February 27, 2024

O ME acha normal considerar "uma brincadeira" actos de grande brutalidade




A brincar com quem?

José Júdice

Há pouco mais de um mês, a 19 de Janeiro, um grupo de alarves de uma escola no Vimioso, Distrito de Bragança, todos rapazes com idades compreendidas entre os 13 e os 16 anos, resolveu brincar aos médicos enfiando uma vassoura no ânus de um colega de 11 anos. Tratava-se, informa um relatório divulgado há dias pelo Agrupamento de Escolas local, da simulação de um “exame médico à próstata”. A brincadeira não foi denunciada nem por outros colegas, nem por uma funcionária da escola, descrita em burocratês como “funcionária operacional”, que “terá” presenciado o acto clínico e que “nada fez” para refrear os ímpetos dos candidatos a futuros funcionários operacionais do Serviço Nacional de Saúde. Foi denunciada pelo presidente da Junta de Freguesia do Vimioso, que aproveitou para denunciar “um clima de terror” derivado de diversos outros casos de violência nessa mesma escola.

Só após a denúncia pública do presidente da Junta, as autoridades escolares tomaram medidas, graves, sérias e severas. Os oito brincalhões foram suspensos da frequência da escola. Por quatro dias. Quatro. E quatro dias após terem sodomizado o seu colega de 11 anos com uma vassoura e cumprido o seu justo e severo castigo, sete dos foliões regressaram às aulas. Como se nada de realmente grave se tivesse passado.

“Já regressaram todos à escola e estão a frequentar as aulas”, tranquilizou o Ministério da Educação para dissipar a natural preocupação do país, para nem falar dos pais, com as possíveis e talvez irreversíveis consequências para as aprendizagens e o futuro escolar dos empenhados promissores clínicos. Regressaram todos à escola, às aulas e, presume-se, ao saudável convívio com colegas, professores e “funcionários operacionais”. Danados para a brincadeira, com certeza, mas não é por isso que o seu futuro escolar pode ser posto em causa. Desde que o acesso às vassouras lhes seja interdito.

Com a revelação do caso, as autoridades naturalmente intervieram. Polícia Judiciária, Ministério Público, Procuradoria-Geral da República, GNR e Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, e toda a panóplia de entidades que asseguram que Portugal é um país de brandos costumes e assim tem de continuar a ser, anunciaram que tomaram o assunto entre mãos. Os inquéritos mais aguardados, no entanto, foram o anunciado pelo próprio Agrupamento de Escolas do Vimioso e, porque o assunto foi considerado digno de consideração superior, pelo próprio Ministério da Educação através da sua Inspecção-Geral de Educação e Ciência que, a acreditar nos jornais, se pôs “a apurar responsabilidades” dias após a denúncia.

Apurar responsabilidades é a maneira elegante e protocolar de dizer “sacudir a água do capote”. Quase um mês após terem iniciado o apuramento de responsabilidades, que responsabilidades foram então apuradas.

O que o Agrupamento de Escolas do Vimioso apurou, segundo foi comunicado aos jornais, foi que se tinha tratado de uma “brincadeira entre alunos simulando exames médicos à próstata”. Foi preciso quase um mês para chegarem a esta conclusão num processo, esclarece o Ministério da Educação na sua elaborada linguagem, “ao nível da escola”.

Se foi preciso quase um mês para “ao nível da escola”, e por “nível” presume-se que não tiveram de sair do sítio, para chegar a esta conclusão, seria esperar demais que um inquérito elaborado por uma instituição tão augusta como a Inspecção-Geral de Educação e Ciência estivesse se não pronto, no mínimo, com algumas conclusões prévias, que adiantassem algo mais sobre não só o ocorrido, mas por que é que ocorreu, por que é que foi possível ter ocorrido e por que é que, mesmo apesar de ter sido presenciado por uma “funcionária operacional”, o caso só foi do conhecimento público pela denúncia do presidente da Junta e a escola, ou o Agrupamento de Escolas, só dias depois tomou medidas. As graves, sérias e severas medidas de suspender a ida à escola dos brincalhões. Por quatro dias.

O inquérito da Inspecção-Geral da Educação e Ciência, diz o Ministério da Educação, ainda não concluiu, ou não deu conhecimento de ter concluído, as suas diligências. Um mês depois.

É certo que o Vimioso é longe e - informação útil - não há comboio, mas pode-se ir de autocarro. São 7 horas e meia. Ida e volta 15 horas. Tempo manifestamente insuficiente para meditar naquilo a que o Ministério da Educação chama, com a pudicícia específica e própria do Estado, de “comportamento inadequado”. Sodomizar uma criança de 11 anos com uma vassoura. Inadequado? O que seria adequado? Um cabo de enxada?

A escola em questão, tranquilizam as autoridades, realiza durante todo o ano lectivo um “conjunto de acções” para “sensibilizar os alunos para os perigos da actualidade”, especificando com rigor exaustivo que nesses perigos da “actualidade” estão a “violência e bullying, violência sexual sobre crianças e jovens e consumo de drogas”. Mercê de tanta sensibilidade com estes “perigos da actualidade”, a escola ostenta “selos” de “escola sem bullying” e “escola sem violência”.

A única coisa actual em todo este relambório burocrático é o “bullying”, e mesmo esse a única actualidade que tem é ser em inglês. Talvez porque se for em estrangeiro sempre se pode dizer que é um fenómeno importado e estranho neste país de brandos costumes.

Sempre houve brutamontes nas escolas, sempre houve violência nas escolas, sempre houve abuso dos mais velhos sobre os mais novos, dos mais fortes sobre os mais fracos, dos mais gabarolas sobre os mais tímidos.

Não se sabe quanto tempo mais precisará o Ministério da Educação e a Inspecção-Geral da Educação e Ciência para terminar as suas “diligências” e dar conhecimento das suas recomendações. Talvez entre estas a criação, a acrescentar ao selo de “escola sem violência” e “escola sem bullying”, um selo de “escola sem vassouras”?

DN

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