September 10, 2022

Monarquias: 80% valor, 20% sorte

 


É claro que não tenho nenhum suporte para fazer esta divisão, mas é uma maneira de dizer que a sobrevivência de uma monarquia tem de ter uma dose muito substancial de valor, por parte dos monarcas, mas não dispensa um bocado de sorte.
Esta rainha que morreu, por exemplo, que é agora lembrada com muito carinho, foi sempre objecto de respeito, mas nem sempre foi amada. Foi-o no início do reinado, quando assumiu o cargo muito nova e em  circunstâncias muito difíceis, mas depois veio a época das transformações dos anos 60 e 70 e pareceu estar desfasada dos tempos. Falava-se dela como distante. Em seguida vieram os anos dos casamentos dos filhos mais velhos e toda a confusão que se seguiu e era muito criticada como sendo fria e distante, os filhos uns mimados snobs. Começaram a chamar à casa real, 'a firma'. Falava-se abertamente em a rainha abdicar para o neto. As sondagens diziam que os ingleses estavam fartos dos gastos e caprichos da monarquia. Finalmente, vieram os seus oitenta anos e o valor da sua dedicação, lealdade e estabilidade venceram e começou a ser novamente amada. 
Se a rainha tivesse morrido com 70 anos as possibilidades da monarquia sobreviver não eram fortes. Teria morrido em plena crise e polémica, não apenas sua mas do filho que agora é rei, por conta da ex-mulher e da actual mulher. Carlos precisou destes anos todos para se tornar uma pessoa sensata e consensual.
Portanto, a rainha foi sempre uma pessoa que impôs respeito, mas não afecto. 
O grande valor dela foi a dedicação. Os ingleses, mesmo os que não são monárquicos, sabiam e sentiam que nela tinham alguém que nunca voltaria as costas ao país, nunca desistiria ou desertaria, como fez o tio dela e, mais recentemente, um dos netos. 
Esse tipo de dignidade e fortaleza de carácter é que que faz com que no mundo inteiro a respeitem. É uma pessoa, uma líder que está no seu posto, sempre ao serviço e sem auto-indulgências. 
É claro que um monarca que vive muito tempo, tem muita experiência acumulada de conhecer governantes do seu país e de outros, tem um conhecimento da história do país e das sensibilidades dos vários sectores do povo e, por isso, é um conselheiro de valor inestimável. Tem uma perspectiva não politicamente interessada, objectiva e contextualizada no tempo e na história dos assuntos do Estado. Essa é a parte do valor. A parte da sorte tem que ver com as pessoas que a rodeiam, a família (veja-se como a família do rei de Espanha quase acabou com a monarquia em meia dúzia de anos e a deixou numa situação de grande desequilíbrio) e os acontecimentos do tempo.


Rainha na Galeria Nacional de Retratos em 2015.
Fotografia: Mikael Buck/Rex Shutterstock

2 comments:

  1. Tropecei numas tuitadas de uma jornalista brasileira, Cecília Oliveira, que está indignada (o termo que usa é outro) com a comoção generalizada pela morte de Isabel II, porque a considera escavocrata, racista, etc., e vê na imagem que se passa dela revisionismo.

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  2. Uma ignorante qualquer, prima do Bolsonaro ou do Lula... hoje em dia diz-se qualquer parvoºice pela boca fora sem se dar ao trabalho de ler uma linha sequer da história - a rainha Isabel nunca foi racista. Foi uma promotora da da Commonwealth e amiga pessoal de muitas pessoas (líderes e não líderes) desses países, de todas as raças. De resto, a Inglaterra aboliu totalmente a escravatura ainda no tempo da rainha Vitória. Antes de nós que dissemos que abolimos mas criámos uma excepção para enviar escravos para o Brasil. (É daí que vem a nossa expressão, 'para inglês ver' - arranjámos um esquema para os ingleses não perceberem que continuávamos a mercadejar escravos)

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