September 11, 2023

Corrijam-me se estiver enganada, mas se calhar a raíz dos problemas é mais complexa do que apenas, "a (pouca) vontade de mudança "




Num trabalho publicado no Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, voltou ao debate o desajustamento entre o que se aprende nas licenciaturas ou mestrados e as necessidades da economia e do mercado de emprego. Não é de agora, em Portugal ou no estrangeiro, a constatação de que o Ensino Superior anda tradicionalmente um pouco atrasado face àquilo que as empresas reclamam. Contudo, entre nós a análise fica quase sempre pela rama, não indo à raiz do problema: a (pouca) vontade de mudança nas universidades e nos politécnicos.

São três as dimensões que condicionam o importante alinhamento entre Ensino Superior e economia real: a oferta de cursos, a carreira docente e a carreira de investigação.

Comecemos pela oferta. Em 2022, havia em Portugal cerca de 1.512 licenciaturas, 71 mestrados integrados, 2.034 mestrados e 610 doutoramentos. Este total de 4.227 ciclos de estudos, 8% superior ao de 2021, é excessivo face à dimensão do país, situação já denunciada pelo presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, João Guerreiro, que em dezembro de 2022 afirmou que "este problema da multiplicação dos ciclos de estudos tem de ter uma solução".

Ao nível da licenciatura, o problema é ainda mais grave quando se sabe que a dita oferta está inflacionada em áreas com baixa empregabilidade e interesse estratégico residual para o país. Um estudo da Fundação José Neves revelou que em 2022 foram apenas 46 os cursos que não registaram desemprego nos recém-licenciados. A única forma de aumentar as vagas e melhorar a qualidade nos cursos que a economia reclama - ciências de saúde e engenharia e tecnologias são os mais procurados, mas não os únicos - é reduzir o número de vagas nos cursos com empregabilidade saturada, mas as universidades não têm meios nem coragem para o fazer. É óbvio que todas as áreas do conhecimento são necessárias e importantes, mas tal não significa que devamos, todos os anos, inundar o país com milhares de licenciados em direito, sociologia, psicologia, comunicação, para referir apenas alguns. O sistema de ensino superior deve servir o país e não viver para se alimentar a si próprio.

(...)

José Mendes, Professor catedrático in o-divorcio-entre-ensino-superior-e-economia-real

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Parece-me que há questões que nem sequer são equacionadas.

1º - Dizer que o ensino superior tem uma vertente de serviço à economia e desenvolvimento do país é diferente de dizer que, "O sistema de ensino superior deve servir o país". Nós somos, em primeiro lugar homo sapiens, não homo economicus. O ensino superior é para o desenvolvimento do homo sapiens, para o avanço do seu conhecimento global e pensar o ensino superior como uma mera funcionalidade de utilidade à economia é redutor e contrário ao próprio desenvolvimento humano. Existe um país económico, mas também existe um país cultural, muito atrasado, o que também tem influência na economia e, aliás, na escolha de cursos.

2º - Contudo, podemos, de facto, perguntar, 'porque é que não há mais cursos daqueles que "a economia reclama - ciências de saúde e engenharia e tecnologias são os mais procurados", que o autor refere. Quando o Estado deixa de financiar as universidades e lhes diz que têm de financiar-se a si mesmas e ser sustentáveis não está a transformá-las em empresas e os professores em empresários? O que perseguem as empresas? Lucros. Então, segue-se que as universidades aumentam as vagas para cursos que custam pouco dinheiro -cursos de mesa e cadeira, como se diz- e que fazem entrar dinheiro de propinas. E se puderem manter esses alunos a pagar mais e melhores propinas a fazer mestrados e doutoramentos, pois é o que fazem. E mantêm os professores contratados com excesso de trabalho e baixos salários, como fazem as empresas, o que se calhar têm interferência na investigação e carreira docente.

Portanto, o Estado quer que as universidades se comportem como empresas, para não ter que as financiar, mas quer, ao mesmo tempo, que não sejam como empresas que procuram o lucro -quanto mais fácil melhor-, mas como instituições altruístas que sirvam a economia do país.

3º - Mesmo que o Estado regulamentasse por decreto o número de vagas/cursos nas universidades (o que contraria a autonomia), isso só por si não fazia com que os alunos portugueses escolhessem essas opções. Está em curso, desde há oito anos a destruição do ensino básico e secundário na vertente de conhecimentos e competências técnicas e a sua substituição por "actividades giras, dizer opiniões, etc." com passagens, praticamente, ou mesmo, automáticas. 
Ora, estes alunos não concorrem para os cursos que a economia quer que cresçam como, "saúde, engenharia e cursos técnicos", nem mesmo que as vagas cresçam por decreto: não estão minimamente preparados nem capacitados para eles. Tem-se feito um nivelamento por [muito] baixo.

4º - Mesmo que houvesse alunos preparados a querer esses cursos, não tinham dinheiro para eles. Esses cursos são muito caros, ao contrário dos cursos de papel e caneta - quanto mais se fala de inclusão, mais se torna o acesso ao ensino superior uma opção elitista. Estamos num país onde os pobres crescem a um ritmo assustador.

Portanto, assim de repente, parece-me que dizer que o problema se reduz à pouca vontade de mudança nas universidades e nos politécnicos, por muito que isso seja uma parte da verdade, é um bocadinho redutor e não ajuda à compreensão e solução do problema de haver alunos a mais em certos cursos e a menos em outros cursos que interessam ao país económico e de haver, em geral, cursos a mais.


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