October 16, 2024

Uma lição para as mulheres: nunca abandonem estudos por nenhuma relação, por mais segura que pareça; e não fiquem a depender financeiramente de maridos

 


Vamos lá falar de pensão de alimentos e de compensação pelo trabalho doméstico


Toda a miríade de tarefas que cai em cima das mulheres num casamento, sobretudo quando há filhos, tem custos financeiros para elas – e ganhos financeiros para eles.

Maria João Marques

(...) o divórcio do jogador de futebol João Palhinha e a sua proposta de pagar uma pensão de alimentos ao filho de quase dois anos de 500€, valor que arrepia tendo em conta que o atual ordenado de Palhinha se situará à volta do milhão de euros mensais.

Porém, mesmo com a informação incompleta, este caso é ótima matéria-prima para se voltar a debater quer a questão das pensões de alimentos quer das compensações financeiras às mulheres por todo o trabalho não pago de que se ocupam em casamentos e uniões de facto, sobretudo quando existem filhos. E as estatísticas são claras e avassaladoras: segundo o já famoso estudo da FFMS sobre as mulheres em Portugal, de 2015, 72% das tarefas domésticas e 69% das tarefas de cuidado dos filhos ficam a cargo das mulheres nos casamentos e uniões de facto.

Sobre a pensão de alimentos aos filhos (também conhecidos como sorvedouros de dinheiro): as despesas não param. E dentro da pensão de alimentos não cabe só a alimentação. Cabem todas as despesas quotidianas com uma criança. Roupa, remédios, fraldas, produtos de higiene, brinquedos, material para atividades desportivas e extracurriculares, um sem fim de gastos. Claro que pode haver acordo para pagamentos à parte. Mas, do que observo, é uma forma de criar atrito e penalizar as mães (as estatísticas também falam aqui: 87,3% das famílias monoparentais em Portugal são encabeçadas por mães, pelo que as despesas são primeiramente suportadas por elas). Muitos pais fogem a pagar a sua parte das faturas que lhes são apresentadas. Muitos contestam-nas e pagam com atraso (por vezes só por ordem do tribunal), sobrecarregando as finanças das mães.

Que um homem com um ordenado mensal milionário, ganhando mais num mês do que muita gente recebe durante toda a vida ativa, pague só para as despesas correntes do seu filho de menos de dois anos uns magros 500€ – é indefensável. Que um pai rico procure manter a vida do filho com tostões contados, espremendo punitivamente a vida financeira da ex-mulher, bem, deve ser sinal da decadência moral dos tempos. Que tal coisa seja celebrada nas redes sociais pela direita conservadora e extrema-direita, alegadamente defensoras da família, só mostra a hipocrisia destes lados políticos.

Estes casos não são novos em jogadores de futebol. Já Simão Sabrosa também cortou o financiamento aos dois filhos do primeiro casamento quando estes fizeram 18 anos. Outro pai rico deixando de sustentar filhos que ainda estão a estudar – imoral. (Talvez haja um texto a escrever sobre os modelos fornecidos pelos jogadores de futebol aos jovens adeptos que os idolatram.)

Outro ponto: a compensação financeira a uma mulher em caso de divórcio. Patrícia Palhares não concluiu o curso de medicina dentária e deixou de trabalhar em prol do casamento. Neste momento está grávida, sem possibilidade de encontrar trabalho (dificilmente alguém contrata uma mulher que calhando nem vai cumprir o período experimental antes de se ausentar por meses) e sem meios de sustento. Claro que esta historieta também é uma lição às mulheres: nunca abandonem estudos por nenhuma relação, por mais segura que pareça; e evitem ficar na dependência financeira de maridos.

Desde a lei do divórcio de 2008, desse grande feminista José Sócrates, as mulheres ficaram penalizadas no pós-casamento, considerando-se que cada um dos ex-cônjuges deve prover ao seu sustento – e já se viu que, havendo filhos, é uma fórmula francamente castigadora das mulheres. Também se previu, nessa lei, compensação para o cônjuge que desproporcionalmente desempenhe as tarefas domésticas e de cuidado no casamento, renunciando excessivamente aos seus interesses próprios. O princípio é bom, mas vago e insuficiente.

Após anos de juízes marimbando-se nisto (incluindo no STJ) e persistindo na interpretação social das mulheres serem criadas não pagas dos maridos (e cara alegre por isso se faz favor), uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 2021 veio fixar um acórdão da Relação de Guimarães que estipulava uma compensação de 60.000€ pelo trabalho domésticofeito por uma mulher durante o casamento, segundo a fórmula um terço do ordenado mínimo por cada ano de casamento (ou união de facto). Considerou-se (e bem) que a divisão não equitativa das tarefas constitui um empobrecimento da parte que as desempenha e um enriquecimento de quem delas usufrui.

De facto, toda a miríade de tarefas que cai em cima das mulheres num casamento, sobretudo quando há filhos, tem custos financeiros para elas – e ganhos financeiros para eles. Limpezas, cozinhar, o planeamento de refeições e as compras de supermercado, o tratamento e compra das roupas, organização das festas dos miúdos, o acompanhamento junto de médicos e professores e educadores de infância, faltar quando os petizes estão doentes, compra de presentes e material escolar, e um quilométrico etc. Mesmo nos casais que partilham tarefas equitativamente, ou tenham ajuda doméstica, a gestão organizacional familiar está usualmente a cargo das mulheres. O que lhes retira tempo, energia e recursos financeiros para se dedicarem à carreira ou valorização própria. Do mesmo modo, beneficia os homens: têm quem faça trabalho familiar gratuitamente e dá-lhes tempo e estabilidade para ganhos profissionais. Além, em certos meios, do cachet social de ter uma mulher que "não trabalha".

Ora a fórmula de 2021 também não é suficiente. Toda a divisão de tarefas não equitativa tem de entrar nas contas de um divórcio. Algo que legisladores e juízes parecem não entender.

Público

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