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September 18, 2022

O último acto do Império?

 

Os ingleses andam há nove dias a capitalizar a ideia do Reino Unido de todas as maneiras e feitios: o Reino Unido, a Commonwealth, a família real, a economia e a democracia inglesa, a estabilidade, a capacidade de liderança inglesa... têm lá praticamente todos os líderes do mundo. Amanha será o último acto do Império antes da porta se fechar, definitivamente.


September 17, 2022

As cerimónias da rainha de Inglaterra

 


Estava aqui a ver a Sky News a entrevistar pessoas na fila para ir ver o caixão da rainha e o aparato cerimonial que o rodeia. Vários grupos de americanos vieram de propósito para as cerimónias fúnebres. Uma mulher entrevistada disse, 'nós não temos nada disto na América, este sentido da história e agora estamos em crise e queria participar disto'.

Vivemos hoje num mundo de forças contraditórias, por vezes nas mesmas pessoas e grupos: por um lado queremos a globalização e a tecnologia porque nos permite participar e agir no todo, mas por outro lado queremos uma identidade própria, um enraizamento histórico que dê sentido ao nosso devir enquanto pertencentes a uma nação, com uma história e um espírito próprios. Não queremos perder-nos, fundidos num todo indiferenciado. Ora, é exactamente isso que vem acontecendo, com a globalização e as sociedades tecnológicas.

Muitos países resistem a esta globalização porque ela traz consigo um domínio da mentalidade e da cultura anglo-saxónica e uma consequente perda dos valores locais. Há duas correntes contrárias que lutam entre si: uma defende a centralização da governança mundial, pelo menos nos grandes temas, diluindo o poder local, nacional; outra defende a manutenção das nações, dos valores locais, enfim, a descentralização. Temos visto estas duas correntes na UE, mas também no mundo. Vemos como a China ou os países do Médio Oriente são capazes de grande violência na resistência a uma perda de identidade própria por conta da globalização.

Há poucos dias li uma opinião que dizia que os ingleses precisam de uma monarquia para se manterem unidos, ao contrário de nós portugueses. Não estou de acordo, a não ser na ideia subjacente de que um povo quer e precisa de manter-se unido. Se não se mantém unido, se não se reconhece numa certa identidade própria, está pronto para ser dominado por outro cuja identidade se sobrepõe - penso que isso aconteceu na nossa monarquia quando perdemos a independência para os espanhóis (mas não tenho conhecimentos suficientes neste assunto para o dizer com algum grau de certeza) e penso que esse fenómeno está a acontecer outra vez, por demérito dos nosso líderes que fomentam a divisão para os seus partidos reinarem e expulsam os portugueses daqui.

A razão pela qual americanos e pessoas de todo o mundo, mesmo não sendo ingleses querem estar presentes ou fazer parte deste acontecimento, mesmo que à distância, pela TV, penso que tem que ver com essa necessidade de identidade. A rainha do Reino Unido incorporava os valores, a identidade, aquilo que chamamos, 'o espírito' dos britânicos e nesse sentido era um elo de ligação entre todos. O cerimonial fúnebre e outros como o da coroação, por um lado parecem-nos um desfasamento dos tempos, mas por outro parecem-nos uma ponte ou um portal da união e continuidade do presente com o passado, dando-lhe coerência e valor.

Neste rituais, que ninguém sabe fazer como os ingleses, cada gesto, cada cerimónia, cada objecto, estão ligados a acontecimentos e figuras históricas que são relembrados e comemorados frequentemente, de maneira que não são um evento passado que uns indivíduos estudam nos livros, mas um presente vivo, encarnado nos novos indivíduos -o novo rei e família próxima- a quem se entregam para que preserve o 'espírito' e a identidade do povo. Esse é o grande valor das monarquias. O monarca é um repositório da história e identidade do país, é educado para o serviço público (com uma mulher dizia, 'quem é que trabalha até aos 96 anos?'), para as tradições, as leis, os costumes do seu povo e preserva-os apesar da cultura se modernizar, apesar do país evoluir, para que não se perda a unidade das pessoas que fazem dela, um povo próprio. 

Uma colectividade de pessoa sem identidade comum, sem valores comuns, sem um 'espírito' agregador onde se reconhecem, não constitui um grupo social: falta-lhes coesão e reconhecimento mútuo. O ser humano precisa de identidade pessoal e social. Um povo sem espírito, torna-se um mero negociante da conta corrente porque não sabe quem é, não sabe o que quer enquanto grupo, não sabe o que deve valorizar, quais as batalhas que tem de travar e as que tem de esquecer.
É por isso que os ingleses esperam 16 horas na fila num espírito fraterno: estão a reforçar a identidade nacional, a união entre si e com o monarca. É por isso, penso, que vêm americanos e outros, a Inglaterra, para as cerimónias fúnebres da rainha: querem fazer parte da história, sentir que têm uma ligação à história, que não são unidades indiferenciadas num mundo centralizado onde são anónimas, meros peões do interesse alheio.

Alguns povos sofrem claramente de crise de identidade e isso vê-se no seu comportamento: na Europa, a Alemanha e a Rússia são os casos mais flagrantes; na África muitos países ex-colonizados, justamente por conta desse passado.

Não sou monárquica porque as monarquias têm sempre dezenas de famílias satélites com privilégios hereditários imerecidos (não falo de heranças materiais mas do tráfico de influências: têm sempre lugar marcado e passam sempre à frente das filas da vida sem prestarem nenhum serviço ao país, só porque têm um título) e porque monarcas como esta rainha que morreu são a excepção e não a regra, mas se fosse inglesa não deitava fora uma monarquia de 1500 anos que respeita a democracia parlamentar. Nenhum político ou estadista, dada a sua volatilidade, brevidade e inconstância, alguma vez poderá encarnar o espírito de um povo como um monarca o faz e se a nossa monarquia, que teve muito valor durante 500 anos, não tivesse descambado como descambou e tivesse sobrevivido até aos dias de hoje, evoluindo num espírito de respeito pelos valores de uma democracia parlamentar, se calhar era monárquica. Não sei. 

Enfim, o que me parece é que o assunto da monarquia e dos rituais da monarquia inglesa que vamos seguindo, mais ou menos e que, tenho a certeza, muitos países e líderes invejam, é um assunto interessante, complexo que tem que ver com o tipo de modelo político-social que queremos: se unidos em nações com identidade própria onde nos reconhecemos, se diluídos numa governança global, numa tecnocracia dominada por empresas internacionais bilionárias. 


September 16, 2022

Só agora soube que estamos em luto nacional pela rainha de Inglaterra

 


Epá, não percebo. Quer dizer, penso que ela foi uma pessoa fora do vulgar, num sentido positivo e que os ingleses devem orgulhar-se de ter uma monarca como ela, mas nós não somos ingleses, ela não era nossa rainha - nem os ingleses são assim tão nosso amigos, apesar de alianças com 500 anos. Não vejo sentido nisto.


September 10, 2022

A BBC capitaliza a morte da rainha

 

Dez dias de transmissões. Ainda estão na fase de construir a tensão que há-de atingir o clímax quando o caixão da rainha desfilar pelas ruas com a família atrás. A BBC a vender bilhetes. E a gente compra.



Monarquias: 80% valor, 20% sorte

 


É claro que não tenho nenhum suporte para fazer esta divisão, mas é uma maneira de dizer que a sobrevivência de uma monarquia tem de ter uma dose muito substancial de valor, por parte dos monarcas, mas não dispensa um bocado de sorte.
Esta rainha que morreu, por exemplo, que é agora lembrada com muito carinho, foi sempre objecto de respeito, mas nem sempre foi amada. Foi-o no início do reinado, quando assumiu o cargo muito nova e em  circunstâncias muito difíceis, mas depois veio a época das transformações dos anos 60 e 70 e pareceu estar desfasada dos tempos. Falava-se dela como distante. Em seguida vieram os anos dos casamentos dos filhos mais velhos e toda a confusão que se seguiu e era muito criticada como sendo fria e distante, os filhos uns mimados snobs. Começaram a chamar à casa real, 'a firma'. Falava-se abertamente em a rainha abdicar para o neto. As sondagens diziam que os ingleses estavam fartos dos gastos e caprichos da monarquia. Finalmente, vieram os seus oitenta anos e o valor da sua dedicação, lealdade e estabilidade venceram e começou a ser novamente amada. 
Se a rainha tivesse morrido com 70 anos as possibilidades da monarquia sobreviver não eram fortes. Teria morrido em plena crise e polémica, não apenas sua mas do filho que agora é rei, por conta da ex-mulher e da actual mulher. Carlos precisou destes anos todos para se tornar uma pessoa sensata e consensual.
Portanto, a rainha foi sempre uma pessoa que impôs respeito, mas não afecto. 
O grande valor dela foi a dedicação. Os ingleses, mesmo os que não são monárquicos, sabiam e sentiam que nela tinham alguém que nunca voltaria as costas ao país, nunca desistiria ou desertaria, como fez o tio dela e, mais recentemente, um dos netos. 
Esse tipo de dignidade e fortaleza de carácter é que que faz com que no mundo inteiro a respeitem. É uma pessoa, uma líder que está no seu posto, sempre ao serviço e sem auto-indulgências. 
É claro que um monarca que vive muito tempo, tem muita experiência acumulada de conhecer governantes do seu país e de outros, tem um conhecimento da história do país e das sensibilidades dos vários sectores do povo e, por isso, é um conselheiro de valor inestimável. Tem uma perspectiva não politicamente interessada, objectiva e contextualizada no tempo e na história dos assuntos do Estado. Essa é a parte do valor. A parte da sorte tem que ver com as pessoas que a rodeiam, a família (veja-se como a família do rei de Espanha quase acabou com a monarquia em meia dúzia de anos e a deixou numa situação de grande desequilíbrio) e os acontecimentos do tempo.


Rainha na Galeria Nacional de Retratos em 2015.
Fotografia: Mikael Buck/Rex Shutterstock

Outro tipo de árvore: Pedigree



@meridithmcgraw

Há uma árvore genealógica dos corgis da Rainha https://bbc.com/news/uk-61606972…




September 08, 2022

Uma rainha

 


Isto foi há 48 horas. Uma audiência de uma hora. Não dá nenhum sinal de fraqueza. Já não se fazem destas.
Uma rainha até ao fim.


Ravissante, como dizem os franceses

imagens da Time Magazine
E com uma personalidade inimitável.


1957




 



Queen Elizabeth II & Duke of Edinburgh in Portugal, 1957.

Life Magazine

Fixados na pedra



A Rainha Isabel II e o Príncipe Phillip esculpidos na Catedral de Chichester. Podem ser vistos de cada lado da entrada principal. 
Imagem de CuriousRambler.



E aqui na catedral de Canterbury, usando as vestes da ordem da jarreteira.



She did good

 


Uma rainha





Dia da Coroação da Rainha Isabel II.
UnitedArchives00926787



April 21, 2020

Hoje faz anos uma grande mulher. Parabéns!




Rainha Isabel II celebra 94º aniversário com videochamadas e telefonemas da família


Falo da rainha de Inglaterra. Noventa e tal anos, sessenta dos quais a trabalhar para o bem comum. Uma grande estadista, uma grande política, uma grande governante, um exemplo de dever e consciência. Poucos erros se lhe conhecem e se tivermos em conta as dezenas de anos em que esteve -está- constantemente sob escrutínio, esses erros desvanecem-se.

Por causa das regras de confinamento entendeu não celebrá-los, nem sequer reunindo a família. Tendo em conta que a comemoração do seu aniversário é uma comemoração da monarquia e tendo em conta a sua idade, o facto de nem sequer reunir a família denota uma extraordinária sensibilidade para com o momento dramático que o povo vive e sofre e uma noção clara sobre qual é o seu dever enquanto exemplo de conduta (calculo que o Ferro Rodrigues, o Alegre e outros palermas a critiquem e digam que é uma afronta à monarquia...).

Não são muitas as personalidade públicas na área da política e da governação por quem temos razões para admiração e respeito (hoje em dia contam-se pelos dedos de uma mão) e a rainha de Inglaterra é uma delas e ocupa esse lugar há décadas. Parabéns! Sorte dos ingleses.


April 07, 2020

A energia que irradia de um líder sólido e de prestígio e o que isso faz por um país


Se alguém tem dúvida acerca da importância de se ter políticos sérios e dedicados à res pública é só ver os jornais americanos, ingleses e alguns europeus de ontem e hoje. O discurso da rainha de Inglaterra foi o que bastou para mudar a percepção sobre o país, não apenas política mas económica, numa semana em que parecia ir afundar-se com a desorientação de Boris Johnson relativamente à pandemia e agora o internamento dele devido à doença.

A mulher apareceu e fez um discursozinho de 5 minutos. Foi o suficiente para mudar o espírito interno e externo acerca das capacidades da Inglaterra, mesmo nesta situação de ter o primeiro ministro internado. E porquê? Porque tem 60 de bons serviços à sua pátria: serviços dedicados, inteligentes e com capacidade de sacrifício pelo bem comum, coisa que falta à maioria dos seus familiares.

Precisamos de políticos que se inspirem nos melhores. Precisamos que os políticos sejam melhores. Ponham os olhos nos sacrifícios que andam a fazer os que vão todos os dias para os hospitais.
No mínimo têm que agir para estar à altura do que foi o sacrifício e abnegação dos outros.


Britain Just Got Pulled Back From the Edge


The country has reasserted its foundational stability, and in doing so made real change more likely once this is all over.