July 07, 2025

"Vera Rubin" - um artigo muito bom de divulgação científica


Não é todos os dias que encontramos um divulgador de ciência eficaz a explicar conceitos complexos numa linguagem acessível a leigos. Pois, é o caso do senhor deste artigo e, pela minha parte, já roubei partes do artigo que hei-de usar nas aulas do 10º ano - e até já me deu uma ideia para as primeiras aulas de introdução à Filosofia no próximo ano lectivo em que vou ter turmas do 10º ano. 

Para além disso, gostei de ler sobre Vera Rubin.

Thanks!


Vera Rubin


Que o novo observatório, no cimo de uma montanha no Chile, tenha recebido o seu nome é uma justa homenagem à vida e às contribuições desta cientista.

Arlindo Oliveira
(Professor do IST e presidente do INESC)


Vera Rubin nasceu em 1928, em Philadelphia, Pennsylvania, na costa Este dos Estados Unidos da América. Depois de estudar numa universidade dedicada unicamente a mulheres (Vassar College), a sua candidatura à Universidade de Princeton foi recusada por ser mulher, de acordo com uma política discriminatória que a universidade manteve, no departamento de astronomia, até 1975

Embora tenha sido aceite em Harvard, decidiu prosseguir estudos nas universidades de Cornell e de Georgetown, na primeira para poder acompanhar o percurso do seu futuro marido. Foi em Georgetown, Washington D.C., que obteve o seu doutoramento, com um trabalho que mostrava que as galáxias não se distribuíam de forma uniforme pelo Universo, uma ideia pioneira que apenas veio a ser amplamente aceite muitos anos depois. Mas foi como investigadora do Instituto Carnegie, na mesma cidade, que fez as descobertas que a vieram a tornar a mais influente astrónoma da história. Foi aí que, em colaboração com Kent Ford, Rubin fez uma descoberta surpreendente que conduziu à formulação do que ainda hoje é um dos maiores mistérios da ciência moderna.

Rubin utilizou instrumentos científicos particularmente sensíveis, desenvolvidos por Kent, para analisar a luz que nos chega de galáxias distantes. O objectivo era quantificar a velocidade a que as estrelas se movem à volta do centro das galáxias. Tal como acontece com os sistemas planetários que orbitam as estrelas, as estrelas orbitam os centros das galáxias onde existem gigantescas concentrações de massa, a maioria das vezes sob a forma de buracos negros, objectos que têm a massa de milhões de estrelas e que são tão densos que distorcem o tempo e o espaço e impedem que a própria luz escape e chegue até nós.

O Sol, tal como as outras estrelas da Via Láctea (provavelmente mais de 100 mil milhões), orbita o centro da galáxia, numa órbita que demora cerca de 250 milhões de anos a completar. A última vez que o Sol passou aproximadamente neste ponto da sua órbita terá sido mais ou menos quando apareceram os primeiros dinossauros.

As análises que Rubin e Kent efectuaram obtiveram um resultado surpreendente cuja razão ainda hoje está por esclarecer. Estrelas mais longe do centro da galáxia deveriam mover-se mais lentamente que as estrelas mais próximas do centro, tal como acontece com os planetas no sistema solar. Por exemplo, a Terra move-se à volta do Sol a cerca de 30 quilómetros por segundo (mais de 100 mil quilómetros por hora) mas Júpiter, mais distante do Sol, move-se apenas a 13 quilómetros por segundo e Neptuno, o mais distante dos planetas, a 5,5 quilómetros por segundo.

No caso das galáxias a situação é um pouco mais complexa, porque nem toda a matéria está concentrada no centro, mas apesar disso seria expectável que as estrelas mais longe dos centros das galáxias se movessem significativamente mais devagar que as estrelas mais próximas desses centros. O que Vera e Kent observaram foi que isso não se verificava, e que, com excepção das que estão muito próximas do centro, as estrelas se deslocavam aproximadamente à mesma velocidade, qualquer que fosse a sua distância ao centro das galáxias. Se toda a matéria que existe fosse a que vemos como estrelas (os planetas são demasiado pequenos e em número insuficiente para terem influência nestes cálculos) então as galáxias deveriam desintegrar-se rapidamente, com as estrelas mais exteriores a serem ejectadas pela força centrífuga devido à sua velocidade. No entanto, isso não acontece, uma vez que as galáxias se mantêm estáveis durante milhares de milhões de anos.

Estes resultados levaram à conclusão de que tem de existir matéria que não conseguimos observar, que veio a ficar conhecida como matéria escura (dark matter, em inglês). As numerosas análises dos resultados de Rubin que têm sido feitas desde a sua descoberta, nos anos 70 do século passado, concluíram que a esmagadora maioria da matéria do universo é matéria escura. Descobriu-se também que esta matéria escura não pode estar inteiramente contida em buracos negros, que parecem não existir em número suficiente para justificar as observações.

O que é e em que consiste, exactamente, a matéria escura, continua a ser um dos grandes mistérios da ciência actual. Embora existam diversas teorias, ninguém sabe, realmente, do que é feita a matéria escura. Poderão existir partículas elementares que até agora não conseguimos detectar (uma possibilidade seriam existir WIMPs, Weakly Interacting Massive Particles), poderá existir todo um conjunto de partículas elementares que formam um universo paralelo que não interage com o nosso excepto através da gravidade, ou poderá existir um tipo especial de buracos negros que se teriam formado no início do universo. Mas tudo isto são teorias e possibilidades e não existe suficiente evidência para suportar qualquer destas ideias. A questão de saber o que é a matéria escura, que constitui cerca de 5/6 da massa do universo, permanece sem respos

O observatório Vera Rubin, que em 23 de Junho passado divulgou as suas primeiras imagens e que vai entrar em operação regular neste princípio de Julho, tem como um dos seus objectivos, obter informação que nos permita compreender melhor este mistério. Localizado quase 3000 metros acima do nível do mar, numa montanha no Chile, este observatório inclui um telescópio com um espelho reflector de 8,4 metros de diâmetro e a câmara digital com maior resolução alguma vez construída, com 3,2 mil milhões de pixéis.

Este telescópio vai ser usado para obter as mais detalhadas imagens do céu nocturno alguma vez obtidas, criando mapas do universo com uma resolução, abrangência e qualidade sem precedentes. Os resultados destas observações permitir-nos-ão conhecer melhor os milhões de galáxias que nos rodeiam e assim perceber melhor o mistério da matéria escura (e também o da energia escura, mas essa é outra história). Esta capacidade de cartografia detalhada do céu nocturno permitirá também um mapeamento muito mais fino dos objectos no sistema solar, incluindo a eventual descoberta de objectos que venham de outros sistemas solares e de asteróides ou outros corpos que possam atingir a Terra com impactos catastróficos, como aconteceu tantas vezes no passado.

Vera Rubin foi não só uma cientista influente mas também uma lutadora pelo papel das mulheres na ciência. Rubin foi a primeira cientista que foi autorizada a utilizar o observatório de Monte Palomar, na Califórnia, que até aí tinha sido vedado a mulheres porque “não existiam casas de banho para o sexo feminino”, uma questão que Rubin “resolveu” alterando, com uma caneta, a placa na entrada de uma das casas de banho existentes.

Ao longo da sua vida, Rubin promoveu, de muitas formas, a participação das mulheres na astronomia e na ciência, e tornou-se uma das mais vocais defensoras da igualdade de oportunidades nesta área. Que o novo observatório, no cimo de uma montanha no Chile, tenha recebido o seu nome é uma justa homenagem à vida e às contribuições desta cientista, que faleceu em 2016.

Público


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