sobretudo, tem sido muito difícil ter que viver, no dia-a-dia, os estragos previstos.
Podemos ter duas atitudes: uma, socrática, por assim dizer, que é a pedagógica, de denunciar, criticar e tentar abrir os olhos dos outros antes que seja tarde demais. Essa tem grandes custos pessoais, para além de que tem pouco efeito porque a visão é um orgão selectivo; ou, seguir o conselho de Castoriadis e encostarmo-nos a ver os caminhos fecharem-se e escrever sobre isso, com esperança que no futuro, alguém com uma visão inteligente não cometa os erros do vulgo. (visão inteligente no sentido socrático-platónico de considerar as coisas de um ponto de vista deslocalizado, não imediato, o que é diferente daqueles que se acham muito espertos e mais sabidos que os outros - os sofistas achavam que Sócrates era parvo porque podia, com o seu talento, ter ido mais longe que eles próprios e nunca perceberam que Sócrates sabia o que eles sabiam e também sabia como se fazia o que eles faziam, só que escolhia não o fazer)
Mas, a minha questão é: como se está presente sem estar presente? Isso implica uma anulação da auto-consciência que já vi vezes demais acontecer. Não é bonito, porque no fundo, no fundo, as pessoas sabem que cravaram um punhal em si mesmas e na sua dignidade.
Aquela frase de Nietzsche, segundo a qual o que não nos mata torna-nos mais fortes e que a experiência negativa nos torna resistentes é uma grande treta: as más experiências endurecem as pessoas, tornam-nas impiedosas, fechadas à vida e cínicas. O ódio, o rancor, a mesquinhez, o cinismo, não ensinam nada. Afunilam a visão. Veja-se o caso de todos os extremistas que andam por aí a espalhar o ódio, convictos que o outro é o mal, cegos para todas as possibilidades positivas e de valorização do outro em si e não apenas como uma imagem de nós. Aprender e evoluir é ganhar outras visões. É expansão e não contracção. É por isso que lemos, viajamos e gostamos de conversar com pessoas interessantes que têm experiências diferentes das nossas. Para expandir e não para tomar posse e controlo. Na verdade, aprende-se infinitamente mais com uma experiência de amor que com todas as experiências negativas que nos pseudo-ensinam (se tivesse vontade punha aqui o Banquete de Platão como estou a fazer com o Fédon, que é imensamente rico acerca disso). Uma experiência de amor altera completamente a nossa visão do mundo, abre um mundo completamente novo, positivo e essa visão, uma vez vista, não mais ser 'des-vê', uma vez vivida, não pode mais ser 'des-vivida''. Sim, continuamos a ver os obstáculos do mundo e os que agem pelo controlo, pelo poder e pelo cinismo -em suma, o mundo em que vivemos- mas já não nos deixamos infectar por ele.
Por conseguinte, Sócrates é um grande exemplo positivo e a (má) experiência é uma madrasta.
A minha mãe nunca me elogiou. Nunca percebi porquê, até porque eu sei que ela gostava de mim....se calhar era uma questão de feitio!
ReplyDeletePois, isso é infeliz... mas uma pessoa, se quer, ultrapassa esses shortcomings dos pais ou até defeitos graves que causaram impacto negativo. Outro dia li uma frase na net que dizia mais ou menos o seguinte: quando éramos miúdos não percebíamos que os pais estavam, eles mesmos, num processo de aprendizagem e evolução muito longe de estar acabado. Gostei desta frase porque dá-nos uma perspectiva deslocalizada do assunto. Nós também somos pais, mas hoje em dia temos a vantagem de perceber um bocadinho mais de processos psicológicos das crianças e por isso, ter outro cuidado, pese embora possamos fazer, e de certeza fazemos, muitos erros. Espero que o meu filho seja benevolente quando pensar nos meus.
ReplyDeleteTambém espero que a minha filha me perdoe algumas decisões que tomei....enfim, estamos sempre a aprender toda a vida!
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