July 12, 2023

O jornalismo de opinião independente começa com transparência

 


Em Portugal temos pouco jornalismo de opinião independente. Entendo, tal como o que se diz no artigo do post anterior, que jornalismo independente se refere, não a pessoas com independência partidária (embora a possam ter) mas a pessoas que têm o foco no esclarecimento dos eventos e jogos políticos, estando ancorados nos factos e razões justificativas e não em guiar a opinião pública, quais formigas, para carreiros do seu partido político.

Mesmo esses que emitem opinião, sendo activistas num partido político, devem ter espírito crítico em relação ao seu próprio partido pois caso contrário, a comunicação social destrói definitivamente a sua capacidade de escrutínio da acção política e, consequentemente, de intervenção democrática.

Para começar, os jornais e revistas deviam ter como princípio de transparência tornar públicas as condições dos opinadores que escrevem nos seu jornais, para que possamos saber, à partida, quem são, se pertencem a um partido e que percurso político fizeram, se fazem parte de outros grupos culturais, etc. , pois com essas informações ajuizamos o que escrevem mais objectivamente - já que, se alguns se denunciam logo, desde a primeira linha que escrevem, tal é a desonestidade intelectual e lealdade canina que mostram a um partido, outros são mais subtis mas têm o mesmo defeito de escrevem para produzir certos efeitos políticos em vez de esclarecer os temas que abordam.

O problema começa logo em pequenos. Ter um opinião é ter um ponto de vista e um ponto de vista é algo que se constrói com leituras, com muita discussão e com experiência de vida. É por isso que quem tem um ponto de vista sabe fornecer razões válidas (mesmo que discutíveis ou polémicas), coerentes e baseadas em dados fidedignos, para as afirmações que profere. Ora, hoje-em-dia veícula-se a (falsa) ideia de que qualquer um que expresse as suas emoções está a emitir um ponto de vista sobre as questões. Mistura-se a ordem das emoções com a ordem das razões como se fossem critérios com a mesma validade epistemológica.

Ontem, porque li que os resultados do exame de Português do 9º ano foram positivos na ordem dos 70%, fui ver a prova. Para além de ser quase tudo exercícios de escolha múltipla, mas isso é outra questão, há um item em que se pede aos alunos para darem a 'sua opinião', o 'seu ponto de vista', sobre o tema: 

'terão as histórias que vamos ouvindo ou lendo ao longo da vida a capacidade para despertar em nós ideias novas, podendo transformar-nos?'
Como é que adolescentes tão novos que praticamente não lêem nada, mas mesmo que lessem alguma coisa, podem ter uma opinião, um 'ponto de vista' sobre o impacto transformador que a leitura, ao longo da vida, pode ter em nós? Provavelmente vão repetir o que o professor ou algum autor que deram na aula disse ou, não sendo o caso, vão dizer lugares-comuns que ouviram algures. Mas, se é para repetir o que algum autor estudado disse, porque não é isso assumido na prova e, se é para que digam lugares-comuns para que se pede isso? Para que fiquem convencidos que têm opiniões válidas sobre tudo e mais alguma coisa e que isso é possível sem ler, sem estudar, etc.? 

Lembro-me de um exame que classifiquei há uns anos (também na prova de filosofia se pede aos alunos que dêem a 'sua opinião' sobre a filosofia dos filósofos...) em que um aluno dizia, sem se dar conta do absurdo ou ridículo, "Kant partilha da minha opinião acerca das acções dos homens".

Toda a nova cultura de manipulação tem por base a ideia de que os pontos de vista inculcados por correntes ideológicas são uma escolha própria resultante de uma opinião própria. Se ligarmos a TV na hora da publicidade, vamos ao ponto absurdo de ver anúncios de pensos higiénicos ou de lâminas com o slogan, 'o teu corpo, a tua opinião, a tua escolha'... Não admira que tantos pensem que têm uma opinião, um ponto de vista próprio. Começam a ser "trabalhados como os árbitros" desde cedo, para pensar isso. 

Penso que este movimento se inscreve numa, mais global, desvalorização do rigor na educação e no conhecimento - veja-se o movimento dos anti-vacinas, dos anti-cientistas, dos anti-ambiente. Não que essas pessoas não possam ser contra o que quiserem, mas não são capazes de argumentar as suas posições a não ser com ataques à pessoa e teorias de conspiração. O relativismo no conhecimento não é igual a, equivalência de todas as opiniões.

Daí até ao jornalismo partidário que se julga certo na defesa da sua verdade que vê como 'a única' verdade, que deve ser defendida como se estivesse em guerra, vai um curto passo. 

A primeira obrigação de um jornal, penso, um meio de comunicação que quer ser credível é a transparência: identificar quem são os seus opinadores, qual o seu percurso político e em que qualidade escrevem. Não basta dizer, engenheiro, advogado, cronista, sub-chefe, etc. 

O mesmo se deve fazer aos opinadores de temas cientistas e/ou culturais que são influenciadores (ou querem ser) da opinião pública. Conheço vários homens que escrevem artigos de opinião em jornais nacionais e revistas conhecidos com pseudónimo de mulher, para poderem emitir opiniões machistas (que pensam ser A Verdade) e escaparem à crítica das mulheres - são muitas as mulheres que não criticam outras mulheres por lealdade feminista. Também esses artigos devem esclarecer que são escritos sob pseudónimo para não enganarem o público que os lê.

Do mesmo modo é importante saber quem são as pessoas que escrevem contra ou a favor do ambiente, ou das vacinas, por exemplo: faz diferença trabalharem para um lobby farmacêutico ou pertencerem a um grupo de anti-vacinas.

Porém, mais importante e fundamental é, em primeiro lugar, modificar o sentido actual de exaltação do emocionalismo na educação que é contrário à formação de um espírito crítico e de uma higiene mental sem os quais as democracias dificilmente prevalecem; em segundo lugar, fortalecer as instituições contra a intromissão dos partidos políticos e para isso precisamos de uma administração pública forte e com formação de qualidade.

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