September 14, 2024

Falsas dicotomias na educação

 

Uma delas é a de que, ou usamos os telemóveis nas aulas ou somos contra as novas tecnologias e as nossas aulas são magistrais, à antiga.

No tempos que correm são já raros os professores que não usam tecnologias digitais. Confesso que me seria difícil voltar aos tempos em só tinha um quadro e giz porque já tenho as aulas preparadas para usar usar o projector, tanto para trabalhar os temas como para projectar fichas de trabalho e a internet, seja para imagens, pequenos vídeos do YouTube, aceder a plataformas de conteúdos educativos, etc. E isto, tendo em conta que a minha disciplina, a Filosofia, tirando a Lógica, é muito abstracta e teórica, porque os professores de Matemática, de Física e outros trabalham com muitos programas e plataformas específicos das suas disciplinas. 

Houve uma altura em que deixava os alunos usarem os telemóveis para fazer pesquisas na net ou porque enviava fichas de trabalho para o email da turma e deixava-os usar o telemóvel para irem ao email trabalhar nas fichas. Há professores que trabalham em plataformas que necessitam de password e os alunos terem o telemóvel dá jeito - já usei um blog que criei como trabalho conjunto onde os alunos publicavam trabalhos e onde punha exercícios e era necessário que acedessem com password. O telemóvel dava muito jeito.

Porém, tudo isto foi antes das redes sociais tipo Insta e Tik Tok e antes da IA. Hoje-em-dia os possíveis benefícios do uso do telemóvel são largamente ultrapassados pelos prejuízos à saúde mental dos alunos, ao clima de turma e à aprendizagem. Os alunos não conseguem ter o telemóvel e não ir ver as notificações, os likes, os updates das páginas, etc., para não falar dos que passam os intervalos a ver pornografia. E no que respeita ao trabalho, não conseguem, não copiar. Não conseguem ter ali no bolso um meio de tirar boas notas sem trabalho e não usar. É como dizer a alguém que mora no 6º andar para ir a pé em vez de usar o elevador, porque lhe faz bem à saúde.

Na realidade, no que me diz respeito, travei o uso do telemóvel nas aulas e de certos meios digitais que é suposto 'facilitarem' o trabalho. Não quero facilidades, quero que eles se ultrapassem e evoluam. Quero que cada um construa a sua arquitectura conceptual própria a partir da personalização, apropriação e interiorização dos temas e metodologias trabalhados.

Todos os professores notam, sobretudo desde a pandemia, uma quebra muito grave na capacidade dos alunos concentrarem-se, na leitura de textos simples e no vocabulário normal, não especializado. As crianças e os adolescentes terem crescido educados quase exclusivamente pelos telemóveis, roubou-lhe capacidade de leitura, de raciocínio, de foco e de vocabulário. Habituou-os a pesquisas e a leituras da realidade exclusivamente por memes, imagens e vídeos.

Nós pensamos com palavras, os conceitos são os nosso tijolos, sem os quais não se constrói nenhum edifício. Se não têm os conceitos, isso significa que não têm as ideias correspondentes e se não as têm, estão extremamente limitados na possibilidade de compreender ideias e sentimentos complexos, para não falar em articular um argumento com raciocínios encadeados. Não podemos prescindir da leitura e da escrita.

Houve um tempo, muito antes dos telemóveis, em que os 'pedagogos' defendiam que se acabasse com a literatura porque os alunos, no seu futuro, precisavam era de saber escrever uma carta comercial e preencher um cheque bancário. Pois foi... agora imagine-se o que seria terem acabado com autores para ensinar os alunos a preencher cheques - que já nem existem. E imagine-se que se acrescentava a isso, sugerir um disciplina para preencherem cheques com responsabilidade e ética. A esta distância penso que já todos vêem o absurdo da proposta. Pois, mas é o mesmo argumento dos que nos dias que correm dizem que os alunos em vez de aprender a literatura e os conhecimentos estruturais, precisam é de aprender a usar aplicações bancárias (e outras) e que devia haver uma disciplina para ensinar a usar o telemóvel com responsabilidade. 

Esta semana numa ida a um hospital (tenho mais uma cena) estive mais de uma hora à espera de entrar na consulta. Durante esse tempo, um miúdo dos seus 8 ou 10 anos, esteve o tempo todo com os olhos pregados num ecrã de telemóvel a jogar um jogo de tiros e explosões, com auriculares. A mãe no telemóvel a assistir a uma novela ou um reality show ou algo do género. Não falaram um com o outro. Uma avó com uma criança mais pequena, talvez 5 anos, estava ao telemóvel em voz alta, como agora é moda, para termos que ouvir a conversa. Era uma conversa com uma amiga em que ambas diziam mal de alguém - a neta a ouvir aquilo e a absorver o comportamento exemplar da avó. 

Agora vão lá dizer aos miúdos que ser educado pelo telemóvel cria ansiedades, vícios, problemas oftalmológicos, obesidade, problemas de auto-imagem, dificuldade em aprender linguagem complexa, dificuldade de concentração em ideias, dependência de imagens e de excesso de estimulação visual, pensamento de manada, dificuldade em seguir uma raciocínio encadeado, etc.


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