July 12, 2023

Leituras pela manhã - O que torna o jornalismo de opinião independente? A dedicação à argumentação e à análise, não ao resultado político... Votar é uma escolha binária, mas pensar não é

 

O Partido Republicano radicalizou-se e tornou-se autoritário porque está preso numa bolha, vendo os seus inimigos como perigosos e os seus próprios líderes como fracos, respondendo a esta realidade de formas agressivas que apenas aprofundam a sua raiva e paranoia.

A capacidade dos republicanos de operarem dentro de uma epistemologia fechada pode parecer uma vantagem invejável, mas é também uma fonte de fraqueza. Os republicanos têm-se prejudicado a si próprios com políticas impopulares e líderes corruptos, mas, em vez disso, têm direcionado a sua raiva para fora. 
A sua disciplina partidária impede a crítica interna e cria uma cultura em que cada fracasso é uma traição, e a única resposta é lutar ainda mais. 

A prática de rotular todos os cépticos como traidores tem o desagradável efeito secundário de nos fazer acreditar nas nossas próprias tretas.
(substitua-se, 'partido republicano' por, 'partido do governo PS')


O INTERESSE NACIONAL

Em defesa do jornalismo de opinião independente O "hack gap" entre a direita e a esquerda tem vindo a estreitar-se.

Por Jonathan Chait, (colunista político desde 2011)


Há algumas décadas, os liberais começaram a ver a assimetria estrutural dos meios de comunicação social como um dos principais problemas da política americana. 

O Partido Republicano tinha um aparelho mediático assumidamente partidário - Fox News, fundada em 1996 - que usava para promover a sua mensagem. Os democratas não tinham nada de semelhante. Pior ainda, os principais meios de comunicação social tinham-se tornado altamente sensíveis a acusações de parcialidade liberal e tratavam as narrativas promovidas pelos republicanos, por mais superficiais ou farsescas que fossem, como sendo sempre dignas de notícia. 
Os meios de comunicação conservadores eram servilmente partidários e os meios de comunicação "liberais" estavam cheios de histórias sobre como Al Gore era visto como um mentiroso patológico, ou John Kerry como um efémero inconstante.

Duas frases que expressavam essa frustração entraram em circulação. Uma era "trabalhar os árbitros", que foi tirada do mundo do desporto, para descrever a forma como os republicanos empurravam os repórteres e os editores para a direita com queixas incessantes de parcialidade; a
 segunda era, hack gap, que descrevia o desequilíbrio do ethos profissional entre a esquerda e a direita. 

Os especialistas liberais tendiam a ver-se mais como jornalistas do que como activistas. Esperava-se que apresentassem argumentos originais em vez de fazerem eco de uma mensagem comum e as recompensas da progressão na carreira iam, geralmente, para aqueles que estavam dispostos a criticar os democratas e os colegas progressistas. 

Os especialistas conservadores saíram geralmente do movimento conservador, viam-se a si próprios como trabalhando para um projeto ideológico e operavam com a disciplina apertada de um movimento político. 

Os democratas enfrentavam críticas internas se falseassem a verdade ou violassem qualquer norma ética, enquanto os republicanos, desde que se mantivessem fiéis à doutrina conservadora, podiam contar com o apoio do seu coro, independentemente do que fizessem.

Ao longo do tempo, estas críticas exerceram um efeito profundo nos meios de comunicação social. Os principais meios de comunicação social deslocaram-se nitidamente para a esquerda e a sua prática, outrora universal, de cobrir todos os debates factualmente, tratando a verdade como desconhecida, tornou-se mais rara.

O jornalismo de opinião progressista mudou de forma ainda mais dramática. Romper com o grupo para questionar uma crença partilhada pela esquerda já não é uma caraterística valorizada; agora é possível construir uma carreira afirmando inabalavelmente as posições do movimento progressista. 

De um modo geral, a profissão mudou para melhor porque a Internet abriu muito mais vozes à esquerda, em todos os sentidos. Há mais escritores de mais perspectivas e com mais conhecimentos e muitos deles não são homens brancos. Acabou o absurdo do mundo dos anos 90, em que o espectro ideológico do pensamento dominante terminava no centro-esquerda. 

Em termos políticos, o aparelho de comunicação está mais equilibrado
As desvantagens deste novo mundo mediático são óbvias. Juntamente com o seu sistema de mensagens partidárias, os progressistas construíram uma contrapartida para a bolha de informação em que os conservadores há muito residem. Onde antes era raro encontrar algum pseudo-facto a circular entre a esquerda, agora é rotina.

Em 2010, Julian Sanchez, um libertário, descreveu o universo fechado do pensamento conservador como "fechamento epistémico" - qualquer fonte que refutasse as afirmações conservadoras era automaticamente considerada indigna de confiança. 
Podemos agora discernir na esquerda, pelo menos, a formação embrionária de um universo alternativo semelhante, no qual qualquer desafio inconveniente é reflexivamente rejeitado como "bothsidesing", "concern trolling", uma forma de fanatismo.

Todos estes chavões descrevem males reais, mas também se tornaram chavões utilizados para afastar quaisquer factos ou crenças que compliquem a narrativa progressista.

O fosso entre ambos está a diminuir ao ponto de parecer agora necessário defender a existência de um jornalismo de opinião independente.  O editor do New York Times, A.G. Sulzberger defendeu, no mês passado, o compromisso do seu jornal com o que chamou de "jornalismo independente".

Sulzberger concentrou-se principalmente nas reportagens, mas penso que o seu conceito pode ser aplicado ao jornalismo de opinião. 
O jornalismo de opinião independente descreve a escrita de opinião que se destina a informar os leitores sobre o mundo através de argumentos e análises, em vez de encorajar diretamente certos resultados políticos.

A independência deve ser entendida como um conjunto de hábitos que podem ser praticados por escritores de todo o espetro ideológico. Não significa ter uma identidade "independente" no sentido de voto partidário. O jornalismo de opinião independente pode ser produzido por escritores que ocupam perspectivas situadas entre os dois partidos, fora ou ortogonais a eles ou diretamente dentro deles.

A independência encoraja (embora não garanta; somos todos falíveis) certos tipos de higiene mental: tentar imaginar em todas as situações o que aconteceria se as identidades partidárias fossem invertidas, admitir que as pessoas com compromissos políticos opostos podem, por vezes, ter pontos de vista correctos, testar a consistência lógica e histórica dos seus próprios argumentos. 'Será que eu me oporia a esta táctica usada pelo partido da oposição se o meu próprio partido a utilizasse'?

O trabalho de um activista é promover (ou, em alguns casos, impedir) a mudança política. É uma profissão honrada, mas os contornos deste trabalho de mover a opinião pública em direção à posição que se deseja envolvem sombrear umas verdades e/ou omitir outras. Ambas as formas de argumentação podem ser persuasivas e articuladas, mas uma destina-se a edificar e a outra a promover objectivos políticos.

Pense na diferença entre um professor que analisa uma questão jurídica e um advogado que defende um cliente. O primeiro tem um ponto de vista, mas utiliza a argumentação com o objetivo de promover uma compreensão mais profunda para os seus leitores. O segundo escolhe e utiliza os factos mais úteis para o seu cliente.

Se considerarmos a metáfora do trabalho dos árbitros, a distinção entre jornalismo de opinião independente e o activismo político torna-se perfeitamente clara. A frase descreve a forma como muitos treinadores repreendem os árbitros, na crença de que vão forçar esses funcionários a decidir o jogo de uma forma mais favorável. 
O treinador pode ser suficientemente parcial para acreditar genuinamente em tudo o que grita aos árbitros, e os adeptos da sua equipa podem ver os árbitros da mesma forma que o treinador. Mas um treinador que está a 'trabalhar os árbitros' não está a tentar dar aos adeptos uma avaliação justa dos árbitros. O seu objetivo é ganhar o jogo.

Muitos dos que criticam publicamente os principais meios de comunicação social, quer da esquerda quer da direita, estão a 'trabalhar os árbitros'. Na medida em que confiamos nos árbitros como fontes de informação política, estamos a colocar o nosso juízo nas mãos de pessoas que não estão interessadas em esclarecer-nos. Podem querer que estejamos informados sobre histórias que nos encorajam a apoiar a sua coligação política, mas não querem informar-nos sobre histórias que a prejudicam. Não estão a trabalhar para nós, estão a 'trabalhar-nos'.


Esta forma de advocacia não precisa de ser cínica. Os seus defensores vêem-se muitas vezes como idealistas: estão a travar uma grande cruzada contra os mentirosos. O seu modelo mental é uma espécie de guerra de trincheiras em que a cedência de qualquer terreno ao adversário é uma derrota. 

Em 2023, Collins apresentou a luta pela verdade em termos marciais. "As pessoas que divulgam a verdade estão sob cerco na guerra da informação". Os ingredientes para a vitória nesta guerra, argumentou, são a unidade e a força de vontade:
Os triunfos da verdade não são acidentes, são momentos em que os meios de comunicação social americanos -especialmente os que não fazem parte do sector da desinformação- não hesitaram e não cederam um milímetro às mentiras e aos mentirosos que as contam... Mas é preciso unidade, e não capitulação. Não se pode ir ao encontro dos mentirosos a meio do caminho, porque a verdade passa a ser uma meia mentira. Temos simplesmente de ser mais altos e mais claros com a verdade.
A noção de que há alturas em que o jornalista deve ceder um centímetro, porque o outro lado tem razão, foi completamente ignorada por Collins. (Isso não pareceu incomodar os juízes dos Prémios Cronkite, que elogiaram Collins pelo seu "trabalho brilhante e corajoso" que foi "honesto e necessário").

A tensão entre o jornalismo de opinião independente e a advocacia política é muitas vezes mais aguda quando surge um assunto que divide uma coligação política. Os defensores preferem enfatizar ideias e questões que unificam a sua coligação e não enfatizar questões que a dividem.
A lógica de manter a paz no seio da coligação sobrepõe-se à lógica jornalística de explicitar uma diferença de convicções.

Durante a era Trump, quando este fazia uma das suas habituais ameaças ilegais ou violentas, os conservadores dividiam-se: os mais tradicionais da National Review ignoravam-nas ou riam-se delas como uma fanfarronice ineficaz, enquanto os mais radicais, os MAGA-heads, se regozijavam por o seu líder estar finalmente a combater. 
O debate sobre o iliberalismo de esquerda produziu um tipo semelhante de pensamento duplo: alguns progressistas rejeitaram a ideia de que uma nova onda de normas sociais restritivas estivesse a varrer as instituições de elite como um pânico moral imaginado, enquanto outros defenderam as mudanças como uma "cultura de responsabilização" atrasada.

Não havia necessidade, para nenhum dos lados, de esclarecer a contradição. As afirmações "X seria mau, mas o nosso lado não o está a fazer" e "o nosso lado está a fazer X, e é bom" são antíteses lógicas que podem, e muitas vezes funcionam, politicamente de mãos dadas.

Quando escrevo algo crítico em relação aos progressistas, a crítica mais comum que encontro é que me devia concentrar em criticar a direita, porque a direita representa o maior perigo. Por vezes, a queixa assume a forma de uma pergunta: "Porque é que estás a escrever sobre isto e não sobre aquilo?" - isto são as falhas do nosso lado, aquilo são as falhas do lado oposto. Frequentemente, esta queixa materializa-se numa afirmação de que a questão importante (normalmente descrita como "o problema" ou "o verdadeiro problema") está no outro lado.

Os jornalistas conservadores que atacaram Donald Trump foram confrontados com uma saraivada de declarações furiosas dos republicanos de que o verdadeiro problema era a perfídia de Hillary Clinton ou o que quer que fosse. Os progressistas que criticam os seus parceiros de coligação encontram a mesma resposta. (E isto é válido para os esquerdistas que criticam os liberais e vice-versa).

Posso escrever uma dúzia de artigos seguidos a atacar a direita mas, se o meu artigo seguinte atacar a esquerda irá suscitar queixas de que critico a esquerda em demasia. Na prática, o nível adequado de crítica interna exigido por muitos activistas é: zero.

É claro que as decisões sobre que tipo de assuntos merecem cobertura de opinião e em que quantidade, são uma coisa perfeitamente razoável de questionar. 
Ao longo da última década, a omnipresença da queixa "isto-não-aquilo", e a forma abrangente que muitas vezes assume, sugere que há mais em jogo do que uma queixa sobre a atribuição de temas. Existe um tabu geral, generalizado e (pelo que me é dado perceber) crescente contra a crítica aos colegas progressistas - a não ser que a crítica seja pela sua falta de ardor ideológico ou político.

A confusão que se verifica é entre a lógica do activismo político e a do jornalismo de opinião independente. A ação política ocorre dentro de um sistema bipartidário que nos obriga a escolher entre opções erradas. Permitir que as nossas decisões políticas, como votar e defender, sejam guiadas por uma fixação com as falhas do mal menor, é perverso.

O jornalismo de opinião não precisa de observar estes condicionalismos. Votar é uma escolha binária, mas pensar não é.

A crítica dos defensores exige, explícita ou implicitamente, que os jornalistas de opinião sejam julgados segundo os padrões dos defensores políticos. A principal (ou única) medida de um texto é se ele ajuda os 'bons' a ganhar. 
À esquerda, já foi raro, mas está a tornar-se cada vez mais comum. O hack gap, como lhe costumávamos chamar, está a diminuir. Talvez não por coincidência, esta expressão saiu de circulação.

Reconheci, logo no início, que a diminuição do "hack gap" tem, pelo menos, um efeito salutar de não haver apenas um único canal de informação 'mercenário'.

Este objetivo pode parecer uma defesa louvável, ou pelo menos necessária, contra um Partido Republicano que está a evoluir para o autoritarismo mas, o que os liberais precisam de compreender é que copiar os métodos epistemológicos da direita, acabará por significar copiar o seu estilo político. 

O Partido Republicano radicalizou-se e tornou-se autoritário porque está preso numa bolha, vendo os seus inimigos como perigosos e os seus próprios líderes como fracos, respondendo a esta realidade de formas agressivas que apenas aprofundam a sua raiva e paranoia.

A capacidade dos republicanos de operarem dentro de uma epistemologia fechada pode parecer aos liberais uma vantagem invejável, mas é também uma fonte de fraqueza. Os republicanos têm-se prejudicado a si próprios com políticas impopulares e líderes corruptos, mas, em vez disso, têm direcionado a sua raiva para fora. 
A sua disciplina partidária impede a crítica interna e cria uma cultura em que cada fracasso é uma traição, e a única resposta é lutar ainda mais. 

Quando detinham o poder, os republicanos provaram ser repetidamente ineptos em fazer avançar até os seus próprios objectivos. A administração Bush e a administração Trump foram ambas, em grande medida, um fracasso, mesmo em termos conservadores. Os piores fracassos dessas presidências - a Guerra do Iraque, a bolha imobiliária, o fracasso em revogar o Obamacare, a negação da COVID de Donald Trump - revelaram a fraqueza de um movimento que era demasiado rígido ideologicamente para manobrar. 
A prática de rotular todos os cépticos como traidores tem o desagradável efeito secundário de nos fazer acreditar nas nossas próprias tretas.

Apesar de todo o perigo que enfrenta, a agilidade do liberalismo americano é uma força subestimada. Essa resiliência exige pelo menos alguns jornalistas de opinião independentes que actuem fora da disciplina do movimento progressista.

Nenhum dos padrões que tentei delinear aqui deve ser entendido como sugerindo que a minha carreira é o modelo perfeito de jornalismo de opinião independente. Do vasto conjunto de trabalhos que produzi desde que comecei, em meados da década de 1990, alguns são vistos com orgulho e outros com pesar. Nunca me consideraria um praticante perfeitamente consistente de higiene mental e, por vezes, mesmo seguindo os melhores métodos, não se obtém um bom resultado. Nem sequer acredito que a definição de jornalismo de opinião independente que aqui apresentei deva ser tomada como definitiva - é, antes, uma tentativa de abrir um assunto que caiu no esquecimento.

Os padrões mais elevados de rigor, consistência e justiça encontrados no jornalismo de opinião liberal costumavam ser uma fonte de orgulho. Precisamos de redescobrir e aguçar essa ambição de sermos melhores. A única coisa pior do que ter uma 
"hack gap" talvez seja, não a ter.
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(texto ligeiramente encurtado e aqui e ali editado por questão de economia - ler aqui o texto original)


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