July 10, 2025

Uma mão cheia de demagogia e outra de coisa nenhuma e os pais com o lápis azul na mão

 


Mas, primeiro, vamos ao diagnóstico: a Cidadania, que existe como disciplina autónoma no 2.º e 3.º ciclos, teve "inúmeras discrepâncias internas, do ponto de vista curricular". Há temas obrigatórios que não foram trabalhados de forma idêntica pelas várias escolas, "o que significa que alunos de escolas diferentes tiveram experiências muito diferentes", notou o secretário de Estado Adjunto e da Educação, Alexandre Homem Cristo, na conferência de imprensa onde apresentou estas mudanças.

O ministro da Educação, Fernando Alexandre, secundou-o: "A disciplina nunca foi tratada com a importância que merecia no nosso currículo. É prioritário acabar com este ruído em torno de uma disciplina que é muito importante."
(...)
“O feedback que tivemos é que as famílias eram surpreendidas com actividades que aconteciam no âmbito da disciplina”, assinalou o secretário de Estado, ressalvando, contudo, que os pais não terão possibilidade de alterar o currículo — apenas sugerir e dar opiniões sobre entidades a convidar ou actividades a realizar. “Não estamos a falar de uma decisão que os pais tomem e que se sobreponha à do professor”, esclareceu.

Público

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"Os alunos tiveram experiências diferentes uns dos outros", diz o SE - pois, a vida é isso: experiências diferentes. Isto não é a tropa nem o convento onde rezam todos a mesma oração à mesma hora. Se for ver o modo como cada professor aborda a sua disciplina, e falo de todas e qualquer uma, verá que os alunos têm experiências diferentes. Aliás, veja-se o que diz o ministro, no último parágrafo deste artigo:
Fernando Alexandre (...), considerando que a diversidade das escolas é um "aspecto positivo (...)

"Uma disciplina que é muito importante"? Porquê? É que, sendo uma disciplina em que qualquer um vai ensinar qualquer coisa a partir da sebenta de 'rezas' que o ministério preparou para a catequese, não vejo bem como pode ser assim tão importante. A não ser que reduzam os temas e atribuam a disciplina a pessoas formadas neles, como por exemplo, o tema do ambiente ser ensinado por professores da área da geografia, da biologia; ou o tema das finanças ser ensinado por professores de economia. Os outros temas, serem deixados para as aulas dos professores que já abordam esses temas nos currículos. Agora, se é para qualquer um recitar uma sebenta, não passa de endoutrinação. Era uma endoutrinação woke e agora é uma endoutrinação religiosa.

"as famílias eram surpreendidas com actividades que aconteciam no âmbito da disciplina" - Quais famílias? Porque deve haver 1 milhão de famílias com filhos a estudar. Eram surpreendidas? E então?? Desde quando a educação tem de ser o que as famílias esperam? Estamos a falar de ensino público e não de escola privadas. Os professores não trabalham para os pais. Trabalham com os pais, mas trabalham para o Estado, prestam um serviço público, não privado. É certo que não podem trabalhar contra os pais, mas daí não se segue que sejam os pais a dizer aos professores o que é ou não é adequado no âmbito de uma disciplina. Uma coisa é os pais dizerem, 'o meu filho não vai participar nessa visita de estudo ou nessa palestra' (o que já cho interferência abusicva numa escola pública) outra muito diferente é porem-nos como Salazares dos professores, com o lápis azul na mão. Shame...

O ME e o seu SE confundem ensino privado com ensino público. Que lobbies estão aqui a laborar?

7 comments:

  1. Quando fala em sebenta, é em sentido metafórico, certo?
    Nunca lecionei a coisa, mas, do que fui vendo, muitas vezes as turmas abordavam os temas e na perspetiva dos professores que as lecionavam.
    Depois, o ministro considera-a importante porquê?

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    1. Penso que há um texto do ME com orientações para cada tema de como será abordado e que agora vai ser ac rescentado com aprendizagens mínimas que chama essenciais. Como quem dá aquilo na maior parte das vezes não sabe o que está a ensinar, segue a sebenta, não?

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  2. Não sou contra temas essenciais na disciplina até por me parecer que os professores se centram no que lhes é favorável em termos de opinião, ou lhes dará menos trabalho a leccionar. E também que deixar tudo ao critério das escolas é o maior engano a que, admito até que por boas intenções e respeito por regionalismos, os palermas dos gabinetes dos ministérios incorram, sacudindo em simultâneo a água do capote (muito regionalismo é isso mesmo, acescido de gastar menos com a educação). Aos alunos é disciplina que pouco importa. Os conteúdos práticos não se exercitam e dão-se umas teorias e tal (quando dão). Por mim, a disciplina nem faz muito sentido separada, a cidadania é objectivo de toda a escola, docentes, discentes, auxiliares, administrativos e pais. A cidadania, como tanta outra coisa, requer exercício e exemplo. Poucos hábitos se ganham apenas por palavras. Não me pergunte como fazer porque ninguém me convidou para o ministério a fim de pensar em tais assuntos e pô-los em execução, mas acredito cada dia menos em teorias e palavras que vingam por si mesmas em glória excelsa. A prática efectiva, o confronto com as situações e os outros, dá que pensar e obriga a agir. Tira-nos do conforto de apenas decorar umas coisas. O ensino português é em alguns sectores de um facilitismo confrangedor e que não prepara gente que pense na humanidade em geral e não apenas no seu umbigo (é ver os novos e actuais políticos e aferir da educação que preconizam e ministrada por pais e outros educadores - formais e informais). Não se preparam os cidadãos e até me parece que os achincalha no pouco que lhes exige. Os vínculos e a consequente mudança de comportamento, vêm "by exemple" como dizia Matt Damon num filme sobre Mandela.
    Mas nós damos-lhes palavras. E mais palavras.
    Quanto aos pais: começam a ser o maior empecilho num processo que deve uni-los aos professores. A educação é tarefa, sobretudo, de ambos os sectores. Nunca agi ao invés deles e também não notei que não estivessem de acordo. Mas eram outros tempos: encontrei nas chefias obstáculos intransponíveis, mas tive sempre os pais a meu lado. As pontes são necessárias e nem me parece que sejam assim tão difíceis de conseguir. Precisam-se bons negociadores e com certeza extirpar algumas ervas perniciosas que só prejudicam o processo sejam elas quais sejam.
    Mas o nosso é um país de conveniências onde tudo se muda para tudo ficar pior (o igual já não existe).
    Tenha um óptimo fim de semana, Beatriz.

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    1. Tenho que sair, mas à volta já respondo ao comentário :)

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    2. Então, 'temas essenciais' não são aprendizagens essenciais (AE). AE consiste na definição do que é que tem de ser obrigatoriamente leccionado em cada tema do programa, (é o que sai depois nos exames.)

      O que aconteceu, desde que o anterior ministro inventou as AE foi que os professores deixaram de leccionar todos os sub-temas que não fazem parte dessas AE, com prejuízo da aprendizagem dos alunos e até da coerência dos programas. Só para dar um exemplo, no 11º ano de Filosofia, damos duas perspectivas, em confronto, acerca do conhecimento: a de Descartes e a de Hume. Kant, que posteriormente 'resolve' este confronto, faz parte do programa, mas foi deixado de fora das AE. Resultado: a não ser que o professor entenda abordar a sua perspectiva, ainda que brevemente, os alunos ficam com a impressão de que o assunto parou naquelas perspectivas.

      Ninguém defende deixar tudo ao critério das escolas. Há temas e programas que são definidos para todos, o que é correcto e não é possível um professor ou uma escola escolher não trabalhar um tema que está no programa. Portanto, isso de cada um só dizer a sua opinião, não é sequer possível, nem é o que acontece.

      Ao contrário do que as pessoas pensam, os grupos disciplinares, têm critérios comuns acordados, no sentido de haver coerência entre os professores e preocupamo-nos com a objectividade no ensino.

      Agora, dito isto, cada um tem o seu estilo e está em momentos diferentes da sua vida profissional. Hoje-em-dia, tenho mais experiência e sei melhor que tipo de catalisadores prendem melhor a atenção dos alunos e fixam melhor a aprendizagem. Também tenho menos turmas e por isso faço muitas fichas de aplicação de conhecimentos que há uns anos não teria tempo de fazer com 5, 6 ou 7 turmas mais DTs mais outros trabalhos. Estas coisas mudam a experiência dos alunos.

      O estilo também muda de professor para professor, e isso é positivo. É bom que os alunos tenham experiência de vários modos de trabalhar e de abordar as questões. Mesmo em disciplinas como a Matemática ou temas como a Lógica proposicional, não o trabalhamos da mesma maneira. Porque é que na cidadania haveríamos de o fazer?

      Também penso que a disciplina não tem grande serventia porque os tmas que lá se tratam, são próprios de disciplinas específicas. Por exemplo, questões relacionadas com a educação sexual tratam-se na biologia e algumas outras na Psicologia (quanto a mim devia ser obrigatória num dos anos do secundário); os temas da organização do Estado e funcionamento das democracias tratam-se na Filosofia Política no 10º ano, bem como o tema da cultura, da relatividade de valores e culturas. Etc.

      (continua)

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    3. ortanto, para quê estar a criar uma disciplina onde pessoas que não têm conhecimentos, a não ser de revista Cláudia, sobre os assuntos, vão ensiná-los aos alunos?

      E temas como literacia financeira, poderia ser incluídos no programa de uma disciplina vocacionada para o seu ensino.

      O que não faz sentido é por professores a dizer coisas sobre assuntos de que sabem 'umas coisinhas'. Imagine que me punham a mim a dar literacia financeira. O que percebo eu disso???? Ou considera-se que como são alunos do ensino público, engolem qualquer porcaria que lhes dêem?

      Na verdade, o ministro disse que as questõs da sexualidade vão ser dadas no âmbito da saúde por professores com conhecimentos para o assunto. Mas os outros temas qualquer um pode dizer qualquer coisa? Bem, o que vai acontecer é que os professores, não tendo conhecimento dos assuntos, vão debitar a sebenta religiosa que o ministro e o seu SE vomitarem cá para fora.

      Quanto a mim isto é já um sintoma da decadência da ciência e do conhecimento especializado em favor de perspectivas de religiões e de pseudo-ciências.

      Quanto aos comportamentos de cidadania, como respeito pelas perspectivas dos outros, respeito pelas regras das disciplinas e da escola, respeito pelas regras democráticas, responsabilidade cívica, etc., estou consigo: apreendem-se no contacto com os pais, os professores, a direcção da escola, as instituições públicas, os grupos de desporto ou outros que frequentem, etc.

      Os pais hoje-em-dia não compreendem que podem ser um grande empecilho à educação escolar dos seus filhos e dos colegas de turma. Como o ministro e políticos em geral lhes dizem que eles é que sabem o que os filhos devem aprender, convencem-se seriamente que percebem de ensino do português, da matemática, da biologia, da filosofia, das línguas e tudo o resto e vão às escolas empecilhar o trabalho dos professores e, por vezes, estragar turmas inteiras.

      E sim, o ex.ministro João Costa, para aparecer como um sucesso nas estatísticas pôs o ensino nas aprendizagens mínimas dos mínimos rente ao chão. Agora temos alunos a chegar ao secundário, e à universidade que nem ler sabem. Nem acham importante ir às aulas ou chegar a horas ou fazer seja o que for, dado que lhes disseram que passar de ano sem trabalhar é um direito humano.

      Mas este ministro e o SE insistem na mesma lógica e para se vingarem da anterior orientação woke na disciplina de cidadania, vão substituí-la por orientação religiosa e censura parental.

      É só mediocridade.

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