25 de Novembro. Cunhal não era Lenine nem Trotsky
Zita SeabraO 25 de Abril foi para mim um dos dias mais marcantes e mais felizes da minha vida. Acabava finalmente a ditadura em Portugal, chegava a liberdade e a democracia pela qual tinha lutado toda a vida. Acabavam seis anos de vida clandestina e podia voltar a casa, encontrar os meus pais e a minha família, abraçar os amigos e viver normalmente sem as privações e sem medo.
Eu, e toda a minha geração, no tempo dos Beatles ou de Woodstock, vivíamos asfixiados por uma ditadura de repressão. De pides que frequentavam os nossos cafés e nos espiavam nas escolas, de proibições, de censura e sobretudo que travava três guerras coloniais (Angola, Guiné-Bissau e Moçambique) que obrigavam os jovens que acabavam os seus cursos a desertar para França, ou para outro país. A alternativa seria ir para a guerra, matar quem não queriam, ou morrer por uma causa que não era a sua.
No dia 25 de Abril, Portugal inteiro entrou em festa e os portugueses uniram-se, vivendo estes dias que foram decisivos para a construção do regime democrático e pluripartidário que se desenhou e que hoje temos.
Essa unidade de todo um país espantou o mundo e foi mostrada de forma eloquente nas comemorações do 1.º de Maio desse mesmo ano. Portugal saiu à rua de cravo na mão, militares e civis festejaram juntos. Mário Soares e Álvaro Cunhal, unidos e regressados à Pátria, percorreram as ruas de Lisboa até ao Estádio batizado nesse dia com o novo nome: 1.º de Maio. Viveu-se sem nenhum incidente a maior manifestação popular de sempre e jamais repetida em Portugal.
Foi uma enorme alegria para toda a minha geração e para mim, em particular, poder viver estes dias com a certeza que tinha contribuído duramente para que acontecesse o fim da ditadura. É uma grande sorte poder dizer isso da própria vida.
A partir daí e como seria normal num regime pluripartidário, começaram a surgir diferenças que deram origem aos mais diversos partidos de todas as causas e de um extenso leque partidário e ideológico, da extrema-esquerda à extrema-direita.
O PCP tinha a sua linha política definida desde os anos 60, no livro Rumo à Vitória, escrito pelo seu Secretário-Geral Álvaro Cunhal e que estava na origem do seu programa político para a queda da ditadura e indicava o caminho a seguir para chegar ao socialismo, rumo ao comunismo.
O 25 de Abril estava definido como sendo a Revolução Democrática e Nacional, a primeira fase da revolução socialista. Resultaria de uma insurreição popular armada. Não foi bem isso, como Cunhal reconheceu, mas também nunca quis chamar-lhe golpe militar, tanto mais que o povo saiu de imediato à rua não com armas, mas com cravos.
Comparando com a revolução Russa de Outubro, como Cunhal sempre gostava de fazer para diferenciar dos partidos comunistas de França ou Itália, ambos euro-comunistas, teríamos vivido a revolução de Fevereiro em Abril e, agora, teríamos de caminhar para a nossa revolução comunista de Outubro. E, assim, era evidente que Mário Soares seria o nosso Kerensky.
Segundo o programa do PCP, a passagem seria concretizada por uma insurreição popular armada executada pela Aliança Povo/ MFA.
Foi assim que o PCP fez tudo para impedir a realização de eleições. Quando não o conseguiu, teve a 25 de Abril de 1975 um resultado humilhante e inesperado: 12,46% o PCP e 4,14% o seu aliado MDP.
O PCP decidiu então acelerar a via revolucionária para atingir os objetivos e dar entrada no Período Revolucionário em Curso - o PREC. O momento simbólico dessa decisão foi quando uma semana depois das eleições perdidas, comunistas, sindicalistas e uns marinheiros que faziam segurança à tribuna, impediram a entrada nessa zona do estádio 1.º de Maio a Mário Soares, Secretário-Geral do PS, ministro do Governo e que tinha acabado de vencer as eleições.
Há relatos rigorosos da cena: Soares sobe as escadas que dão acesso às traseiras da tribuna onde estavam o Presidente da República, o primeiro-ministro e Álvaro Cunhal. Ao abrir apenas um pouco a porta, um sindicalista não lhe permite a entrada e fecha-lhe a porta na cara, literalmente.
Mas a “Revolução de Outubro” acabaria no dia 25 de Novembro, ou mais exactamente entre 25 e 27 de Novembro.
Depois do “Verão Quente” a preparar a insurreição popular armada, chegámos a 25 de Novembro a medir forças militares e a avaliar o poder nas ruas. Quando chegou o dia, recordo bem a frase de Cunhal aos dirigentes do PCP, citando Lenine na véspera da revolução de Outubro: “Ontem era cedo, amanhã é tarde, é hoje.”
Três objectivos eram a chave da vitória de um lado ou de outro: primeiro, saírem paraquedistas e fuzileiros, surpreendendo o adversário; depois, ocupar a Comunicação Social (a RTP foi ocupada por pouco tempo por Duran Clemente) e calar as rádios; e, por fim, a que me dizia respeito, dar armas ao povo. Eu tinha os estudantes da UEC em casas por células de Lisboa e alguém diria onde ir buscá-las.
O PCP e restantes aliados da extrema-esquerda perderam e, durante a noite do 25 de Novembro, a ordem foi para desmobilizar. A sensação de derrota foi difícil de compreender e de aceitar.
Mas o PCP não foi ilegalizado e Cunhal nunca reconheceu a derrota durante anos. Quando eu abandonei o PCP e fui expulsa, ainda se dizia em todas as reuniões do Comité Central, como na altura escrevi, que não se lutava por uma democracia burguesa, mas por um estado socialista. Outubro chegaria.
Não chegou porque Cunhal não era Lenine nem Trotsky. E Mário Soares também não era Kerensky.
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