Showing posts with label monarquia. Show all posts
Showing posts with label monarquia. Show all posts

September 17, 2022

As cerimónias da rainha de Inglaterra

 


Estava aqui a ver a Sky News a entrevistar pessoas na fila para ir ver o caixão da rainha e o aparato cerimonial que o rodeia. Vários grupos de americanos vieram de propósito para as cerimónias fúnebres. Uma mulher entrevistada disse, 'nós não temos nada disto na América, este sentido da história e agora estamos em crise e queria participar disto'.

Vivemos hoje num mundo de forças contraditórias, por vezes nas mesmas pessoas e grupos: por um lado queremos a globalização e a tecnologia porque nos permite participar e agir no todo, mas por outro lado queremos uma identidade própria, um enraizamento histórico que dê sentido ao nosso devir enquanto pertencentes a uma nação, com uma história e um espírito próprios. Não queremos perder-nos, fundidos num todo indiferenciado. Ora, é exactamente isso que vem acontecendo, com a globalização e as sociedades tecnológicas.

Muitos países resistem a esta globalização porque ela traz consigo um domínio da mentalidade e da cultura anglo-saxónica e uma consequente perda dos valores locais. Há duas correntes contrárias que lutam entre si: uma defende a centralização da governança mundial, pelo menos nos grandes temas, diluindo o poder local, nacional; outra defende a manutenção das nações, dos valores locais, enfim, a descentralização. Temos visto estas duas correntes na UE, mas também no mundo. Vemos como a China ou os países do Médio Oriente são capazes de grande violência na resistência a uma perda de identidade própria por conta da globalização.

Há poucos dias li uma opinião que dizia que os ingleses precisam de uma monarquia para se manterem unidos, ao contrário de nós portugueses. Não estou de acordo, a não ser na ideia subjacente de que um povo quer e precisa de manter-se unido. Se não se mantém unido, se não se reconhece numa certa identidade própria, está pronto para ser dominado por outro cuja identidade se sobrepõe - penso que isso aconteceu na nossa monarquia quando perdemos a independência para os espanhóis (mas não tenho conhecimentos suficientes neste assunto para o dizer com algum grau de certeza) e penso que esse fenómeno está a acontecer outra vez, por demérito dos nosso líderes que fomentam a divisão para os seus partidos reinarem e expulsam os portugueses daqui.

A razão pela qual americanos e pessoas de todo o mundo, mesmo não sendo ingleses querem estar presentes ou fazer parte deste acontecimento, mesmo que à distância, pela TV, penso que tem que ver com essa necessidade de identidade. A rainha do Reino Unido incorporava os valores, a identidade, aquilo que chamamos, 'o espírito' dos britânicos e nesse sentido era um elo de ligação entre todos. O cerimonial fúnebre e outros como o da coroação, por um lado parecem-nos um desfasamento dos tempos, mas por outro parecem-nos uma ponte ou um portal da união e continuidade do presente com o passado, dando-lhe coerência e valor.

Neste rituais, que ninguém sabe fazer como os ingleses, cada gesto, cada cerimónia, cada objecto, estão ligados a acontecimentos e figuras históricas que são relembrados e comemorados frequentemente, de maneira que não são um evento passado que uns indivíduos estudam nos livros, mas um presente vivo, encarnado nos novos indivíduos -o novo rei e família próxima- a quem se entregam para que preserve o 'espírito' e a identidade do povo. Esse é o grande valor das monarquias. O monarca é um repositório da história e identidade do país, é educado para o serviço público (com uma mulher dizia, 'quem é que trabalha até aos 96 anos?'), para as tradições, as leis, os costumes do seu povo e preserva-os apesar da cultura se modernizar, apesar do país evoluir, para que não se perda a unidade das pessoas que fazem dela, um povo próprio. 

Uma colectividade de pessoa sem identidade comum, sem valores comuns, sem um 'espírito' agregador onde se reconhecem, não constitui um grupo social: falta-lhes coesão e reconhecimento mútuo. O ser humano precisa de identidade pessoal e social. Um povo sem espírito, torna-se um mero negociante da conta corrente porque não sabe quem é, não sabe o que quer enquanto grupo, não sabe o que deve valorizar, quais as batalhas que tem de travar e as que tem de esquecer.
É por isso que os ingleses esperam 16 horas na fila num espírito fraterno: estão a reforçar a identidade nacional, a união entre si e com o monarca. É por isso, penso, que vêm americanos e outros, a Inglaterra, para as cerimónias fúnebres da rainha: querem fazer parte da história, sentir que têm uma ligação à história, que não são unidades indiferenciadas num mundo centralizado onde são anónimas, meros peões do interesse alheio.

Alguns povos sofrem claramente de crise de identidade e isso vê-se no seu comportamento: na Europa, a Alemanha e a Rússia são os casos mais flagrantes; na África muitos países ex-colonizados, justamente por conta desse passado.

Não sou monárquica porque as monarquias têm sempre dezenas de famílias satélites com privilégios hereditários imerecidos (não falo de heranças materiais mas do tráfico de influências: têm sempre lugar marcado e passam sempre à frente das filas da vida sem prestarem nenhum serviço ao país, só porque têm um título) e porque monarcas como esta rainha que morreu são a excepção e não a regra, mas se fosse inglesa não deitava fora uma monarquia de 1500 anos que respeita a democracia parlamentar. Nenhum político ou estadista, dada a sua volatilidade, brevidade e inconstância, alguma vez poderá encarnar o espírito de um povo como um monarca o faz e se a nossa monarquia, que teve muito valor durante 500 anos, não tivesse descambado como descambou e tivesse sobrevivido até aos dias de hoje, evoluindo num espírito de respeito pelos valores de uma democracia parlamentar, se calhar era monárquica. Não sei. 

Enfim, o que me parece é que o assunto da monarquia e dos rituais da monarquia inglesa que vamos seguindo, mais ou menos e que, tenho a certeza, muitos países e líderes invejam, é um assunto interessante, complexo que tem que ver com o tipo de modelo político-social que queremos: se unidos em nações com identidade própria onde nos reconhecemos, se diluídos numa governança global, numa tecnocracia dominada por empresas internacionais bilionárias. 


April 10, 2021

Os ingleses são doidos se acabam com a monarquia deles




Sou republicana, pela razão das monarquias serem hereditárias, vitalícias e não sufragadas. No entanto, vejo o lado positivo e o valor dessas mesmas características numa monarquia parlamentar, constitucional. Vejo o valor das monarquias como reserva de coesão de uma nação. 

Um/a monarca sério, que encarna os valores e ideais de um povo e também um modo de se ser governante, um modo de serviço, como é esta rainha inglesa, é como aquelas pessoas que não se destacam na vida do quotidiano mas que numa crise florescem, salvam o dia, o mês, o ano ou a vida. 

Nem todas as monarquias têm esse valor. Algumas são tão minadas pelo privilégio, pela auto-indulgência, pela falta de moralidade e de valor que perderam completamente a sua força e o laço de identidade com o povo que deviam servir e não servem. No entanto, algumas têm esse valor e preservam-no, pese embora tenham no seu percurso monarcas e episódios lamentáveis. 

Estou a ler este livro que o meu filho me deu sobre a colecção de arte da Casa Real inglesa. A colecção começa antes de Henrique VIII embora pouca coisa tenha sobrevivido dessa época de guerra civil de tentativa de implantação de república onde destruíram tudo e até derreteram a coroa, como fazem todos os revolucionários que querem acabar com a memória dos povos, isto é, começam por destruir os símbolos e datas que fazem a coesão das nações.

Mesmo com essas destruições, a colecção tem mais de 500 anos e o que é interessante é que essa colecção acompanha os acontecimentos da história inglesa e da sua coroa: os reis, as batalhas, as vitórias, algumas derrotas, as construções, os acordos, os laços familiares com outros povos. Um inglês que a veja, vê a história do seu povo, o monarca vê também a história da sua família, pois nele, ambos são indissociáveis.

Vemos todos aqueles acontecimentos que a monarquia ainda celebra anualmente com datas e rituais todos os anos renovados. Datas, objectos e rituais não são coisas supérfluas. Tal como os aniversários e os objectos da vida de uma pessoa, as datas da vida de uma nação e os objectos que as lembram e marcam mantêm viva e coesa a sua identidade.

Um monarca trás em si a História do povo, como cada um de nós trás em si a história dos seus pais e avós e dos acontecimentos que marcaram essa história, pois no monarca, a história do povo confunde-se com a história da sua família. Um monarca é como um actor que veste os trajes do seu personagem e interioriza a sua vida, a sua linguagem, a sua história, a sua herança. E se esse actor passasse a sua vida no palco a representar esse personagem, a certa altura confundia-se com ele, incorporava-o na sua carne e sangue e deixava de ver-se como uma pessoa separada do personagem que tem de ser e não apenas representar. O monarca é educado nessa representação.
Nenhum partido, nenhum político substitui isto. 

É isto que muitos críticos não vêem e até familiares. Quando o neto da rainha vem a público fazer queixas da granny, a avozinha, como ele lhe chama, falha em ver que não é da avó que se queixa mas da rainha e que a rainha não é uma velhinha idosa, mas um país e toda a sua história.

Há umas duas semanas fui ao YouTube ver a coroação da rainha inglesa. É um espectáculo impressionante, não apenas de poder mas de história. A rainha é ungida e coroada na cadeira/trono de Eduardo o Confessor (o tal cuja coroa os republicanos derreteram na guerra civil), um dos últimos reis saxões, primo de Guilherme o Conquistador. Tem mais de 1000 anos. Depois, é precedida, no cortejo, por cavaleiros das Ordens mais antigas, vestidos como então - trazem a história para a cerimónia como uma invocação do valor e presença dos antepassados; é envolvida num manto do império bizantino e ungida com óleos que supostamente ungiram Salomão. E todo o ritual que envolve a espada do Conquistador e outros objectos tem como propósito que o monarca saia dali vestido, para sempre, com as 'vestes' da nação, para não mais as tirar. 

É por isso que, mesmo em família, toda a gente faz a vénia protocolar à rainha. Para que não esqueça que mesmo em família não deixa de ser a rainha e deve comportar-se como tal e para que os outros não esqueçam que são uma família ao serviço da coroa. É por isso que por vezes ou muitas vezes parece desfasada dos tempos modernos. É porque o monarca é ele e os seus antepassados.

É claro que quando as monarquias se deixam minar pelo privilégio, pela auto-indulgência, pela falta de moralidade e falta de bom senso estóico, gerações umas atrás das outras, por vezes desaparecem, mas uma monarquia com milénios de existência não se deita para o lixo sem lhes dar o benefício de errarem com um ou outro monarca. Os políticos raramente estão à altura e não deitamos fora as democracias por causa disso. E não são mais baratos. Por exemplo, li que os gastos do governo de Costa já vão em 78 milhões de euros.

É impossível de se substituir uma monarquia de milénios ou séculos por qualquer coisa levemente parecida com a força e a alma que essas pessoas possuem e o potencial que daí lhes advém em benefício do país.

Nós tivemos uma monarquia com muito valor durante séculos e depois demos cabo dela, em parte por gerações de monarcas sem bom senso e em outra parte por termos um povo analfabeto com governantes de vistas curtas que não valorizam o que têm. Uma pessoa esquece-se que durante todo o século XVIII recebemos ouro do Brasil. Ao todo, foram 850 toneladas de ouro que vieram para Portugal durante o século XVIII e se esfumaram em gastos luxuosos, tirando um interregno de desenvolvimento com Pombal. Tínhamos tanto ouro que não o contávamos à grama mas ao quilo e por causa de nós o preço do ouro no mundo baixou. Um século inteiro a receber ouro aos milhares de quilos e no fim estávamos pobres... nenhuma monarquia sobrevive a tanta estupidez durante tanto tempo...

Mas enfim, os ingleses, na minha modesta opinião se acabam com a monarquia quando a rainha se for, são doidos.