September 11, 2023

Leituras pela manhã - O Homo Sapiens é eficiente mas pouco criativo



"Sinto-me como um homem de outra época", Ludovic Slimak, caçador de Neandertais



O explorador Ludovic Slimak dedicou décadas a desvendar o mistério dos nossos antepassados pré-históricos. Agora encontrou uma peça que faltava e que altera radicalmente a nossa compreensão - não só dos Neandertais, mas da própria humanidade.

por Michael Segalov

O que aconteceu aos Neandertais - a sua extinção - é um dos maiores mistérios por resolver. Há cerca de 40.000 anos, desapareceram. É um tema que tem consumido tanto a investigação académica como a ficção. Muito esforço tem sido despendido para tentar determinar o que levou ao seu desaparecimento. 

Na opinião de Slimak, esta pode já não ser a pergunta mais pertinente. "Normalmente, os arqueólogos acham que, quando os sapiens entram no território neandertal, é o fim dos neandertais. Mas aqui fizemos uma descoberta única". Slimak salta para a própria escavação, apontando entre várias camadas de rocha e sedimentos. "Estamos a encontrar milhares de coisas em todos os níveis: pedra, osso, uma pedra, um dente, uma costela..." A equipa consegue datar cada osso, ferramenta ou rocha que descobre. "Os Neandertais ocuparam este sítio há mais de 100.000 anos. Sabemos agora que há 54.000 anos, o primeiro Homo Sapiens viveu aqui. Depois disso, houve pelo menos mais cinco fases de habitantes neandertais ao longo de um período de 12.000 anos.

Parece complexo, mas Slimak faz questão de deixar claro que a conclusão é simples. "Encontrar o Homo Sapiens ensanduichado entre os ocupantes Neandertais nestas grutas altera totalmente a nossa compreensão das nossas origens e reescreve aquilo em que acreditávamos. 
Se ambas as espécies se cruzaram durante este longo período de tempo, muito mais importante do que o que aconteceu aos Neandertais, é perguntar: o que é que estas duas espécies faziam juntas? Comunicavam? E, mais importante ainda, como é que interagiam? Porque os Neandertais viviam e existiam no mundo de forma diferente dos nossos antepassados. Não apenas pela cultura, mas pela sua própria natureza".

O autor aponta para o facto de o artesanato pré-histórico do Homo Sapiens e do Neandertal serem muito diferentes. "Podemos não saber muito sobre os Neandertais mas através do que eles criaram, podemos ver algo incrível. 
Quando pegamos nas ferramentas do Homo Sapiens feitas de sílex, ao longo de dezenas de milhares de anos, em diferentes partes do mundo, são sempre as mesmas. São padronizadas. Isto não pode ser cultural." 
É provável que tenha havido pouco contacto entre estas diferentes povoações. "Há algo inato no comportamento do Homo Sapiens - no nosso comportamento - para agir e pensar de uma determinada forma. Faz parte da nossa natureza". 
O artesanato neandertal, no entanto, não partilha deste padrão de normalização. "Observem cuidadosamente as ferramentas e armas neandertais. São todas únicas. Estudamos milhares e vemos que cada uma é completamente diferente. Os meus colegas nunca se aperceberam disso. Mas quando me apercebi, vi que havia uma profunda divergência na forma como o Homo Sapiens e os Neandertais entendiam o mundo."

Historicamente, 
Slimak acredita que a humanidade tem tido um problema. "Para compreender verdadeiramente algo, é preciso poder compará-lo com outra coisa, mas nós, como sapiens nunca tivemos uma espécie com a qual nos pudéssemos comparar". 
Sim, há outros animais: grandes símios, chimpanzés, gorilas. "Mas nós divergimos dessas criaturas há cerca de 10 milhões de anos. Claro que, em comparação com um gorila, temos mais criatividade e capacidades, habilidades. Isso dá-nos uma certa imagem de nós próprios - uma imagem de superioridade. Mas o que acontece se nos compararmos com algo muito mais próximo - algo muito mais parecido com a humanidade, embora diferente, que só desapareceu há 40.000 anos?" Imagina, sugere, como nos veríamos de forma diferente se fôssemos confrontados com extraterrestres hiperinteligentes.

Slimak considera que esta comparação pode e deve ser feita com os Neandertais. "As suas ferramentas e armas são mais únicas do que as nossas. Como criaturas, eram muito mais criativos do que nós. Os sapiens são eficientes. Colectivos. Pensamos da mesma maneira e não gostamos de divergências. E não estou a falar apenas da cultura ocidental. 
Vá a qualquer sociedade aborígene: há regras e costumes claros, e estilos de vestuário partilhados. A expectativa de agir de uma certa maneira; de seguir os regulamentos". Os nossos antepassados, diz ele, viviam assim instintivamente. "Não se vê isso nos Neandertais." 

Ao ver os Neandertais como um ponto de referência com o qual nos podemos medir, Slimak considera que a humanidade recebe uma dádiva: "Temos a oportunidade de nos olharmos ao espelho e vermo-nos como realmente somos. Para nos ajudar a redefinirmo-nos, o que temos de fazer com urgência".

Na sua opinião, não se trata apenas de uma teoria filosófica interessante. "Os Neandertais desapareceram, penso eu, devido à elevada eficiência humana. E essa eficiência ameaça agora destruir-nos também. É isso que está a matar a biodiversidade do planeta." 

Para Slimak, The Naked Neanderthal não é um livro de história. "É sobre nós no presente. É um apelo à humanidade para que se veja a si própria como é, comparando-nos com outra coisa, na esperança de mudar o rumo do nosso futuro. Porque ao compreendermos a nossa natureza - e o risco que esta eficiência representa - podemos salvar-nos de um destino semelhante." 

Ao longo dos milénios, a humanidade também desenvolveu uma tecnologia e uma cultura avançadas e impressionantes, de um tipo que os Neandertais nunca poderiam ter imaginado. "Por isso, embora haja algo de perigoso na nossa natureza, enquanto coletivo, podemos controlá-la e reformulá-la. Compreender isto é a chave para o futuro da humanidade. Porque se não pensarmos cuidadosamente, da próxima vez não serão os Neandertais que a nossa eficiência destruirá, a vítima será a própria humanidade."

The Naked Neanderthal is out on 21 September

(excerto do artigo)

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