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September 29, 2024

Pequenas leituras de fim-de-semana - "Somos assim tão frágeis?"



Somos assim tão frágeis?


Vertigem numa noite de verão

Arthur Lochmann (publicado em 26 agosto 2021) 

Arthur Lochmann, pensador e carpinteiro, é também um apaixonado por caminhadas na montanha. No seu novo livro Toucher le vertige, relata uma experiência física e metafísica durante a subida ao maciço do Mont-Blanc: a perda de pontos de referência e o medo do vazio. O escritor mostra o que a contemplação dos cumes revela sobre a nossa frágil relação connosco e com o mundo.

Numa noite de verão, numa noite calma com uma brisa fresca, olhámos para o céu. Olhámos para as estrelas que se destacavam no céu, despreocupados, sem esperar nada de especial. Após alguns instantes de adaptação à escuridão, os nossos olhos começaram a distinguir outras estrelas. Depois, pouco a pouco, uma multidão cada vez maior de estrelas cintilantes. Perante esta profusão crescente, torna-se difícil desviar o olhar. E, tal como nos sentimos atraídos para as profundezas de um precipício, começamos a sentir-nos sugados pelo firmamento. O que é que era tão fascinante lá em cima? O que é que nos prendia o olhar, apesar do pressentimento de um certo risco?

A visão tem uma necessidade de totalização, de domínio. Mantém-se à distância do mundo e tenta abraçá-lo com um único olhar. É uma tendência irreprimível, que faz dela a aliada do conhecimento, o sentido dos filósofos, mas que também pesa sobre ela como uma exigência a satisfazer. E o olhar é o esforço para alcançar essa totalização. 

Na sua Crítica da Faculdade de Julgar (1790), Kant descreve-o como um duplo movimento. Primeiro, a apreensão das diferentes partes que compõem o objeto contemplado - este é o momento da análise. Em segundo lugar, a reunião de todas essas partes díspares num todo coerente - é o momento da síntese. Em circunstâncias normais, estas duas operações processam-se de forma harmoniosa, concertada, e conseguimos representar para nós próprios, de forma coerente, aquilo que nos é dado ver.

Perante um espetáculo de grande envergadura - um edifício monumental, uma alta montanha ou a abóbada do céu - as coisas complicam-se e a necessidade de controlo torna-se uma fonte de fragilidade. A apreensão, pelo contrário, não é verdadeiramente um problema. Pode continuar indefinidamente, progredindo de estrela em estrela. Mas o olho precisa de tempo para apreender as partes do objeto como um todo, da base ao cume, de uma ponta à outra: a compreensão torna-se cada vez mais difícil à medida que a apreensão progride e continua a acumular imagens díspares.

Naquela noite de verão, perante a profusão crescente, agarramo-nos inicialmente a algumas constelações familiares, que desenhavam formas agradavelmente acabadas. Mas mantivemos os olhos fixos no céu, e a dificuldade continuou a aumentar. Novas estrelas continuavam a emergir da escuridão, embora um pouco menos brilhantes do que as primeiras. Não podíamos deixar de nos projetar para as estrelas mais fracas e mais distantes que apareciam uma e outra vez. 

Nessa diferença de luminosidade, imaginávamos confusamente as distâncias ainda maiores que as separavam da Terra, distâncias verdadeiramente astronómicas, inconcebíveis. Nenhuma medida era suficiente, nenhum padrão era adequado para apreender a imensidão do espetáculo a que assistíamos. Era imenso, levava as nossas capacidades de medição ao limite e ultrapassava-o. Esmagada pela profusão de estrelas apreendidas, demasiado numerosas para serem reunidas, demasiado incomensuráveis para serem coordenadas, a faculdade de representar imagens atingiu o seu máximo e, na tentativa de o ultrapassar, colapsou sobre si própria.

Uma consciência do infinito

Houve, então, a percepção esmagadadora, por outras palavras, a vertigem. Mas havia também outra coisa, que se afirmava apesar deste colapso. Ao mesmo tempo que sofríamos com a insuficiência das nossas faculdades visuais, sentíamo-nos conquistados por uma consciência confusa do infinito que se estendia para além do que podíamos ver com os nossos olhos. A imensidão que percebíamos e que ultrapassava os limites das nossas faculdades sensíveis tocava algo em nós que já não era da ordem da sensibilidade. Pois poder sentir o imensamente grande, que ultrapassa a capacidade dos nossos sentidos para o perceber, pressupõe que existe em nós uma faculdade que ultrapassa todas as medidas dos sentidos.

Foi assim que a experiência do céu estrelado mudou. O sublime, como é chamado, não é a caraterística de uma paisagem esplêndida ou de um céu noturno, mas o sentimento que a mente experimenta quando, ultrapassando os limites dos sentidos, descobre em si uma disposição para uma forma de absoluto. Este sentimento é muito semelhante àquele que podemos experimentar quando, por respeito a valores morais ou éticos que nos sentimos obrigados a respeitar, decidimos agir contra os nossos interesses imediatos: agir assim é exercer aquela faculdade particular pela qual podemos determinar-nos independentemente das satisfações que o mundo sensível nos proporciona, é fazer uso do livre arbítrio, que também transcende todas as medidas dos sentidos.

Kant selou a equivalência destes dois sublimes, o sensível e o metafísico, numa frase célebre: “Duas coisas enchem o espírito de uma admiração e de uma veneração sempre nova e crescente [...]: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim”. E porque existe uma ligação íntima entre estas duas experiências, cada vez que contemplamos o céu noturno até à vertigem, aguçamos também a nossa consciência da liberdade.

Do sublime à angústia

Desde que seja possível identificar uma lei moral, seja através de um texto sagrado, seja através do uso da Razão, há algo de sublime na experiência da vertigem, descobrindo ou aguçando através dela este sentimento da nossa liberdade. Se ser livre significa conformar-se a um sentido superior, isso é exigente, mas é também tranquilizador. Torna-se mais inquietante quando a possibilidade de definir uma lei moral se torna suspeita, quando começamos a duvidar da existência de uma autoridade transcendente, seja ela divina ou humana. 

Resta-nos um mundo desprovido de qualquer sentido, uma existência que é em si mesma absurda e que só tem sentido porque tentamos torná-la assim. O sublime clássico, que eleva a alma, cede lugar à angústia moderna que a oprime. E, de forma eloquente, a revelação moderna da nossa liberdade já não é o céu estrelado kantiano, mas o fundo do precipício existencialista: “A experiência da vertigem”, escreve Sartre em O Ser e o Nada (1943), “é angústia na medida em que me é tão possível atirar-me para o vazio como ficar no caminho. É uma angústia perante mim mesmo, perante a liberdade descoberta na possibilidade que se abre diante de mim e me obriga a fazer uma escolha, a comprometer-me de novo com a vida.

Uma leve brisa passou sobre a minha pele, e o céu estrelado pareceu reaparecer na sua forma original, um simples dossel escuro cravejado de pontos brilhantes. Mas não tinha realmente desaparecido. Simplesmente tinha-se adensado com uma profundidade metafísica, da mesma forma que um precipício se pode alargar com um vazio existencial. Porque a vertigem, seja ela sublime ou angustiante, não se trata de transcender o sensorial: ela articula o sensível com o metafísico, combina percepção e liberdade, une o mais frágil e o mais firme dentro de nós. E naquele céu de noite de verão, havia tudo isso: o brilho longínquo das estrelas e o arrepio na pele, uma ponta de angústia e um discreto vestígio do sublime.


September 20, 2024

Rapazes e raparigas: experiências sociais

 


Em 2016, um Documentário de Experiência Social chamado, Boys Alone, pegou em 10 rapazes com idades entre os 11 e os 12 anos e deixou-os sem supervisão numa casa durante cinco dias. Antes de serem deixados sozinhos, os rapazes tiveram aulas de culinária e outras lições de competências para a vida, para que todos tivessem um ponto de partida mais equilibrado.

Repetiram a experiência social com raparigas em Girls Alone. As raparigas recebem as mesmas lições de competências para a vida que os rapazes, antes de serem deixadas à sua sorte durante a maior parte de uma semana.

Os rapazes não usaram nenhuma das competências para a vida que lhes ensinaram. Sobreviveram os 5 dias com refrigerantes, pacotes de snacks e latas. Escreveram e pintaram as paredes com graffitis, Andaram à bulha uns com os outros todo o tempo e chegaram a atar um deles numa cadeira. Sujam e estragam tudo. Ao fim dos cinco dias estavam isolados uns dos outros e depressivos.

As raparigas, pelo contrário, colaboraram umas com as outras. Organizaram-se para cumprir as tarefas entre todas, usaram as competências para a vida que lhes tinham ensinado, pintaram as paredes com murais positivos, brincam, apoiam-se umas às outras.

Tem isto que ver com educação? Talvez. Os rapazes são geralmente educados para o narcisismo, estragados com mimos pelos pais, educados para o controlo (nomeadamente das raparigas), esperam que os outros lhes façam tudo, ao passo que as raparigas são educadas para colaborar, para ser úteis e alcançar compromissos em situações sociais. Quando têm irmãs, os rapazes vêem as irmãs fazer tarefas das quais estão dispensados por serem rapazes. Sendo, em geral mais agressivos que as raparigas assim que entram na adolescência por conta dos níveis de testosterona, são educados para maximizarem essa agressividade contra os outros.

Talvez hoje, passados quase dez anos as coisas fossem  diferentes?

Pode ver a totalidade da experiência dos rapazes, aqui e das raparigas, aqui e tirar as suas conclusões.

May 09, 2022

Partilhando- "Viajar é melhor com crianças pequenas"

 


Derek Shivers

2022-05-09

"Uma vez que se tenha um bebé, deixa de se poder viajar". Já ouvi isto tantas vezes, embora apenas de pessoas que ainda não o fizeram.

Porém, levei o meu bebé a nove países antes de ele ter um ano de idade. Depois outros dez países quando ele tinha oito anos de idade. Por isso posso dizer, por experiência própria, que não só é fácil como é óptimo.

Precisamos de partilhar isto com os novos pais. Demasiadas famílias novas estão enjauladas, stressadas, frustradas e aborrecidas nas suas casas, quando na realidade é a melhor altura para sair.

Viajar com um bebé ou criança pequena é a melhor forma de visitar um lugar novo, exótico e interessante. É ainda melhor do que viajar sozinho ou como casal. Eis a razão.

Eles ajudam-no a parar e a apreciar.

Quando o meu bebé tinha dez dias de idade, levei-o a um parque pela primeira vez, e ele viu a sua primeira árvore. Imaginei a experiência da sua perspectiva, como se nunca tivesse visto uma árvore antes. Tão complexa! Tão bela. Desde então, aprecio mais as árvores.

O mesmo acontece com os outros sentidos. Cheirar o pó. Tocar numa lagarta. Ouvir as aves.

Antes dele, estava muitas vezes com pressa, a tentar chegar a outro lugar. Os bebés ajudam-nos a parar e a prestar atenção. Quando se viaja, isto é o que se precisa. Menos pressa em chegar a um destino. Mais paragens para apreciar tudo o que está no meio.

Vê-se melhor através dos seus novos olhos.

Uma forma de ensinar o desenho realista é virar uma imagem de pernas para o ar antes de a desenhar. Isto ajuda-o a ver o que está realmente lá, em vez do que pensa que deveria estar lá. De cabeça para baixo, vêem-se apenas linhas e sombras. Desenhe-as, e obtém um resultado mais preciso. Isto treina-o a ver mais realidade do que suposição.

O mesmo com os sentidos do seu filho. Em vez de categorizar algo - como "árvore" - e de o ignorar, pode experenciá-lo através dos olhos dele para ver a maravilhosa complexidade do que está realmente lá. Sem nomes. Sem rótulos. O que nos leva ao ponto seguinte...

Sem preconceitos.

Índia, Paquistão, Israel, Brasil, Vietname, Nigéria, China, Rússia. Já tem ideias sobre estes lugares. Já ouviu pessoas dizerem coisas acerca eles, e isso afectou a sua percepção. Julgou-as antes sequer de lá ir.

Homens vestidos de monge ou de camuflados. Mulheres em burqas ou biquínis. Forma dos olhos. Cor da pele. É difícil ver para além dos seus pré-juízos.

O seu filho não tem preconceitos. Esta é a minha parte favorita. Frequentemente vou a lugares contra os quais sou preconceituoso. Vê-los através da percepção imparcial do meu filho e interagir com as pessoas como tal, ajuda-me a conectar-me, o que depois me ajuda a ultrapassar as minhas velhas opiniões.

Quem me dera poder levá-lo comigo para todo o lado, como uns óculos.

Nada (tudo) é esquisito.

Quando vou a algum lugar como o Japão, Peru, ou Zanzibar, tudo parece exótico. Estranho. Super-diferente. Esquisito.

Sentimos a nossa casa como normal e certa porque passamos lá muitos anos. Depois, quando se vai a um lugar muito diferente, sentimo-lo exótico e até errado. Pensamos na sua casa como "normal" e no novo lugar como "esquisito". Mantemo-se à distância. Pensa-se "eles" e não "nós".

Mas para o seu filho, tudo é novo de qualquer forma. Tudo é igualmente estranho, por isso nada é estranho. Isto ajuda-nos a vêr o local como apenas uma maneira diferente de fazer as coisas. Não como esquisito. Nem errado. Isto ajuda a encurtar as diferenças e a senti-los como "nós" e não "eles".

Os aeroportos são mais divertidos.

Especialmente para crianças, os aeroportos não são apenas uma forma de chegar a outro lugar, mas o seu próprio destino. São óptimos pontos de observação de pessoas. Tantos sons. Tantas outras crianças com quem brincar, enquanto se espera. Aprende-se a chegar ao aeroporto ultra-cedo para deixar tempo para tudo isto.

Recebe-se um tratamento preferencial quando se voa. Embarque prioritário. Assistentes de bordo extra-amigáveis.

E até o meu filho ter três anos de idade, a única vez que o deixámos ver um ecrã foi num avião, de maneira que ficava completamente mesmerizado enquanto voava.

Os produtos para bebés estão por todo o lado.

Quando se vai a algum lugar exótico, é normal preocuparmo-nos que eles possam não ter algo de que se precise - como uma peça especial para o equipamento electrónico. Mas os bebés estão em todo o lado. Em todo o lado há fraldas e comida para bebés. Fazer a mala é fácil.

As crianças não se impressionam com o impressionante.

Isto levou-me muito tempo a aprender. Eu viajava durante horas para levar o meu filho a um lugar realmente impressionante - alguma estrutura ou uma vista superlativas. Uma vez lá, ele ficava entusiasmado com a mais pequena coisa. "Oooh! olha! Uma lagarta"! Nunca ficou impressionado com o que era suposto ser impressionante.

Conduzia horas para o levar a um famoso monumento, mas nunca conseguíamos passar a entrada porque ele ficava fascinado com um tronco qualquer morto e cheio de insectos. Brincávamos com esse tronco durante horas até ser altura de partir.

Resultado final? Eles têm razão! "Impressionante" é para adultos. "Impressionante" é muitas vezes satisfazer uma bucket list e pode fazer-nos esquecer o que é realmente divertido. As crianças ajudam-no a manter isto em perspectiva.

Os bebés trazem ao de cima o melhor das pessoas.

Toda a gente adora bebés. É como viajar com um cachorrinho. Toda a gente se derrete. Toda a gente pára para interagir. Ter um bebé ajuda-o a conectar-se com as pessoas.

Encontrei-me com um amigo em Chiang Mai, na Tailândia. Ele viveu lá durante dez anos. Andámos pela cidade durante uma tarde com o meu filho. Tantas pessoas pararam para interagir com o meu bebé, fazer-lhe caras e para perguntar de onde éramos. Depois, o meu amigo disse que mais pessoas pararam para falar connosco naquela tarde, do que nos dez anos que ali viveu. .

Portanto, sim. Dissipe o mito. Espalhe a palavra. Viajar com bebés ou crianças pequenas é o melhor.



March 11, 2021

Uma história inspiradora




Para quem a quiser ler. Não me apetece traduzir.


Wasn’t summiting Everest a train wreck of amateurs and egos? The writer thought so until he went there—and was surprised at what he found.

I went to Everest seeking physical artifacts of Irvine. But in the end, I found something perhaps more elusive: the spirit that Irvine and Mallory shared. It was hiding in plain sight, right where it has always been: inside the intrepid souls who risk so much to follow in storied adventurers’ footsteps up Mount Everest.
~Mark Synnott