Expresso
Havia 1738 páginas do PRR escondidas com detalhes das reformas e investimentos. Cerco às ordens profissionais começa em 2022Susana Frexes e David Dinis
Sob pressão, o Governo acabou por publicar todos os documentos do PRR enviados a Bruxelas há 10 dias. Comissão obrigou Lisboa a entregar muitos detalhes e calendários de aplicação. Num dos temas mais sensíveis, a desregulamentação das ordens profissionais, ficam já a saber-se os detalhes, que incluem vigilância externa e fim de privilégios
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E, contas feitas documento a documento, apareceram de súbito 1738 páginas que tinham sido entregues em Bruxelas, mas que não tinham sido tornadas públicas. Agora, sim, está lá tudo: no Portal da Transparência aparecem 57 documentos novos: o que antes estava resumido em 123 páginas do relatório (mais seis páginas de um brevíssimo quadro-resumo das metas e marcos com que o Governo de tinha comprometido), aparece agora estendido por 1378 páginas na proposta e mais 360 páginas de tabelas cheias de detalhes e calendários bem marcados.Na prática, era esta a listagem - a das reformas - que estava mais incompleta nos documentos antes publicados pelo Executivo de António Costa. E é também a politicamente mais sensível: é que se os investimentos são sempre boas bandeiras para qualquer Governo apresentar como obra feita, as reformas são muitas vezes um pau de dois bicos: dão aos Governos símbolos de reformismo, mas acabam muitas vezes alvo de críticas e contestações das corporações que são abrangidas pelas alterações legislativas. Neste caso, com um problema adicional para os governos europeus: é que, comprometendo-se com um calendário de aplicação, estarão sob forte vigilância da Comissão, semestre a semestre até 2026, sob a ameaça de, falhando um qualquer prazo, ficar sem as prometidas transferências financeiras do PRR.
Se o ministro Nelson de Souza dizia, na sexta-feira à noite, ao Jornal de Negócios e Antena 1, que o que não estava publicado eram "1400 indicadores de detalhe, da publicação de um diploma, de um despacho, de uma meta intercalar", ainda que"sem qualquer tido de valor", aquilo que se encontra é algo de substancialmente mais relevante.
A REFORMA DAS ORDENS PROFISSIONAIS ARRANCA EM 2022
Um exemplo claro disso é a “Redução das restrições nas profissões altamente reguladas”, aqui classificada como "Reforma RE-r16”.
Nesta nova versão do PRR, fica a saber-se, em concreto, que o Governo quer ver criado em cada ordem profissional “um órgão de supervisão”, que seja “maioritariamente composto por membros externos” - e atribuir-lhe “competências sobre matérias disciplinares, acesso à profissão, em especial a determinação das regras de estágio, e reconhecimento de habilitações e competências obtida no estrangeiros.
Mais, segundo o documento, o Governo quer “proibir atividades reservadas a profissionais inscritos em ordens profissionais” - ou seja, impedir por exemplo que a Ordem dos Médicos exija um registo para que um médico possa exercer (“exceto por motivos de salvaguarda de interesses constitucionais, segundo critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade”, acrescenta a versão integral do PRR).
Mas as novidades sobre esta nova legislação não acabam aqui: serão alterados “os estágios profissionais, garantindo uma duração adequada, com participação de personalidades externas à ordem profissional no processo de avaliação”; e a sua liderança deixa de ser exclusiva de quem está ligado à profissão.
Acresce que, pela primeira vez, ficamos a saber que ordens profissionais vão ser abrangidas por esta legislação: "Até ao momento, foram identificadas atividades reservadas nas Ordem dos Advogados, Ordem dos Arquitectos, Ordem dos Contabilistas Certificados, Ordem dos Despachantes Oficiais, Ordem dos Engenheiros, Ordem dos Engenheiros Técnicos, Ordem dos Farmacêuticos, Ordem dos Médicos, Ordem dos Médicos Dentistas, Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.” Segundo promete o Governo à Comissão Europeia, todas estas reservas “serão sujeitas a uma ponderação, de forma a avaliar se aquelas cumprem – e, assim, se mantêm ou não – os critérios estritos da nova lei”.
Numa primeira fase, acrescenta o documento, “esta monitorização e avaliação caberá à Autoridade da Concorrência, que apresentará as suas conclusões ao Governo”.
O que fica também claro é o calendário de aplicação, prometido por Lisboa a Bruxelas, desta legislação - que é pedida a Portugal, sem sucesso, desde os tempos do Memorando de Entendimento com a troika, assinado em 2011: a lei será aprovada na generalidade no último trimestre deste ano, a entrada em vigor ficar marcada nas pedras para o 4º trimestre de 2022. Três anos depois disso, a Autoridade da Concorrência entregará ao Executivo que estiver (na próxima legislatura) um “relatório sobre a eficácia da lei”.
Se isto é o que se sabe agora, por este documento, vale a pena registar o que estava no anteriormente publicado, tal como era reproduzido na nota à comunicação social do gabinete do primeiro-ministro, divulgada na sexta-feira quando tentava negar a manchete do Expresso:
"Na página 44 pode ler-se: 'O PRR prevê ainda uma reforma de redução das restrições das profissões reguladas (RE-r14), no âmbito da componente C6. Esta matéria, de reconhecida importância por Portugal, está prevista no Programa do XXII Governo Constitucional, estando neste momento em preparação, na Assembleia da República, um projeto de lei que visa adequar a atuação das associações públicas profissionais, eliminando restrições à liberdade de acesso e de exercício da profissão e prevenindo infrações às regras da concorrência na prestação de serviços profissionais, nos termos do direito nacional e nos termos do direito da União Europeia'"Em rigor, até acrescentava um parágrafo face ao que escreveu o gabinete de António Costa. O seguinte: “Portugal tem sido alertado, desde há alguns anos e por múltiplos organismos internacionais, para a necessidade de identificar e eliminar entraves no acesso profissões reguladas. Assim, está em preparação, no quadro da Assembleia da República, um projeto de lei que visa adequar a atuação das associações públicas profissionais, eliminando restrições à liberdade de acesso e de exercício da profissão e prevenindo infrações às regras da concorrência na prestação de serviços profissionais, nos termos do direito nacional e nos termos do direito da União Europeia.”
Na prática, poder-se-ia resumir a um índice deste tipo (entre parêntises fica o número de páginas agora divulgadas em cada um destes capítulos do PRR):
Componente 1: Serviço Nacional de Saúde (131 páginas)
Componente 2: Habitação (86 páginas)
Componente 3: Respostas Sociais (33 páginas)
Componente 4: Cultura (33 páginas)
Componente 5: Capitalização e Inovação Empresarial (107 páginas)
Componente 6: Qualificações e Competências (75 páginas)
Componente 7: Infraestruturas (129 páginas)
Componente 8: Floresta (66 páginas)
Componente 9: Gestão Hídrica (62 páginas)
Componente 10: Mar (83 páginas)
Componente 11: Descarbonização da Indústria (125 páginas)
Componente 12: Bioeconomia (40 páginas)
Componente 13: Eficiência Energética em Edifícios (48 páginas)
Componente 14: Hidrogénio e Renováveis (42 páginas)
Componente 15: Mobilidade Sustentável (40 páginas)
Componente 16: Empresas 4.0 (39 páginas)
Componente 17: Qualidade e sustentabilidade das contas públicas (51 páginas)
Componente 18: Justiça Económica e Ambiente de Negócios (42 páginas).
Componente 19: Transição Digital da Administração Pública (107 páginas)
Componente 20: Escola Digital (39 páginas)