Verdade, Otto von Bismarck terá dito durante a sua vida política que estariam melhor os governados (e os fregueses dos mercados) se não vissem como se fazem duas coisas: as leis e as salsichas. Tem a sua dose de razão. Não só pela parte inestética de ambos os processos. É autoevidente que os assuntos da governação precisam de reserva. E tanto mais num tempo em que tudo é facilmente escancarado nas redes sociais e julgado e distorcido num ápice.
(...)
Não foi nesta discussão que Pedro Adão e Silva entrou ao criticar a CPI à TAP, a postura dos deputados da oposição e a sucessão de comentadores ao que se passou em algumas audições. Os motivos do ministro da Cultura não rondaram uma análise sociológica à relação entre televisões, espectadores e política. Foram mais comezinhos e prosaicos: promover a opacidade na prática política e atacar o escrutínio ao Governo feito pela Assembleia da República, pela comunicação social e – sim – diretamente pelos cidadãos que viram (voluntariamente, recorde-se, porque todos tinham outros canais ou afazeres à disposição) os diretos das audições da comissão de inquérito.
Tal ataque vindo de um ministro de um Governo de maioria absoluta faz soar alarmes. Tanto mais de um Governo suportado por um grupo parlamentar de deputados obedientes (como são sempre os do partido que governa) que se prepara para fazer o frete ao Governo de produzir um relatório da CPI à TAP fantasioso e carregado de lixívia para limpar todas as nódoas das incompetências grosseiras, desvarios de ministros, cenas de pancadaria (essas, sim, de filme de série B) em ministérios, abuso dos serviços de informações, desrespeito pelo dinheiro dos contribuintes investido na TAP e um considerável etc.
Nem o ataque foi só do ministro, mas de todo o Governo. António Costa quer mostrar que tem maioria absoluta e não permite devaneios limitativos aos demais poderes. Mostrou-o ao Presidente com a não-demissão de Galamba e agora ao Parlamento impondo um relatório sobre a gestão da TAP absolutamente desligado da realidade e abonatório para o Governo. Está convencido que ganha eleitoralmente com estas posições brutas – lá está, os eleitores gostam de governantes mais implacáveis que a média.
Condicionado o Presidente da República e domesticado o Parlamento, resta fazer bullying à comunicação social para não noticiar de mais os momentos embaraçosos para o Governo. É um caminho perigoso, que já vimos na anterior maioria absoluta do PS, com Sócrates. (E Pedro Adão e Silva fez parte do grupo que sempre viu virtudes nos repetidos e crescentes abusos à democracia por Sócrates). Tempo que qualquer Governo decente deseja não repetir.
João Galamba (igualmente formado pelo socratismo) já havia ensaiado outro caminho a favor da opacidade e da afronta aos media: o PÚBLICO pediu acesso a documentos e o ministro, para não os disponibilizar, classificou-os como secretos. Semanas depois, foram quase todos desclassificados.
Porém, má sorte do Governo que, de facto, a CPI à TAP tenha gerado tanto interesse. Da minha parte, vi tudo como muito positivo. O trabalho feito nas comissões parlamentares é o mais substantivo, onde se constroem as soluções legislativas sobre temas sempre complexos. Com a CPI à TAP, a generalidade dos governados viu como funciona o Parlamento fora dos debates no plenário. Pôde ver a preparação dos deputados que questionavam (e o Governo não estaria irritado se a oposição não tivesse feito boa figura). Puderam ver a falta de preparação do ministro Galamba. O ego e narcisismo de Pedro Nuno Santos. As contradições entre as declarações das chefes de gabinete dos dois ministros das Infraestruturas visados. O cinzentismo de Medina.
Viram o ritual, a organização, a mistura entre solenidade e descontração. Foi um bom exemplo de escrutínio ao Governo, que é tarefa constitucional (e moral) da Assembleia da República. E um momento pedagógico sobre o funcionamento das instituições. Temos pena se não serve à narrativa do primeiro-ministro da desnecessidade de tirar consequências políticas do que se passou com a TAP nos seus governos.
Mas uma remodelação, ou não, por causa da TAP é casuística. O ataque à comunicação social e ao funcionamento das instituições pelo Governo é mais daninho e estrutural. Próprio, de resto, dos regimes e líderes populistas. Talvez o Presidente da República, enquanto troca de fato de banho numa praia enrolado numa toalha, devesse dar esta necessária ensaboadela ao Governo.
Tal ataque vindo de um ministro de um Governo de maioria absoluta faz soar alarmes. Tanto mais de um Governo suportado por um grupo parlamentar de deputados obedientes (como são sempre os do partido que governa) que se prepara para fazer o frete ao Governo de produzir um relatório da CPI à TAP fantasioso e carregado de lixívia para limpar todas as nódoas das incompetências grosseiras, desvarios de ministros, cenas de pancadaria (essas, sim, de filme de série B) em ministérios, abuso dos serviços de informações, desrespeito pelo dinheiro dos contribuintes investido na TAP e um considerável etc.
Nem o ataque foi só do ministro, mas de todo o Governo. António Costa quer mostrar que tem maioria absoluta e não permite devaneios limitativos aos demais poderes. Mostrou-o ao Presidente com a não-demissão de Galamba e agora ao Parlamento impondo um relatório sobre a gestão da TAP absolutamente desligado da realidade e abonatório para o Governo. Está convencido que ganha eleitoralmente com estas posições brutas – lá está, os eleitores gostam de governantes mais implacáveis que a média.
Condicionado o Presidente da República e domesticado o Parlamento, resta fazer bullying à comunicação social para não noticiar de mais os momentos embaraçosos para o Governo. É um caminho perigoso, que já vimos na anterior maioria absoluta do PS, com Sócrates. (E Pedro Adão e Silva fez parte do grupo que sempre viu virtudes nos repetidos e crescentes abusos à democracia por Sócrates). Tempo que qualquer Governo decente deseja não repetir.
João Galamba (igualmente formado pelo socratismo) já havia ensaiado outro caminho a favor da opacidade e da afronta aos media: o PÚBLICO pediu acesso a documentos e o ministro, para não os disponibilizar, classificou-os como secretos. Semanas depois, foram quase todos desclassificados.
Porém, má sorte do Governo que, de facto, a CPI à TAP tenha gerado tanto interesse. Da minha parte, vi tudo como muito positivo. O trabalho feito nas comissões parlamentares é o mais substantivo, onde se constroem as soluções legislativas sobre temas sempre complexos. Com a CPI à TAP, a generalidade dos governados viu como funciona o Parlamento fora dos debates no plenário. Pôde ver a preparação dos deputados que questionavam (e o Governo não estaria irritado se a oposição não tivesse feito boa figura). Puderam ver a falta de preparação do ministro Galamba. O ego e narcisismo de Pedro Nuno Santos. As contradições entre as declarações das chefes de gabinete dos dois ministros das Infraestruturas visados. O cinzentismo de Medina.
Viram o ritual, a organização, a mistura entre solenidade e descontração. Foi um bom exemplo de escrutínio ao Governo, que é tarefa constitucional (e moral) da Assembleia da República. E um momento pedagógico sobre o funcionamento das instituições. Temos pena se não serve à narrativa do primeiro-ministro da desnecessidade de tirar consequências políticas do que se passou com a TAP nos seus governos.
Mas uma remodelação, ou não, por causa da TAP é casuística. O ataque à comunicação social e ao funcionamento das instituições pelo Governo é mais daninho e estrutural. Próprio, de resto, dos regimes e líderes populistas. Talvez o Presidente da República, enquanto troca de fato de banho numa praia enrolado numa toalha, devesse dar esta necessária ensaboadela ao Governo.
Maria João Marques in publico
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