“É possível sentir a falta de um pai', pergunta Caroline Darian em Et j'ai cessé de t'appeler papa (JC Lattès, 2022). Nele, a filha de Dominique Pélicot, actualmente a ser julgado com outros 51 homens por violações, relata o terramoto devastador desencadeado pela revelação, em 2020, dos actos criminosos do seu pai.
O seu relato lança uma luz muito diferente sobre o “homem fantástico” descrito por Gisèle Pélicot quando falou pela primeira vez. Na sua busca da verdade, Caroline Darian apercebe-se de que as suas recordações de família estão cheias de indícios de um controlo e de um vício que, a pouco e pouco, estrangula toda a família.
Talvez o problema não seja tanto o facto de os criminosos se esconderem por detrás de de uma dupla personalidade, mas sim o facto de ignorarmos certas pistas em frente de nós.
O relato de Caroline Darian deveria ser lido como um manual de prevenção da violência doméstica. Está lá tudo. Vários anos antes da detenção de Dominique Pélicot, a sua mulher já estava completamente isolada. Tinha discutido e rompido com um amigo que conhecia há 20 anos por causa do comportamento inadequado e dos avanços que ele, alegadamente, lhe tinha feito. A sua vida social diminuiu consideravelmente. O marido aconselha-a a não ir às compras e nem sequer a deixava ir buscar o correio à caixa, de manhã, alegando que ela precisa de descansar.Há uma expressão que se tornou quase excessivamente utilizada para descrever todas as pistas que Caroline Darian apanhou: bandeiras vermelhas. As bandeiras vermelhas referem-se a um conjunto de comportamentos que nos fazem sentir desconfortáveis, intimidados ou embaraçados, sem que consigamos sempre dizer exatamente porquê.
Por exemplo, o rapaz que não lhe faz perguntas no primeiro encontro e só fala de si próprio. Ou o tipo que minimiza todos os seus conseguimentos. Ou aquele que critica as suas escolhas de roupa - a lista continua e pode também ser usada no sentido feminino.
Como o comportamento que nos alarma vem por vezes de uma pessoa em posição de autoridade, estamos geralmente habituados a silenciar este instinto que, no entanto, nos diz que algo está errado.
Se este comportamentos provêm de uma pessoa de quem esperamos e por quem temos afeto, ou mesmo amor, por vezes minimizamos o rebaixamento ou mesmo a humilhação. E no entanto...
Claro que pode tornar-se nociva, dizendo-nos repetidamente que não valemos nada mas, nesse caso, terá assumido a voz do carrasco e quando grita, em caso de perigo, deveria ter um altifalante, porque pode salvar vidas. Os testemunhos de Caroline Darian e de outras vítimas reforçam-no.
Victorine de Oliveira
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