July 18, 2025

Aqui vai uma opinião, de certeza, muito impopular (num logo post)

 


Os pais e encarregados de educação (PeEE) não têm que dar palpites acerca de como é que os professores organizam as aulas, acerca de como desenvolvem os currículos ou do próprio decorrer das aulas. 

Aos PeEE cabe, em primeiro lugar, educar os filhos para a civilidade e incutir neles a curiosidade e o gosto pelo conhecimento. Nós fazemos o resto. 

A escola tem muitos mecanismos, internos e externos, controlados pela tutela, de controlo do trabalho dos professores. Demasiados, até, dado que obrigam a muitas horas de reuniões inúteis e preenchimento de dados em plataformas sem nenhum mérito pedagógico. Os PeEE já estão no Conselho Geral da escola e podem aí intervir. 

Em segundo lugar, cabe às associações PeEE informar a comunidade escolar das suas preocupações relativamente à educação dos filhos e mais nada. Caberá depois às escolas, que são quem está dentro da legislação e dos objectivos curriculares e metodologias pedagógicas, acomodar essas preocupações na educação escolar dos alunos - ou não acomodar, dependendo da pertinência e fundamento das ditas preocupações. 

É preciso notar que há, segundo dados de 2022, 2 milhões de estudantes. Agora serão mais, visto que a população escolar subiu. 2 milhões de estudantes, implicam cerca de 3 milhões de PeEE, pressupondo que muitos terão mais de 1 filho. 3 milhões de PeEE significa milhões de pessoas, na generalidade muitos ignorantes acerca de tudo o que se passa nas escolas e das ciências e artes que lá se leccionam, com opiniões diferentes sobre tudo e mais alguma coisa, a maioria muito egoístas e subjectivos a querer pressionar as escolas a modificarem todo o sistema para benefício particular dos seus filhos. 

Por exemplo, os representantes dos PeEE vão a certas reuniões de Conselho de Turma para saberem como decorre o trabalho com a turma e quais os seus problemas, directamente de cada um dos professores da turma, ali presentes, e para transmitir impressões do ponto de vista dos pais. O que está bem. Porém, é raríssimo encontrar nessas reuniões um representante dos PeEE que não aproveite estar ali para começar a falar apenas do seu filho e de como ele merece boas notas ou para falar de um professor que o seu filho não gosta, geralmente porque não o classifica como ele deseja. Não são capazes de um ponto de vista imparcial e de se desligar dos interesses particulares dos filhos.

Para além disso, os PeEE vão às escolas dar opiniões e fazer pedidos completamente absurdos - ou têm uma religião e querem que se proíba tudo o que a sua religião não gosta; ou não têm religião e não querem que a religião ponha, sequer, um pé nas escolas; ou acreditam em pseudo-ciências e têm pedidos de os filhos não assistirem às aulas sobre certos temas; ou vão pedir para que os acrescentemos no nosso WhatsApp particular para poderem todos os dias dizer coisas dos filhos aos professores; ou são de opinião que os filhos possam chegar atrasados às aulas para poderem ficar a jogar jogos online até às 3 da manhã todos os dias (sim, já apanhei este pedido); ou querem que o professor envie para si, em cada semana, um plano escrito e pormenorizado das aulas, para poderem dizer se concordam ou não, porque "os pais é que dizem aos professores o que podem ensinar"; ou sugerem que os professores não tenham pausas entre as aulas, nem para ir à casa-de-banho, para ficarem a tomar conta dos seus filhos nos intervalos; ou querem que os professores não façam, nunca, avaliações porque isso causa ansiedade nos seus filhos e, afinal, "cada um tem o direito à sua verdade de maneira que os testes não passam da verdade do professor"; ou vêm sugerir maneiras de os professores leccionarem os temas das disciplinas com opiniões que assassinam as próprias ciências e todos os princípios pedagógicos (que aliás desconhecem); ou vêem informar-nos que o filho faltou à apresentação oral de um trabalho de grupo (prejudicando todo o grupo) porque "ele não gosta de falar" (às vezes são alunos que nas aulas não se calam)... enfim, se ficasse aqui a dizer a miríade de opiniões e absurdidades dos PeEE, cada um dos 3 milhões a querer uma coisa diferente, mesmo que prejudique todos os outros da turma, não saia daqui nos próximos 50 anos, que já não tenho para viver.

Em meu entender, os professores nem sequer têm a obrigação de explicar tudo aos pais, nem os pais têm que exigir saber tudo sobre todos os procedimentos. 

Imagine-se eu ir a uma repartição pública e começar a queixar-me da maneira como os funcionários organizam o seu trabalho e exigir que ouvissem os meus palpites acerca de como devem trabalhar, só porque sou utilizador do serviço; ou imagine-se chegar ao hospital e criticar os protocolos dos enfermeiros e dos médicos e exigir que me explicassem tudo sobre a lógica da organização do seu trabalho e que ouvissem os meus palpites acerca de como devem trabalhar. É absurdo, não é? Pois, mas é  que se passa nas escolas. Os pais pensam que têm o direito de ter os professores à sua disposição 24 horas por dia para explicar todos os mecanismos, constrangimentos e protocolos do seu trabalho, só porque são pais.

Por exemplo, enviam um email a qualquer hora e esperam resposta nas próximas duas horas e por vezes vão queixar-se às direcções de que os professores não responderam logo. Um professor tem um horário de trabalho e têm horas (poucas) específicas para o trabalho de direcção de turma, que inclui responder aos emails dos pais, mas não só. Por vezes temos problemas complicados para resolver: alunos que vêm de outras escolas sem processo ou alunos que faltam a todas as aulas porque pediram transferência para outra escola, mas não entregaram nenhum documento, etc., e nessas duas horas específicas para a DT não temos tempo de ir ver os emails.

Os pais devem ser informados oficialmente que os protocolos e procedimentos têm prioridades e têm propósitos e não lhes cabe a eles sabê-los todos, assim como não me cabe a mim explicar-lhes tudo. 

Outro exemplo acontece muito os pais, na aula seguinte à de um teste, se o professor não entregou os testes classificados (o que é o mais comum) virem logo ter connosco, DTs, fazer queixa. Tenho que explicar o óbvio: os alunos têm 6 disciplinas e fazem 6 testes, mas os professores têm 6 turmas, cada uma com 28 alunos, o que significa 168 testes para corrigir e classificar. Se cada tem tiver 3 páginas, são mais de 500 páginas para corrigir e classificar, o que é muito mais do que apenas ler. Uma turma de testes, no meu caso, leva cerca de 5 horas de trabalho a ser corrigida e classificada. Ora, os professores fazem ainda outros trabalhos: para o seu grupo disciplinar, para a direcção, para a DT, para os PeEE, para projectos, para a sala de estuo ou para o gabinete disciplinar, para organizar visitas de estudo, etc. E na aula a seguir ao teste têm de ir preparados para iniciar um novo tema, com todos os materiais necessários. Portanto, pode acontecer, e acontece na maioria das vezes, o professor levar tempo até entregar os testes classificados. Agora, eu não tenho que andar a explicar isto aos pais nem os pais têm o direitos de esperar que os professores percam tempo a explicar todos os procedimentos. Não sou professora dos pais, nem eles são meus superiores hierárquicos. 

Em suma, o que os PeEE podem fazer é o mesmo que eu posso fazer se tiver razões válidas para pensar que fui 'vítima' de negligência ou de más práticas, seja num hospital, seja numa repartição pública ou outro sítio qualquer, isto é, reportar a um organismo independente o sucedido e as minhas razões. 

Porém, os organismo oficiais de Educação, nomeadamente a tutela, devem eles mesmos educar os pais para os limites da sua autoridade de PeEE, para que não a confundam com a autoridade e intromissão sobre a educação escolar.

De há muitos anos para cá, já para evitar o grosso dos absurdos, na primeira reunião que tenho com os PeEE enquanto DT, informo os pais de todos os direitos que têm e de todas as responsabilidade e regras que têm de cumprir, eles e os seus filhos; informo do meu horário de trabalho na DT, que não é de 24 horas por dia ao serviço porque tem horas específicas, de que os informo, para saberem que é nessas horas que lhes respondo; informo das prioridades que tenho no trabalho de DT onde, à cabeça, está antecipar e resolver problemas de alunos, entre alunos e entre alunos e professores para que possa haver, dentro das salas de aula das disciplinas, um clima que permita criar situações positivas de aprendizagem, pois é esse o objectivo da educação escolar; peço-lhes que colaborem: não enviem mensagens sobre assuntos sem importância, não liguem aos filhos durante as aulas porque isso conta negativamente para os filhos, antes de fazerem juízos e empolarem situações decorridas, perguntem o que se passou, etc.. 

E dou-lhes exemplos: o caso de uma mãe que há meia dúzia de anos me enviou um email no dia 23 de Dezembro a perguntar o que estava a fazer que ainda não tinha ido justificar a falta da filha no último dia de aulas - esse foi o dia em que tirei o email de trabalho e as notificações do meu telemóvel. Agora, para ler emails de trabalho, tenho que, deliberadamente, entrar na conta, escrever a password, etc. e, salvos situações de exceção, só o faço nas horas de trabalho atribuídas.

É claro que os ministros da educação virem dizer publicamente que os professores têm que agradar às preferências e idiossincrasias dos pais, a ponto de os pais poderem censurar quem vai às escolas e que actividades pedagógicas os professores podem programar, envia a mensagem errada de que os pais sabem mais de educação escolar que os professores, esses adultos responsáveis, formados e treinados profissionalmente para tal. 

A educação escolar pública não é um menu à La Carte. 

Os pais têm o direito  de não quererem que os filhos ouçam um professor, um adulto responsável, falar de sexualidade, por exemplo, ou que assistirem às aulas sobre a Teoria da Evolução, mas então, ponham os filhos numa escola privada que tenha um currículo à La Carte, de acordo com a sua exigências fanáticas e absurdas, em termos de educação.

Um outro exemplo: outro dia falei com uma pessoa cuja filha é responsável pelos refeitórios das escolas de um Concelho do país. Contou-me que de início a filha andava completamente desorientada com as centenas de emails que recebi dos PeEE. Um queixa-se de o filho não ter gostado do sabor de 1 dos filetes de peixe; outro de a pizza ter os ingredientes mal distribuídos; outro de o filho ter sido dos últimos a ser servido e a sopa já estar morna; outro diz que o filho quer sentar-me sempre no mesmo lugar à janela... Depois vêm as exigências: o filho não come carne mas como ovos; o filho como ovos, mas sem a clara; o filho come a clara mas não a gema; o filho come a carne mas só de certas partes da vaca, que enumera; ; o filho não come nada com farinha de trigo, só de milho; o filho como farinha mas tem de ser integral da marca x; outro diz que o filho está habituado a arroz x e não come arroz inferior; outro queixa-se que as batatas fritas de 2ª feira não estavam no ponto e dá conselhos de como se deve fritar as batatas; outro quer que nunca sirvam peixe frito mas sim grelhado; outro diz que o pão estava um bocado duro; outro diz que o filho prefere beber uma coca-cola ao almoço... estes pedidos/exigências vêm acompanhados de páginas e páginas de opiniões e sugestões sobre nutricionismo, qualidade dos ingredientes e sei lá mais o quê. Imensos fazem queixa das escolas por causa destas parvoíces.

A certa altura, ele disse-me que a sua filha deixou de se stressar com estes absurdos e até já sabe a que escola pertence cada EE que envia email, sem ver o remetente, consoante o tipo de absurdo, dado que as escolas mais pobres têm certo tipo de absurdos, as mais ricas outros, as que têm muitos estrangeiros outros, as que têm muitos alunos de etnia cigana outros, etc.

É esta lógica de alimentar o absurdo que tem retirado autoridade aos professores, mas não só. Os médicos e enfermeiros hoje-em-dia levam pancada dos doentes - porque os doentes sabem mais que eles, nas repartições públicas os profissionais são insultados e atacados. Até a polícia é atacada porque os criminosos querem a policia a trabalhar de acordo com as suas exigências.

Há, não muitos anos, estava na moda uma 'pedagogia' que defendia que as crianças e os jovens não precisam de professores porque sabem instintivamente o que é melhor para si e devem ser livres de escolher desde que nascem, o que querem para a sua vida; portanto, se uma criança não queria aprender a ler e escrever até aos 12 anos, deveria ser obedecida. Muitos pais ouvem estas absurdidades e vão logo atrás delas para serem muito modernos.

Isto é a ascensão da insignificância (e da ignorância) ao poder de que falava Castoriadis. 

Sabemos com a certeza de muitos estudos científicos de mais de uma centena de anos que as crianças, quando não são estimuladas nos primeiros anos, que é quando estão mais dispostas, neurologicamente, a aprender, depois não serão capazes de compensar essa negligência e as aprendizagens em falta, mas temos estes pedagogos da nova pseudo-ciência a defender negligenciar a educação escolar das crianças e adolescentes como uma virtude cívica.

Quem pedirá desculpa a estas crianças todas pelas absurdidades que os seus PeEE, coligados com os pedagogos do absurdo, entendem como direitos e liberdade? 

E quando libertam as escolas da ditadura das opiniões desinformadas e absurdas dos milhões de PeEE, cada um com sua sentença sobre os assuntos que desconhecem?


1 comment:

  1. Quanto mais poder dão aos pais mais eles abusam na falta de respeito aos professores, nas tentativas de controle e na vitimização dos filhos. #Nena

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